O teto da dívida dos EUA e a possível perda da hegemonia do dólar
O teto da dívida dos EUA e a possível perda da hegemonia do dólar, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Resumo: O artigo aborda a situação da dívida pública dos Estados Unidos, que está atingindo níveis recordes e pode levar o país à inadimplência. Explica, também, as causas e as consequências dos déficits orçamentários dos EUA, que se agravaram com a pandemia da covid-19
“O maior cuidado de um Governo deveria ser o de habituar,
pouco a pouco, os povos a dele não precisar”
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
A dívida pública dos Estados Unidos da América (EUA) está batendo recordes históricos e gerando impasses políticos. O governo dos EUA pode ficar inadimplente no início de junho de 2023, o que desencadearia sérias consequências aos mercados financeiros locais e internacionais.
Atingir o teto da dívida significa que o governo não tem mais permissão para tomar dinheiro emprestado — a menos que o Congresso concorde em suspender ou alterar o limite do endividamento.
O teto da dívida dos EUA foi estabelecido em 1917, durante a Primeira Guerra Mundial. Naquela época, o governo precisava de recursos adicionais para financiar a guerra e o Congresso aprovou a Lei do Teto de Dívida com um limite de US$ 11,5 bilhões.
De lá para cá, o teto da dívida já foi reajustado centenas de vezes. Somente de 1960 até os dias de hoje, os políticos aumentaram, estenderam ou revisaram a definição do limite da dívida em 78 ocasiões — incluindo três apenas nos últimos seis meses.
O “Congressional Budget Office” (CBO) publica regularmente relatórios que apresentam projeções de quais seriam os déficits, dívidas, gastos e receitas federais no ano corrente e nos dez anos seguintes se as leis existentes que regem os impostos e os gastos em geral permanecessem inalteradas. E o que estes relatórios mostram é uma economia com problemas cada vez maiores.
O gráfico abaixo, mostra que, com exceção de 7 ou 8 anos na virada do milênio, durante o governo Bill Clinton, quando houve superávit nas contas públicas dos EUA, a normalidade tem sido déficits orçamentários crescentes. Na média de 1970 a 2020 o déficit foi em média de cerca de 3% ao ano, sendo que no início dos anos 1980 o déficit chegou a 6% e na recessão de 2009 chegou a cerca de 10%.
Durante a pandemia da covid-19 o déficit ficou em impressionantes 15% do PIB, voltou para a casa de 6% do PIB e deve aumentar ano a ano até 2033.
Em valores absolutos, o déficit orçamentário federal foi de US$ 3,3 trilhões em 2020, mais do que o triplo do déficit registrado em 2019 e o maior rombo para um período de paz. Para 2023, o “Congressional Budget Office” estima um déficit orçamentário federal de $ 1,5 trilhão e nas projeções para 2033 um déficit de US$ 2,7 trilhões.
Estes déficits crescentes geram, evidentemente, aumento da dívida. A dívida americana chegou em torno de 100% do PIB na época da Segunda Guerra Mundial, mas caiu nas décadas seguintes, voltou a subir na década de 1980 (especialmente devido aos gastos militares do governo Reagan), mas caiu após o fim da Guerra Fria (durante o governo Bill Clinton).
Mas a dívida voltou a crescer aceleradamente no governo George Bush filho em função dos gastos das guerras do Afeganistão e do Iraque e do aumento das despesas internas. O CBO estima uma dívida pública de US$ 24,3 trilhões (cerca de 100% do PIB) no fim de 2022, devendo chegar a US$ 46,7 trilhões em 2033 (119% do PIB), conforme gráfico abaixo.
Em 9 de maio, o presidente Joe Biden se reuniu pela primeira vez com as lideranças dos Partidos Republicano e Democrata para discutir soluções que impeçam o calote (default) dos pagamentos sobre as obrigações da dívida dos EUA e uma paralisação na prestação de serviços governamentais, o chamado “shutdown”. Mas um acordo ainda parece distante.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, viajou para a cidade de Hiroshima, no Japão, para participar da cúpula dos líderes do G-7, mas encurtou sua viagem para voltar para os EUA no domingo e continuar as negociações, pois a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, disse que o país pode deixar de pagar suas dívidas até 1º de junho.
Tudo isto enfraquece a liderança americana no mundo e coloca dúvidas sobre a liquidez do dólar, pois a qualquer momento pode ocorrer um “shutdown”. Por isto mesmo, há uma perspectiva de desdolarização da economia internacional.
Por exemplo, o impasse nos EUA inviabilizou a participação do presidente Joe Biden em reuniões em Papua Nova Guiné e na Austrália, na reunião do grupo de quatro nações conhecido como Quad – composto por EUA, Japão, Austrália e Índia – formado com o objetivo de combater a crescente influência da China na região do Indo-Pacífico.
Por outro lado, nos dias 3 e 4 de julho de 2023 haverá uma reunião da Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (SCO na sigla em inglês), cuja finalidade principal é o apoio econômico e a cooperação para a segurança, mas também pode ser uma organização econômica alternativa ao dólar.
Além dos países membros (China, Rússia, Índia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Uzbequistão, Uzbequistão e Paquistão) deverão participar 4 países observadores (Afeganistão, Belarus, Irã e Mongólia) e 6 países parceiros de diálogo (Azerbaijão, Armênia, Camboja, Nepal, Turquia e Sri Lanka). A Cúpula da SCO ganha importância diante do impasse da negociação do teto da dívida americana. Também a próxima cúpula do grupo BRICS – que será realizada na África do Sul de 22 a 24 de agosto de 2023 – ganha importância.
Portanto, enquanto os EUA estão quase paralisados discutindo o teto da dívida – com ameaça de interromper as atividades governamentais – a China e a SCO estão se movimentando para construir uma alternativa à hegemonia americana.
O século XXI está apenas começando e quanto maior for a dívida pública americana, maiores serão as buscas por outras alternativas globais nas próximas décadas.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referência:
CBO. An Update to the Budget Outlook: 2023 to 2033. Congressional Budget Office, Maio 202
https://www.cbo.gov/publication/59159
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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