Mais de 270 animais exóticos ameaçam biodiversidade no Brasil
Mais de 270 animais exóticos ameaçam biodiversidade no Brasil
Além das espécies importadas, mais de 100 animais brasileiros são considerados invasores no país, introduzidas em ecossistemas dos quais não são nativas
Por Vitor Abdala – Repórter da Agência Brasil
O Brasil convive com 272 animais exóticos invasores em seus diversos ecossistemas, segundo base de dados do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental. A organização não governamental monitora, desde 2005, espécies consideradas exóticas por não pertencerem originalmente àquele local e invasoras porque se reproduzem e se espalham, de forma descontrolada, ameaçando a biodiversidade da área.
São animais pouco conhecidos do grande público, como o lagarto anolis-marrom (Anolis sagrei), a caranguejola (Cancer paguros) e o coral-sol (Tubastrea sp.), mas há outros mais famosos como os onipresentes cães (Canis familiaris), gatos domésticos (Felis catus) e pombos-comuns (Columba livia)
E eles chegam por aqui, trazidos pelo homem de diversas formas, seja acidentalmente por meio de navios e plataformas de petróleo, seja propositalmente, para servir como fonte de alimentação, como estoque para pesca/caça esportiva ou como animais de estimação.
O coral-sol, por exemplo, é nativo dos oceanos Índico e Pacífico. Ele chegou ao Brasil através das plataformas de petróleo fabricadas no exterior e trazidas para a Bacia de Campos. Já o lagostim-vermelho (Procambarus clarkii) chegou ao Brasil, vindo dos Estados Unidos, através do hobby de aquarismo e acabou sendo liberado em rios e lagos.
Já o achigã (Micropterus salmoides), também nativo dos EUA, foi introduzido no país inicialmente para a aquicultura, mas depois foi solto em corpos d’água do país para a pesca esportiva. A tilápia africana Oreochromis macrochir também foi inserida para servir para a pesca.
Esses animais ameaçam a biodiversidade local por causar um desequilíbrio ambiental. Afinal, eles chegam de repente em um ambiente que levou gerações para encontrar um balanço entre os diversos seres que habitam aquela área.
“Os problemas gerados dependem da espécie. Tem espécies predadoras, que se alimentam de outros animais, como é o caso do peixe-leão (Pterois volitans), bastante agressivo que se alimenta de diversas espécies de peixes. Temos outros como os javalis (Sus scrofa), que destroem a regeneração natural de plantas na floresta e degradam áreas naturais. E tem aquelas que ocupam espaço de espécies nativas, como a tartaruga tigre-d’água [americana, Trachemys scripta]. Elas acabam ocupando nichos de reprodução ou de descanso de espécies similares nativas”, explica a fundadora do Instituto Hórus, Silvia Ziller.
Impactos
O Banco de Dados Nacional de Espécies Exóticas Invasoras, mantido pelo Instituto Hórus, aponta ainda outros problemas, como a transmissão de doenças do animal exótico para a fauna nativa. É o caso do lagostim-vermelho, que é vetor de um fungo que pode dizimar espécies nativas e que teve seu comércio e criação proibidos pelo governo brasileiro em 2008.
Outro exemplo é o peixe panga (Pangasianodon hypophthalmus), proveniente da Ásia e inserido pelo aquarismo e aquicultura, que é, segundo o banco de dados, suscetível a doenças parasitárias.
Há ainda o risco de transmissão de doenças para o ser humano, como é o caso do camarão-tigre-gigante (Penaeus monodon), vetor de vírus e bactérias como a salmonella, nativo dos oceanos Índico e Pacífico e introduzido pela aquicultura, ou do caramujo-gigante-africano (Lissachatina fulica), vetor do verme que causa a angiostrongilíase abdominal, inserido no Paraná como iguaria culinária.
Vale mencionar que o Aedes aegypti, mosquito transmissor de doenças como dengue, zika e chikungunya, também é uma espécie invasora. Originário do nordeste da África, chegou ao Brasil de forma acidental, provavelmente através do tráfico de escravos.
Outro impacto negativo à biodiversidade é a contaminação genética das populações de espécies nativas, uma vez que animais exóticos podem acasalar com os nativos e gerar híbridos. A molinésia (Poecilia sphenops), que vive do México ao norte da América do Sul, por exemplo, se hibridiza com o nativo guaru (Poecilia vivipara).
“Bicho invasor ou planta também quando está num novo ambiente, em condições novas, às vezes ele tem potencial no material genético [para se adaptar], e aquilo explode num ambiente totalmente novo. É um erro nosso [provocar a invasão], mas cabe a gente para cuidar que isso seja cessado ou pelo menos minimizado para reduzir os problemas”, afirma Jorge Antonio Lourenço Pontes, doutor em Ecologia e Evolução e pesquisador da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Conservação
Em 2018, foi criada a Estratégia Nacional para Espécies Exóticas Invasoras, comandada pelo Ministério do Meio Ambiente, que consiste em instrumentos como a manutenção de uma base de dados para monitorar a situação e a criação de planos específicos para lidar com espécies individuais, grupos de espécies, regiões ou vias de dispersão.
Um dos focos principais é proteger as espécies nativas ameaçadas de extinção, já que, segundo a União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), as exóticas invasoras são uma das principais causas de extinções e perda de biodiversidade no mundo. Como o controle das invasoras é difícil, principalmente quando ela já se espalhou por um grande território, há uma prioridade em detectar precocemente as invasões.
“Em vez de você só investir em programas de controle, que são de longo prazo, também investir em uma abordagem mais preventiva, de detecção das espécies quando elas começam a ser um problema. Aquelas que são introduzidas mais recentemente, porque ainda têm populações menores, ainda são focos pequenos. A erradicação é mais viável do que quando já tem populações muito grande estabelecidas. O javali já está espalhado pelo Brasil, assim como o caracol-africano. A gente vai conviver com essas espécies sempre. Elas não são mais passíveis de eliminação completa. Elas são passíveis de iniciativas de controle, em áreas prioritárias”, afirma Ziller.
A pesquisadora cita como exemplo bem-sucedido de combate a espécies invasoras, a erradicação das cabras de Trindade, ilha oceânica localizada a mais de mil quilômetros da costa brasileira. Os animais, introduzidos por colonos séculos atrás, dizimaram a flora nativa. Cerca duas décadas atrás, finalmente foram eliminados com o objetivo de tentar restaurar a vegetação nativa.
Mas, apenas para comprovar como espécies invasoras são um problema de difícil solução, as tentativas de restaurar a flora nativa acabaram gerando outro problema. Em meio às mudas produzidas no continente e levadas para a ilha, viajaram lagartixas-comuns (Hemidactylus mabouia), espécies exóticas até mesmo no continente americano que passaram a povoar Trindade.
Mais de 100 animais brasileiros são considerados invasores no país
Espécies foram introduzidas em ecossistemas dos quais não são nativas
Os animais exóticos não são apenas aqueles que vêm de outro país. Alguns deles são brasileiros, mas se tornam um problema em ecossistemas onde não deveriam estar. Segundo o Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, nada menos que 118 invasores são nativos do Brasil, mas, por algum motivo, extrapolaram seus limites de ocorrência natural.
“São espécies que foram trazidas por alguma influência humana, para uma área onde elas não ocorriam naturalmente. E isso independe de fronteiras políticas. Por isso dizemos que a espécie pode ser nativa em algum lugar do Brasil, mas ela é invasora e causa problemas em outro ecossistema onde ela não é nativa”, explica Silvia Ziller, fundadora do instituto, organização não governamental que monitora espécies invasoras no país há quase 20 anos.
É o caso do pirarucu (Arapaima gigas), que teve exemplares retirados da região amazônica, de onde é nativo, pelo aquarismo, aquicultura e pesca desportiva. O peixe gigante e se espalhou por rios e lagos de estados como Bahia, Piauí e São Paulo, de acordo com o banco de dados do Instituto Hórus.
Também há situações como a dos saguis (Callithrix sp.), pequenos primatas criados como animais domésticos. O sagui-de-tufos-pretos (C. penicillata), proveniente do cerrado, e o sagui-de-tufos-brancos (C. jacchus), da caatinga, por exemplo, acabaram inseridos na Mata Atlântica.
Essas espécies competem com os micos nativos do bioma atlântico e hibridizam com alguns congêneres, como o sagui-da-serra-escuro (C. aurita), ameaçado de extinção. E, para complicar ainda mais, os híbridos gerados por essas interações dos diferentes saguis também são considerados invasores, ocupando nichos de outras espécies e transmitindo doenças para outros animais.
Endêmico de remanescentes da Mata Atlântica do sul da Bahia, o mico-leão-de-cara-dourada (Leontopithecus chrysomelas), da mesma família dos saguis, é uma espécie considerada em perigo de extinção pelo Livro Vermelho da Fauna Brasileira 2018. Já foi extinto de Minas Gerais.
Ainda assim, foi trazido para o Rio de Janeiro e indevidamente solto no Parque Estadual da Serra da Tiririca, onde começou a se espalhar. O risco é que o animal chegue às áreas de ocorrência do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), congênere também ameaçado e com uma população ainda menor que a espécie baiana.
Outro caso curioso é o da tartaruga tigre-d’água brasileira (Trachemys dorbigni), nativa do Rio Grande do Sul. A espécie de quelônio sofreu com a soltura indevida na natureza e consequente invasão de sua congênere norte-americana (Trachemys scripta), atualmente proibida no Brasil. Mas passou de vítima da invasão a animal invasor, ao ser levada como pet para outros estados e também solta de forma indevida nesses locais, onde passou a predar espécies nativas, transmitir doenças e disputar espaço com quelônios locais.
No Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, em Santa Catarina, por exemplo, compete com o cágado-de-barbelas-cinzento (Phrynops hilarii). Um estudo realizado no local de 2019 a 2020, pelo biólogo Lucas de Souza, na época estudante da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mostrou que as capturas de tigre d’água na unidade de conservação foram mais frequentes do que aquelas do cágado, o que pode sinalizar que a espécie invasora passou a predominar no ambiente em detrimento da nativa.
A Agência Brasil tentou ouvir o Ministério do Meio Ambiente e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) sobre as estratégias para lidar com espécies exóticas invasoras, mas não obteve resposta.
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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