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A Cúpula de Paris para um Novo Pacto de Financiamento Climático

 

ipcc ar6 syr spm riscos e impactos projetados da mudança climática nos sistemas naturais e humanos em diferentes níveis de aquecimento global

Cúpula de Paris para um Novo Pacto de Financiamento Climático

Neste briefing você pode entender o que é a Cúpula de Paris e porque ela pode ajudar a unir a defesa do clima e o combate à pobreza

Do Instituto ClimaInfo*

Por que uma Cúpula?

A comunidade internacional deu a si mesma dois grandes objetivos – os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e o Acordo de Paris em 2015 –, mas de forma descoordenada. Ambos são essenciais e muito caros, e ambos têm de ser articulados em um contexto muito difícil. E a transição climática não funcionará se for feita nas costas dos pobres.

O mundo está enfrentando o ambiente mais desafiador das últimas décadas. Após o choque da Covid, a dívida pública está em níveis recordes em todos os países – um terço de todos os países em desenvolvimento e dois terços dos países de baixa renda estão sob alto risco de endividamento. É a primeira vez em tempos de paz que os países mais ricos têm uma dívida maior do que os países emergentes.

A inflação disparou em todo o mundo e o aperto monetário gera volatilidade financeira e reduz o apetite para assumir riscos. A tendência de várias décadas de redução da pobreza global foi interrompida e até revertida (120 milhões de pessoas pobres a mais desde a pandemia), agravando divergências globais. Existe o risco de que, por falta de cooperação e ambições, o mundo não consiga atingir nem as metas dos ODS, nem os objetivos de zero líquido.

No entanto, 2023 pode dar início de uma trajetória diferente. A chave é reconhecer que, em um mundo que é um só – “uma Terra, uma Família, um Futuro” -, alguns desafios globais (clima, pobreza, saúde) só podem ser enfrentados por meio de uma cooperação mais forte e permanente.

A comunidade mundial precisa formar uma base mínima de visão comum para o futuro. No centro dessa visão estão a crença na prosperidade compartilhada entre o Norte e o Sul do mundo, a necessidade de financiamento concessional1 e a responsabilidade global de produzir bens públicos que beneficiem a todos.

É preciso avançar em uma série de princípios para vincular desenvolvimento e clima com justiça social. Também será preciso acrescentar o reconhecimento da vulnerabilidade.

Há duas dimensões nessa cúpula: Uma dimensão puramente política, com foco na degradação da relação Norte-Sul e a ameaça crescente à ordem internacional. Há um nível de tensão sem precedentes e subestimado. A cúpula é uma oportunidade de abordar a essência das divergências Norte-Sul e propor um reengajamento em um diálogo substantivo.

E há uma dimensão mais técnica: um grande avanço seria uma concordância mínima e de princípios sobre como os recursos são alocados. O que preocupa a África, por exemplo, é a dívida, o acesso à energia (e ao gás) e a redução da pobreza. Qual instrumento atenderá a estas necessidades? E no caso dos grandes países florestais, como o Brasil, há uma preocupação em multiplicar o acesso a recursos independentes, como o Fundo Amazônia, com soluções desenhadas para cada região/país.

Financiamento é essencial para a agenda climática e de desenvolvimento sustentável

Os países em desenvolvimento enfrentam enormes lacunas de financiamento devido ao acesso limitado aos mercados internacionais, bem como a mecanismos de financiamento inadequados incluindo financiamento concessional limitado, prejudicando sua capacidade de alcançar a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e suas metas, bem como as metas climáticas.

Serão necessários enormes investimentos para operar a transição para uma economia de baixo carbono, preservando o crescimento e reduzindo a pobreza e o impacto ambiental. A urgência é responder à crescente vulnerabilidade dos países em desenvolvimento às mudanças climáticas. A saúde, a segurança alimentar e outros bens públicos globais importantes também permanecem significativamente subfinanciados.

O alívio da dívida se tornará indispensável em vários países – boa parte do financiamento climático para os países pobres vem na forma de empréstimo. E os 100 bilhões do acordo de Paris devem ser alcançados, mas contabilizados com atraso.

Os recursos estão se tornando escassos.

Os níveis de ambição não estão altos o suficiente e não foram acompanhados pelo compromisso real de financiamento. Embora as respostas à pandemia e a outras crises tenham sido, em geral, eficientes, os países, tanto os ricos quanto os em desenvolvimento, estão saindo da pandemia com espaço fiscal e de endividamento reduzido. As condições financeiras globais na próxima década serão mais rígidas do que nas anteriores. As tensões geopolíticas e a concorrência podem limitar ainda mais a disposição de cooperar e contribuir.

Para atingir os objetivos duplos de sustentabilidade e redução da pobreza e, de forma mais geral, fornecer bens públicos globais, será necessário um aumento significativo do financiamento. Isso é especialmente importante para os países mais pobres, que precisarão fazer grandes investimentos iniciais em bens públicos globais cujos benefícios se materializarão ao longo do tempo.

A necessidade urgente é fortalecer as políticas e mobilizar financiamentos de todas as fontes de forma previsível, adequada e oportuna. E o objetivo principal é estabelecer uma arquitetura que seja robusta o suficiente para fornecer mais recursos, protegê-los de possíveis choques econômicos ou geopolíticos e atender aos mais rigorosos padrões de justiça da comunidade internacional, retomando uma tendência constante de longo prazo para a redução da pobreza global.

Essa arquitetura deve garantir a sustentabilidade e a previsibilidade de longo prazo no financiamento do clima e dos bens públicos (e evitar aumentos seguidos de reduções abruptas), levando em conta a diversidade de características dos diferentes bens públicos e as capacidades e necessidades diferenciadas dos países.

O trabalho preparatório foi iniciado com vários grupos discutindo e considerando opções. Embora seja muito cedo para prever qualquer resultado ou anúncio, os seguintes caminhos possíveis podem ser sinalizados:

  • Melhor integração das estratégias climáticas e de desenvolvimento para proporcionar um desenvolvimento verde, resiliente e inclusivo (incluindo a proteção de países vulneráveis).
  • Mobilização mais forte de financiamento público e concessional (por meio de maior alavancagem e fontes inovadoras), juntamente com uma visão mais clara sobre a melhor forma de utilizá-lo, a serviço de quais objetivos e de acordo com qual cronograma.
  • Reafirmar e aprimorar o papel do financiamento privado, que será indispensável para o aumento da escala. Isso exige uma melhor identificação das fontes de risco e de como elas podem ser compensadas ou mitigadas.
  • Acelerar o surgimento e a difusão das tecnologias indispensáveis à transição e à produção de bens públicos (inclusive clima e saúde) por meio de incentivos e políticas adequados.
  • Aprimorar a arquitetura de informações por meio da qual os investimentos “verdes” e os fluxos financeiros são definidos e destinados, a fim de obter uma alocação de capital mais eficiente.
  • Reformar as Instituições Financeiras, as Instituições Financeiras de Desenvolvimento e os Bancos Multilaterais de Desenvolvimento de modo que eles possam atender de forma eficaz a todos, especialmente às necessidades dos países em desenvolvimento.

Algumas discussões específicas que podem receber muita atenção na Cúpula:

Alívio e reestruturação da dívida – o que é necessário

Embora o Brasil não esteja entre os países endividados, muitos de seus parceiros vitais, como a Argentina, estão. As propostas atualmente sobre a mesa para a cúpula incluem os apelos dos países do grupo dos 20 países mais vulneráveis ao clima (V20) para que os recursos da dívida funcionem para os mais vulneráveis e para melhorar a análise da sustentabilidade da dívida, além de reformar a estrutura comum.

As instituições multilaterais, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, têm um papel fundamental na retirada de países de baixa renda e vulneráveis do problema da dívida.

Recanalização de recursos do FMI – o que é necessário

O FMI fez uma alocação histórica de US$ 650 bilhões de Direitos Especiais de Saque (SRD), sua moeda de reserva especial, para ajudar os países a se recuperarem da pandemia global. No entanto, a maior parte da cota foi para países ricos que não precisavam dessa moeda, com apenas 5% da cota total sendo alocada para todo o continente africano.

No ano passado, o G20 se comprometeu a reciclar US$ 100 bilhões de seus Direitos Especiais de Saque (SDRs) não utilizados para os países que mais precisam. Ainda resta uma lacuna de aproximadamente US$ 15 bilhões para atingir esta meta de US$ 100 bilhões. Esse compromisso precisa ser cumprido o mais rápido possível para tirar os países da crise imediata.

Reformas dos bancos multilaterais de investimento e aumentos de capital – o que é necessário

O Banco Mundial e outros bancos multilaterais de desenvolvimento precisam adotar as recomendações da revisão da Estrutura de Adequação de Capital para liberar trilhões de dólares de financiamento de baixo custo para os países em desenvolvimento. Isso inclui assumir mais riscos, incluindo capital exigível nos balanços patrimoniais, promover a inovação financeira, melhorar as avaliações das agências de classificação de crédito e aumentar o acesso a dados e análises.

* Fonte principal deste documento: https://nouveaupactefinancier.org/en.php

1 Empréstimos concessionais, ou empréstimos flexíveis, têm termos mais generosos do que os empréstimos de mercado, como taxas de juros abaixo do mercado e/ou período de carência prorrogável.

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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