Crianças e Contaminação de Chumbo

https://www.bbc.com/portuguese/geral-57886448

Crianças e Contaminação de Chumbo, artigo de Carlos A. de Medeiros Filho

O chumbo pode causar danos irreparáveis aos cérebros das crianças. É particularmente destrutivo para bebês e crianças menores de cinco anos

Efetuando uma leitura, em jornais de 1972, sobre o histórico encontro e show musical de Caetano e Chico Buarque na Bahia, encontrei uma pequena e interessante matéria ambiental do The Guardian, assinada por Anthony Tucker e que tinha o título “Os males do chumbo que respiramos”.

O artigo do The Guardian relatava que não podia existir “mais dúvidas sobre a relação entre a anormalidade infantil e a atual exposição de toda população urbana a altos níveis de contaminação por chumbo”. Informava, ainda, que em estudos desenvolvidos por cientistas de Nova York, constatou-se que análises de sangue de crianças hiperativas apresentavam níveis de Pb mais altos quando comparados aos de crianças com graus de atividades dentro do background.

Esse alerta do The Guardian nos anos setenta me motivou a rever alguns artigos acadêmicos, mais atuais, que discutiam esse assunto.

O chumbo é emitido para a atmosfera principalmente pela queima de combustíveis fósseis, produção de metais, tintas e cerâmicas, fabricação/manufatura, agricultura e disposição de resíduos (2).

Marx et al. (3) procuraram determinar padrões, em escala global, da contaminação antropogênica de Pb. Os autores, na introdução da pesquisa, informavam que os efeitos deletérios do Pb no meio ambiente são reconhecidos desde a antiguidade, mas que, apesar disso, a compreensão do impacto do Pb no meio ambiente está, ainda, em constante evolução.

Marx et al. (3) comentavam que qualquer nível de exposição ao Pb é agora considerado prejudicial à saúde humana, particularmente ao funcionamento cognitivo e indicavam, como exemplo, que a exposição ao Pb tem sido associada ao desempenho educacional reduzido em crianças, bem como habilidades sociais reduzidas e bem-estar físico.

Doug et al. (4) desenvolveram um detalhado estudo sobre contaminações ambientais em uma comunidade mineira australiana e suas potenciais influências na saúde e no comportamento em crianças na primeira infância. Algumas observações obtidas nessa pesquisa:

a) A análise ambiental de amostras de solo e poeira em Broken Hill revelou exposições potenciais contínuas para As, Cd e Pb.

b) Em comparação com os níveis médios nacionais australianos, as crianças em idade escolar de Broken Hill, especialmente aquelas que residem em Broken Hill Central, são classificadas como mais vulneráveis, mesmo após o ajuste para medidas socioeconômicas.

c) Os dados mostraram que os alunos da escola primária de Broken Hill de áreas caracterizadas por níveis mais altos de Pb no solo e na poeira têm um desempenho ruim em relação às escolas australianas equivalentes.

d) Os dados ambientais gerados indicam fortemente que a contaminação por metais do ambiente urbano é um fator que provavelmente contribui para a exposição ao chumbo no sangue e, consequentemente, para os resultados educacionais, mesmo depois de contabilizar os fatores sociais e econômicos.

As contribuições de metais pesados em vegetais selecionados através da deposição atmosférica foram quantificadas em uma área urbana da Índia por Sharma et al. (5). Os autores explicam que a contaminação de hortaliças com metais pesados devido à contaminação do solo e da atmosfera representa uma ameaça à sua qualidade e segurança. A ingestão de metais pesados também representa risco para os animais e para a saúde humana.

Sharma et al (5) relatam que metais pesados como Cd e Pb demonstraram ter efeitos carcinogênicos e que altas concentrações de metais pesados (Cu, Cd e Pb) em frutas e vegetais foram relacionadas à alta prevalência de câncer gastrointestinal. Informam ainda que para a maioria das pessoas, a principal via de exposição a metais pesados é através da dieta, exceto exposições ocupacionais em indústrias relacionadas.

Reportagem da BBC de 2021 (6) é contundente: o chumbo é tão tóxico que pode danificar o cérebro das crianças pelo resto da vida. Tão persistente que fica no ar por décadas. E tão onipresente que afeta um terço das crianças do planeta.

A intoxicação por chumbo, segundo a BBC, é um problema sério e global. Estima-se que uma em cada três crianças no mundo tenha níveis deste metal pesado no sangue iguais ou superiores a 5 microgramas por decilitro (µg/dL), um nível que, de acordo com um relatório conjunto de 2020 do Unicef, o braço da Organização das Nações Unidas (ONU) para a infância e adolescência, e da ONG internacional Pure Earth, requer ação internacional.

O chumbo pode causar danos irreparáveis aos cérebros das crianças, segundo o relatório da Unicef e da Pure Earth. É particularmente destrutivo para bebês e crianças menores de cinco anos, porque danifica seus cérebros antes que tenham a oportunidade de se desenvolver plenamente, causando prejuízos neurológicos, cognitivos e físicos para toda a vida, de acordo com o informe (6).

Essa rápida e simplificada revisão torna evidente a necessidade de um aprofundamento sobre o assunto e mostra a importância fundamental de uma integração de trabalhos bem qualificados de geoquímica ambiental associado a um criterioso e confiável sistema de informação de dados médicos.

Referências Bibliográficas

1 Jornal Opinião, 1972, número 4, página 9.

2 Rauch, J., Pacyna, J., 2009. Earth’s global Ag, Al, Cr, Cu, Fe, Ni, Pb, and Zn cycles. Global 1127 Biogeochemical Cycles, GB2001.

3 Marx, Samuel K.; Rashid, Shaqer; and Stromsoe, Nicola, “Global-scale patterns in anthropogenic Pb contamination reconstructed from natural archives” (2016). Faculty of Science, Medicine and Health – Papers: part A. 3773.

4 C. Dong et al. Environmental contamination in an Australian mining community and potential influences on early childhood health and behavioural outcomes. Environmental Pollution 207 (2015) 345-356.

5 R.K. Sharma et al. Heavy metal (Cu, Zn, Cd and Pb) contamination of vegetables in urban India: A case study in Varanasi. Environmental Pollution 154 (2008) 254-263

6 https://www.bbc.com/portuguese/geral-57886448

Carlos Augusto de Medeiros Filho, geoquímico da empresa Canal Geoquímico, graduado na faculdade de geologia da UFRN e com mestrado na UFPA. Trabalha há mais de 35 anos em Geoquímica em Pesquisa Mineral e Ambiental.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

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