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E fica o dito pelo não dito

 

artigo de opinião

E fica o dito pelo não dito, artigo de Montserrat Martins

Antes dos memes, as frases populares que todos conheciam eram os provérbios, até hoje muito lembrados em situações práticas da vida, por exemplo em momentos de dificuldade onde “cada um sabe onde lhe aperta o sapato” e que “quem não tem cão, caça com gato”.

Realistas, práticos e universais, os provérbios seguem muito utilizados mas sofreram mudanças com o tempo e também perderam parte do prestígio que tinham antes.

“Lugar de mulher é onde ela quiser” é uma frase atual que reage a um provérbio registrado por escrito em 1844, que dizia que “lugar de mulher é em casa”. As mudanças e significados dos provérbios estão descritas no livro “História Social da Linguagem”, de Peter Burke e Roy Porter, onde as frases são associadas ao momento de cada sociedade. Foi com o surgimento do capitalismo, por exemplo, que surgiram frases como “tempo é dinheiro”.

O prestígio dos provérbios estava no auge no século 16, no Renascimento, quando até Shakespeare os usou em algumas peças e a rainha Elizabeth I tinha uma compilação de provérbios. Já no final do século 17 começaram fortes críticas aos provérbios e no século 18 Lord Chesterfield, por exemplo, dizia em 1740 que “um homem educado não usa provérbios”.

As elites passaram a debater duramente sobre eles, desde os que os condenaram como chavões superficiais até os que viam neles expressões da cultura popular, como Tolstói que os expressou através de Karataev, seu grande personagem camponês em sua obra prima “Guerra e Paz”, que tinha provérbios para tudo. Tolstói acreditava, como o filósofo Francis Bacon dissera, que “o gênio, a sagacidade e o espírito de uma nação são descobertos em seus provérbios”.

Por que as elites passaram a desprezar os ditos populares? Uma das razões foi a filosofia Iluminista, que se opunha ao passado. Outra foi o surgimento do estilo literário da cultura letrada, que se afastava das tradições da linguagem oral e popular. E outro motivo foram valores do Romantismo, que valorizava o individual e o original, ao contrário dos provérbios que são impessoais e generalizantes.

No século 21, prevaleceram os preconceitos contra os provérbios, pois estes costumam ser conservadores (“é melhor um pássaro na mão do que dois voando”), conformistas (“quem tudo quer, tudo perde”) e até fatalistas (“não adianta chorar pelo leite derramado”).

Estão na moda a individualidade, a originalidade e a inconformidade, gerando sátiras contra os provérbios tradicionais. Se antes se acreditava que “Deus ajuda quem cedo madruga”, hoje se diz que “quem cedo madruga, passa o dia com sono”.

Montserrat Martins é Médico Psiquiatra

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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