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Dia da Terra: Planeta inabitável?

 

Dia da Terra: Planeta inabitável? artigo de José Eustáquio Diniz Alves

O Dia da Terra é um momento para se ouvir a natureza e compreender que a sobrecarga humana sobre o Planeta pode levar ao ecocídio e ao desequilíbrio climático

“Precisamos lutar para criar o mundo em que queremos viver,
em vez de perder a esperança antes que a luta realmente termine”
David Wallace-Wells, autor do livro “A Terra Inabitável”

O Dia da Terra, criado em dia 22 de abril de 1970, completa 53 anos em 2023. A data surgiu em um momento de agravamento da questão ecológica global e a partir da iniciativa do senador norte-americano Gaylord Nelson, que tinha a finalidade de criar uma consciência comum aos problemas da contaminação, conservação da biodiversidade e outras preocupações ambientais para proteger o Planeta.

Cinco décadas depois, os problemas ambientais e climáticos só se agravaram na medida em que as atividades antrópicas se multiplicaram. A população mundial era de 3,69 bilhões de habitantes em 01 de julho de 1970 e passou para 8,045 bilhões em 2023, um crescimento de 2,2 vezes em 53 anos. Mas a economia cresceu muito mais, pois o PIB global cresceu 5,6 vezes no período e a renda per capita cresceu 2,6 vezes de 1970 a 2023. Em consequência, cresceram a poluição e a degradação ambiental.

O mundo tinha cerca de 6 mil árvores por habitante antes da Revolução Industrial e Energética. Mas, com o crescimento demoeconômico e a antropomorfização do mundo, as florestas foram derrubadas para dar lugar à agricultura, à pecuária e à expansão urbana e humana. O resultado foi a redução do número de árvores por pessoa que ficou em 422 árvores por habitante em 2014. E a perda de áreas verdes continua, não só nas áreas planas, mas também nas montanhas.

O artigo “Accelerating global mountain forest loss threatens biodiversity hotspots” (Xinyue He et. al. 17/03/2023) mostra que 78 milhões de hectares de floresta montanhosa foram perdidos em todo o mundo nas últimas duas décadas, o que representa mais de 7% de tudo o que existe. Os principais fatores de perda foram a exploração madeireira, a expansão da agricultura e os incêndios florestais.

As montanhas abrigam mais de 85% das aves, mamíferos e anfíbios do mundo. Esses habitats já foram mais protegidos do que seus equivalentes nas planícies porque seu terreno acidentado os tornava menos acessíveis. Hoje, eles estão cada vez mais ameaçados à medida que os humanos exploram áreas mais difíceis de alcançar do planeta e as florestas de terras baixas recebem maior proteção. O artigo diz que a extração de madeira foi responsável por 42% da perda de florestas nas montanhas, incêndios florestais por 29%, cultivo de corte e queima 15% e agricultura semipermanente ou permanente 10%.

Os pesquisadores acompanharam as mudanças nas florestas entre 2001 e 2018, documentando aumentos e reduções na cobertura de árvores e calculando possíveis impactos na biodiversidade. Eles descobriram que a Ásia, América do Sul, África, Europa e Austrália foram gravemente afetadas. Grande parte da perda no norte da Ásia deveu-se a incêndios florestais, especialmente em grandes partes da Rússia. Secas e incêndios florestais levaram a perdas significativas na Austrália.

A taxa anual de perda aumentou acentuadamente após 2010, aumentando em 50% em 2010-2018 em comparação com 2001-2009. A expansão da agricultura e da extração de madeira nas áreas montanhosas do sudeste da Ásia foi considerada um fator-chave. Mais de 40% da perda total ocorreu em florestas tropicais montanhosas, consideradas “hotspots” de biodiversidade, pressionando ainda mais as espécies ameaçadas.

taxa de perda de florestas nas montanhas

 

A onipresença humana na Terra tem provocado uma grande perda de biodiversidade. Segundo Ron Patterson (2014): “Há 10.000 anos os seres humanos e seus animais representavam menos de um décimo de um por cento da biomassa dos vertebrados da terra. Agora, eles são 97 por cento”. A jornalista Elizabeth Kolbert, no livro The Sixth Extinction, documenta o processo de extinção das espécies que ocorre com o avanço da civilização.

O Relatório Planeta Vivo 2022, divulgado pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF), em outubro de 2022, mostra que o crescimento das atividades antrópicas tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado um ecocídio da vida selvagem do planeta: as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 69% entre 1970 e 2018.

Em sua 14ª edição, o Relatório Planeta Vivo revela que as regiões tropicais são as mais afetadas pela perda de biodiversidade. A situação é crítica na América Latina e Caribe, onde as populações monitoradas encolheram, em média, 94% em meio século. Na América do Norte, Europa e Ásia Central, o índice de perda de biodiversidade foi menor, cerca de 20%. Na África a taxa foi de 66% e na região da Oceania e do Pacífico Asiático o índice foi de 55%, conforme mostram os gráficos abaixo.

A redução das áreas verdes é uma péssima notícia para o clima, pois as florestas são fontes de captura de dióxido de carbono. A concentração de CO2 na atmosfera era de 327 partes por milhão (ppm) em março de 1970 e passou para 421 ppm em março de 2023, sendo que o nível considerado seguro é de 360 ppm. Portanto, o mundo precisa parar de emitir gases de efeito estufa e capturar carbono da atmosfera. A tecnologia mais fácil e barata para sequestrar carbono é por meio do aumento das áreas verdes e florestas. Mas o mundo vai no sentido contrário.

Enquanto o Planeta se aquece (o mês de março foi o segundo mais quente desde que se começaram os registros históricos no século XIX), os humanos continuam a se avolumar, ocupar mais espaços e a desmatar florestas, consumindo além dos limites do planeta e poluindo em escala agropecuária e industrial. O relatório do Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (IPCC), divulgado no dia 20 de março de 2023, apontou que o mundo, provavelmente, superará sua meta climática mais ambiciosa – limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius acima das temperaturas pré-industriais nos próximos anos e deve consolidar este patamar até o início da década de 2030. Portanto, o mundo está à beira de um aquecimento global catastrófico e a perda de florestas só agrava a situação.

Enquanto diminuem as áreas verdes e a biodiversidade, aumenta a quantidade de plásticos nos oceanos e no Planeta. O aumento de plásticos nos oceanos é uma preocupação crescente em todo o mundo, devido aos efeitos negativos que podem ter sobre a vida marinha e o meio ambiente em geral. A cada ano, milhões de toneladas de plástico são descartadas nos oceanos, resultando em um acúmulo crescente de resíduos plásticos em nossos mares e oceanos.

Existem diversas fontes de plásticos nos oceanos, incluindo resíduos jogados diretamente nos rios e nos mares, lixo que é deixado nas praias, e também o descarte inadequado de resíduos plásticos pelos navios de transporte marítimo. Além disso, as atividades humanas que ocorrem em terra, como a agricultura, a indústria e o uso de produtos plásticos descartáveis em geral, também podem contribuir para a poluição plástica nos oceanos.

Os plásticos nos oceanos podem causar uma série de problemas para a vida marinha, incluindo a ingestão acidental de fragmentos de plástico, a captura em redes e outros equipamentos de pesca, e o sufocamento de animais marinhos que se enroscam em pedaços grandes de plástico. Além disso, os plásticos nos oceanos podem liberar produtos químicos tóxicos que afetam a qualidade da água e a saúde da fauna marinha.

Desta forma, o Dia da Terra em 22 de abril de 2022 é um momento para se ouvir a natureza e compreender que a sobrecarga humana sobre o Planeta pode levar ao ecocídio e ao desequilíbrio climático.

Para salvar a vida no Planeta (incluindo os próprios seres humanos) é preciso abandonar os combustíveis fósseis, tanto no uso de energia, quanto no uso de plásticos e promover uma regeneração dos ecossistemas e, especialmente, das florestas.

O último relatório do IPCC fala que a sobrevivência da vida na Terra está em risco. O livro “Escape from Overshoot: Economics for a Planet in Peril” (Peter Victor, 2023) diz: “A Terra está sobrecarregada. O impacto cumulativo de 8 bilhões de seres humanos combinado com a busca incansável do crescimento econômico em nome do “progresso” estressou o planeta além de seus limites. Devemos agir agora”.

Só existe um Planeta e a conquista de Marte não é uma solução para a insustentabilidade da Terra.

O ser humano, para o seu próprio bem, precisa mudar o rumo do modelo de produção e consumo, mitigar a crise climática e ter uma convivência pacífica e harmônica com toda a comunidade biótica.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. O mundo precisa de seis mil árvores para cada ser humano, Ecodebate, 01/06/22
https://www.ecodebate.com.br/2022/06/01/o-mundo-precisa-de-seis-mil-arvores-para-cada-ser-humano/

ALVES, JED. Número de árvores por pessoa nos países e no mundo, Ecodebate, 26/12/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/12/26/numero-de-arvores-por-pessoa-nos-paises-e-no-mundo/

ALVES, JED. Relatório Planeta Vivo 2022 e o declínio da biodiversidade, Ecodebate, 26/12/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/10/17/relatorio-planeta-vivo-2022-e-o-declinio-da-biodiversidade/

XINYUE HE et. al. Accelerating global mountain forest loss threatens biodiversity hotspots, One Earth, VOLUME 6, ISSUE 3, P303-315, MARCH 17, 2023
https://www.cell.com/one-earth/fulltext/S2590-3322(23)00085-4

 

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in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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