Marrocos e Tunísia: dois países da África com decrescimento populacional no final do século XXI
Marrocos e Tunísia: dois países da África com decrescimento populacional no final do século XXI, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Marrocos e a Tunísia vão apresentar decrescimento demográfico nas últimas décadas do atual século porque as taxas de fecundidade estarão abaixo do nível de reposição
A África terá um grande crescimento demográfico ao longo do século XXI, como mostra o gráfico abaixo. A população mundial era de 2,5 bilhões de habitantes em 1950, sendo 228 milhões na África (com 9,1% do total global). Em 2022, a população mundial passou para 8 bilhões de habitantes, sendo 1,43 bilhão na África (17,9% do total). Segundo as projeções da Divisão de População da ONU, em 2100, a população mundial será de 10,3 bilhões de habitantes, sendo 3,9 bilhões na África (37,9% do total).
O alto crescimento demográfico da África se deve aos altos níveis de fecundidade. O artigo Africa’s unique fertility transition, do demógrafo John Bongaarts, publicado na prestigiosa revista acadêmica Population and Development Review (PDR), em 2017, mostra que a diferença da África Subsaariana em relação à outras regiões do mundo é que a transição demográfica acontece de maneira tardia (later), em ritmo mais lento (slower), teve início em um limiar de desenvolvimento mais baixo (Earlier). O nível da fecundidade é mais elevado (higher) do que em outras regiões do mundo, assim como é menor o uso de métodos contraceptivos. Segue abaixo as conclusões do artigo de J. Bongaarts:
“The slow pace of the African transitions and the occasional stalling of fertility declines can therefore be attributed to several factors. First, the pace of African development has been slow and, other things being equal, this alone would lead to slower transitions. Second, the pronatalist nature of African societies implies a resistance to fertility decline that is absent or weaker in non-African countries. Finally, although I have not examined the role of family planning programs in Africa, the fact that these programs remain weak in many African countries undoubtedly contributes to slow transitions in much of the continent. By contrast, in the few countries where governments have made family planning programs a priority (e.g., Ethiopia, Malawi, and Rwanda), rapid uptake of contraception and fertility decline have followed”.
Desta forma, a lenta transição da fecundidade na África – ao manter alto crescimento populacional e uma alta razão de dependência de jovens – retarda o aproveitamento do bônus demográfico, agrava a situação da “armadilha da pobreza”, comprometendo a possibilidade de um futuro de bem-estar social.
Mas nem todos os países africanos vão crescer ininterruptamente nas próximas décadas. O Marrocos e a Tunísia devem apresentar decrescimento populacional no final do atual século, como mostram os gráficos abaixo.
A população do Marrocos era de 8,9 milhões de habitantes em 1950, subiu para 37 milhões em 2022 e deve atingir o pico populacional em 2070, com 46,5 milhões. A partir de 2071 iniciará um período inédito de decrescimento demográfico e deve chegar a 43,9 milhões de habitantes em 2100.
A população da Tunísia era de 3,6 milhões de habitantes em 1950, subiu para 12,5 milhões em 2022 e deve atingir o pico populacional em 2060, com 14,5 milhões de habitantes. A partir de 2061 iniciará um período inédito de decrescimento demográfico e deve chegar a 13,5 milhões de habitantes em 2100.
A taxa de fecundidade total (TFT) do mundo é de 2,3 filhos por mulher em 2022. A TFT da África estava acima de 6,5 filhos por mulher entre 1950 e 1980 e caiu para pouco acima de 4 filhos por mulher em 2022, só devendo atingir o nível de reposição (2,1 filhos por mulher) no final do atual século.
O Marrocos e a Tunísia também tinham TFT acima de 6 filhos por mulher em meados do século passado, mas passaram pela transição da fecundidade nas últimas décadas. A Tunísia já atingiu o patamar da taxa de reposição e deve continuar com níveis abaixo de 2,1 filhos por mulher. O Marrocos está próximo de atingir o nível de reposição, que é aquele que delimita as tendências futuras da dinâmica demográfica. Mantida acima de 2,1 filhos por mulher, no longo prazo, a população cresce e mantida abaixo de 2,1 filhos a população decresce.
Portanto, o Marrocos e a Tunísia vão apresentar decrescimento demográfico nas últimas décadas do atual século porque as taxas de fecundidade estarão abaixo do nível de reposição daqui em diante. Quanto maior for a queda da TFT, maior será o decrescimento futuro.
A queda da fecundidade é fundamental para a redução da pobreza. Segundo Costa Azariadis, no artigo “The theory of poverty traps: What have we learned?”, publicado no livro Poverty Traps (2006), um país encontra-se em círculo vicioso quando a situação de pobreza convive com baixos níveis de investimento em educação e saúde pública, quando existem altas taxas de mortalidade infantil, grande insegurança pública, baixa esperança de vida, reduzido tempo de vida dedicado ao trabalho produtivo, baixo investimento em infraestrutura e baixos investimentos em setores produtivos, ciência e tecnologia, etc. A armadilha da pobreza seria uma situação em que o alto crescimento do número de pessoas pobres dificultaria a redução da percentagem da população pobre do país.
Azariadis considera que para sair da armadilha da pobreza é preciso garantir uma boa governança, manter a estabilidade institucional, combater os governos cleptomaníacos, aumentar os investimentos em políticas públicas de educação, saúde e habitação, reduzir as taxas de mortalidade infantil e de fecundidade, aumentar o percentual da população em idade ativa, aumentar a esperança de vida, aumentar as taxas de poupança e investimentos, aprofundar a base técnica para a produção de bens e serviços e para a maior geração de empregos e proteção social.
A transição demográfica é fundamental para se atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Desta forma, somente com mudanças sociais, econômicas, políticas e culturais se pode passar do círculo vicioso da pobreza para o círculo virtuoso do desenvolvimento humano e ambientalmente sustentável.
O Marrocos e a Tunísia vão viver a oportunidade de aproveitar o 1º bônus demográfico e poderão servir de exemplo para todo o continente.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Crescimento econômico da África Subsaariana e déficit social e ambiental, Ecodebate, 22/06/2022 https://www.ecodebate.com.br/2022/06/22/crescimento-economico-da-africa-subsaariana-e-deficit-social-e-ambiental/
ALVES, JED. OCDE e África: diferentes dinâmicas demográficas, econômicas e de emissão de CO2, Ecodebate, 22/04/2020 https://www.ecodebate.com.br/2020/04/22/ocde-e-africa-diferentes-dinamicas-demograficas-economicas-e-de-emissao-de-co2-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Os desafios da África Subsaariana em sete figuras, Ecodebate, 16/06/2017
https://www.ecodebate.com.br/2017/06/16/os-desafios-da-africa-subsaariana-em-sete-figuras-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
BOWLES, Samuel, Durlauf, Steven N. and Hoff, Karla. Poverty Traps, Princeton: Princeton University Press, 2006. https://doi.org/10.1515/9781400841295
JOHN BONGAARTS. Africa’s Unique FertilityTransition. PDR, Volume 43, Issue Supplement S1, May 2017 http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/j.1728-4457.2016.00164.x/epdf
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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