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Concentração de CO2 na atmosfera atinge novo recorde em maio de 2023

 

Concentração de CO2 na atmosfera atinge novo recorde em maio de 2023, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O aumento das emissões de gases de efeito estufa leva ao aquecimento global que torna amplas áreas da Terra inóspitas e inabitáveis

“Estamos na autoestrada rumo ao inferno climático e com o pé no acelerador”
António Guterres, 2022

A concentração de CO2 na atmosfera atingiu 421 partes por milhão (ppm) em maio de 2022 e deu um pulo um ano depois, estabelecendo um novo recorde global no mês de maio de 2023, com 424 ppm, de acordo com dados da National Oceanic & Atmospheric Administration (NOAA). É importante destacar que existem variações sazonais, com um pico geralmente em maio e um vale em setembro, sendo que durante alguns dias de abril e maio de 2023, a concentração chegou a se aproximar de 425 ppm.

O gráfico abaixo ilustra o aumento ocorrido no último ano, revelando um ritmo impressionante de escalada. Essa tendência é preocupante, uma vez que o mundo precisa reduzir a concentração de CO2, e não vê-la aumentar em 3 ppm ao longo de apenas 12 meses.

variação da concentração global de co2

Durante o ano, a concentração de CO2 segue um padrão sazonal, com pico (valor máximo) nos meses de maio e vale (valor mínimo) no mês de setembro. O limiar de 400 ppm foi atingido em maio de 2013. Em 2015, a marca das 400 ppm foi ultrapassada em 8 dos 12 meses. Na média anual, 2015 atingiu a cifra de 400 ppm e o de 2016 foi o primeiro a ultrapassar a marca de 400 ppm em todos os meses. Portanto, a concentração continuou subindo mesmo após a assinatura do Acordo de Paris.

Na última era glacial a concentração de CO2 na atmosfera estava abaixo de 200 partes por milhão. Nos últimos 800 mil anos, a concentração de CO2 ficou sistematicamente abaixo de 280 ppm, conforme mostra o gráfico abaixo da NOAA. Em 1950 chegou a 300 ppm e, na época da primeira grande conferência sobre o meio ambiente, a Conferência de Estocolmo, em 1972, a concentração de CO2 na atmosfera já havia passado para 327 ppm. Em 1987 a concentração chegou a 350 ppm. Este é o nível máximo recomendado pela ciência para evitar um possível aquecimento global catastrófico. Porém, a máquina econômica de emissão não sofreu interrupção. Em 2015, quando houve o Acordo de Paris, a concentração de CO2 já havia ultrapassado 400 ppm e, a despeito de todas as metas de redução, a concentração de CO2 chegou a 424 ppm em maio de 2023.

concentração de co2 na atmosfera nos últimos 800 mil anos

O dramático é que o efeito estufa está se agravando. Artigo de Gavin L. Foster e colegas, publicado na Nature Communications (04/04/2016) mostra que o mundo caminha para um aquecimento potencial sem precedentes em milhões de anos. Os atuais níveis de dióxido de carbono são inéditos na história humana e estão no caminho inexorável para subir às alturas. Se as emissões de carbono continuarem em sua trajetória atual, a atmosfera poderia atingir um estado não visto em 50 milhões de anos. Naquela época, as temperaturas globais eram até 10° C mais quentes e os oceanos eram dramaticamente mais altos do que hoje. A pesquisa que originou o artigo compilou 1.500 estimativas de dióxido de carbono para criar uma visão que se estende por 420 milhões de anos, conforme mostra o gráfico abaixo.

concentração de co2 na atmosfera

O aumento da concentração de CO2 na atmosfera contribuiu para o fato de os últimos 9 anos (2014 a 2022) terem sido os mais quentes já registrados no Holoceno. O Instituto Berkeley Earth, da Universidade de Berkeley, da Califórnia, diz que cresce a chance de 2023 ser o ano mais quente do planeta na era observacional, já que o maior aquecimento nos próximos meses será influenciado pelo aparecimento do evento El Niño. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) divulgou um relatório, em maio de 2023, confirmando que há uma probabilidade de 66% de a média anual de aquecimento ultrapassar o limite de 1,5°C entre 2023 e 2027. Como disse o Secretário-geral da ONU, António Guterres: “Estamos na autoestrada rumo ao inferno climático e com o pé no acelerador”.

O estudo “Satellites reveal widespread decline in global lake water storage”, publicado na revista Science (Fangfang Yao et al, 18/05/2023), afirma que mais da metade dos maiores lagos e reservatórios do mundo estão secando devido ao aquecimento global e à maior demanda populacional, pondo em risco a segurança hídrica da humanidade.

O trabalho “Safe and just Earth system boundaries”, publicado por Johan Rockström e colegas (Nature, 31/05/2023) mostra que o mundo já ultrapassou 7 das 8 fronteiras planetárias, o que deve resultar em danos significativos para dezenas de milhões de pessoas devido às mudanças climáticas. Além disso, o texto ressalta a necessidade urgente de estabelecer metas globais que abranjam não apenas as mudanças climáticas, mas também outros sistemas e processos biofísicos que determinam a habitabilidade do planeta.

Artigo de Piers Forster e colegas, publicado na revista Earth System Science Data (08/06/2023), mostra que as emissões de gases de efeito estufa atingiram um recorde histórico, ameaçando levar o mundo a níveis “sem precedentes” de aquecimento global. O mundo está rapidamente ficando sem “orçamento de carbono”, a quantidade de dióxido de carbono que pode ser despejada na atmosfera se quisermos ficar dentro do limite vital de 1,5°C acima das temperaturas pré-industriais.

Segundo os autores, apenas cerca de 250 bilhões de toneladas de dióxido de carbono podem agora ser emitidas, para evitar o acúmulo de CO2 na atmosfera que elevaria as temperaturas em 1,5°C. Isso está abaixo dos 500 bilhões de toneladas de apenas alguns anos atrás, e nas atuais taxas anuais de emissões de gases de efeito estufa, de cerca de 54 bilhões de toneladas por ano na última década, acabaria bem antes do final da atual década.

Artigo de Yeon-Hee Kim e colegas, publicado na revista Nature Communications (06/06/2023), mostra que, mesmo com mudanças dramáticas nas emissões de gases de efeito estufa, o gelo marinho no Ártico está condenado a desaparecer no verão. Os pesquisadores preveem que o primeiro verão sem gelo marinho do Ártico acontecerá na década de 2030, cerca de uma década antes do estimado anteriormente.

O artigo de Timothy e colegas “Quantifying the human cost of global warming”, publicado na revista Nature Sustainability (22/05/2023), avaliou o impacto climático sobre os seres humanos se o mundo continuar na trajetória projetada e aquecer 2,7 graus Celsius até o final do século, em comparação com as temperaturas pré-industriais. Se o ritmo atual do aquecimento global não for controlado, isso empurrará bilhões de pessoas para fora do “nicho climático” (as temperaturas em que os humanos podem florescer) e os exporá a condições perigosamente quentes.

Considerando o aquecimento global esperado e o crescimento populacional, o estudo indicou que até 2030 cerca de dois bilhões de pessoas estarão fora do nicho climático, enfrentando temperaturas médias de 29º Celsius ou mais, com um aumento para cerca de 3,7 bilhões vivendo fora do nicho até 2090.

Portanto, existe uma necessidade de aprofundar as metas de mitigação do Acordo de Paris e acelerar a diminuição do uso de combustíveis fósseis. A época da grande aceleração do crescimento demoeconômico já ficou para trás e o desafio atual é evitar o aprofundamento da crise climática e a grande extinção da biodiversidade, que representa uma ameaça existencial à continuidade da civilização humana.

A expansão antrópica está se transformando em extinção da vida na Terra. O atual quinquênio é decisivo, pois nos próximos 5 anos o mundo vai estourar o “orçamento de carbono” e as consequências serão graves para todas as formas de vida da Terra.

A guerra contra a natureza é uma guerra contra os próprios guerreiros. Quase metade da população mundial estará em situação de alto risco até o final do século XXI. Portanto, as gerações jovens de hoje vão pagar um alto preço no futuro devido à inação e à incapacidade coletiva de mudar o padrão de produção e consumo e interromper o continuado crescimento demoeconômico, como tem mostrado o economista ecológico Joan Martínez-Alier.

O cenário distópico do futuro já pode ser antecipado em algumas imagens como o quadro de poluição de Nova York e outras grandes cidades do Nordeste dos Estados Unidos que foram cobertas durante a primeira semana de junho de 2023 por uma pluma extremamente densa de fumaça originada de centenas de incêndios florestais no Canadá, sobretudo em Quebec. Outro fator alarmante foi que algumas áreas terrestres de Porto Rico atingiram temperaturas acima de 50º Celsius (“calor com risco de vida”) também na primeira semana de junho. Um terceiro acontecimento assustador é que o degelo marinho da Antártica bateu todos os recordes históricos no primeiro semestre de 2023 prenunciando um grande perda do volume de gelo no continente meridional, com enorme impacto na subida do nível dos oceanos.

Tudo isto mostra que a crise climática e ambiental está se agravando de forma acelerada e também que o desenvolvimento sustentável está se tornando um oximoro e o tripé da sustentabilidade virando um trilema. Em vez de aumentar a resiliência das populações, a humanidade está ficando cada vez mais exposta a múltiplos riscos e caminhando para uma situação cada vez mais vulnerável e desafiadora.

Como escreveu o economista Paul Krugman: “É assim que o mundo acaba. Não com um estrondo – isto é, uma catástrofe repentina e universal – mas com uma série de catástrofes menores e locais que continuam crescendo e se espalhando”.

Se os seres humanos destruírem a ECOlogia, destruirão também a ECOnomia. É impossível para a civilização humana continuar prosperando com a natureza definhando. O aumento das emissões de gases de efeito estufa leva ao aquecimento global que torna amplas áreas da Terra inóspitas e inabitáveis.

A crise climática e a destruição da biodiversidade são os dois principais vetores que representam uma ameaça existencial ao futuro da humanidade.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. Aula 11 AM088: Decrescimento demoeconômico e capacidade de carga do Planeta, IFGW, 11/04/21 https://www.youtube.com/watch?v=QVWun2bJry0&list=PL_1__0Jp-8rhsqxcfNUI8oTRO1wBr86fh&index=9

ALVES, JED. Crescimento demoeconômico no Antropoceno e negacionismo demográfico, Liinc em Revista, RJ, v. 18, n. 1, maio 2022 https://revista.ibict.br/liinc/article/view/5942/5595

FANGFANG YAO et al. Satellites reveal widespread decline in global lake water storage, SCIENCE

18 May 2023 https://www.science.org/doi/10.1126/science.abo2812

Gavin L. Foster, Dana L. Royer & Daniel J. Lunt. Future climate forcing potentially without precedent in the last 420 million years, Nature Communications 8, Article number, 04/04/2016

http://www.nature.com/articles/ncomms14845

Rockström, J., Gupta, J., Qin, D. et al. Safe and just Earth system boundaries. Nature (2023)

https://www.nature.com/articles/s41586-023-06083-8

Piers M. Forster et al. Indicators of Global Climate Change 2022: annual update of large-scale indicators of the state of the climate system and human influence, Earth System Science Data, 08 Jun 2023 https://essd.copernicus.org/articles/15/2295/2023/essd-15-2295-2023.html

Timothy Lenton et al. Quantifying the human cost of global warming, Nature Sustainability, 22 May 2023 https://www.nature.com/articles/s41893-023-01132-6

Yeon-Hee Kim et al. Observationally-constrained projections of an ice-free Arctic even under a low emission scenario, Nature Communications, 06 June 2023

https://www.nature.com/articles/s41467-023-38511-8

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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