Luta coletiva por direitos fundamentais faz nascer esperança
Luta coletiva por direitos fundamentais faz nascer esperança, artigo de Gilvander Moreira
A luta pela terra e por território se inicia quando se supera o conformismo e a resignação e se inicia uma etapa de inconformismo, de indignação, de rebeldia e de esperança
Luta por direitos faz nascer esperança
Por frei Gilvander Moreira1
Na esteira da pedagogia de Paulo Freire, os Sem Terra, os Sem Casa, os Indígenas desterritorializados, os Quilombolas etc., na luta pela terra e pelo território, criam e constroem saberes no calor da vivência existencial dessa luta por direitos fundamentais. Educa-se na luta por direitos. Por isso, dizemos que a experiência da luta pela terra e pelos outros direitos educa e emancipa. “Se há saber que só se incorpora ao homem experimentalmente, existencialmente, este é o saber democrático. Saber que pretendemos, às vezes, os brasileiros, na insistência de nossas tendências verbalistas, transferir ao povo nacionalmente” (FREIRE, 2002, p. 100). A Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e muitos outros movimentos sociais camponeses buscam sempre aprender com as lutas camponesas e revolucionárias do passado, mas também busca constantemente aprender com os erros de lutas do passado, lutas que pretendiam ser emancipatórias.
Ao longo de várias décadas, a esquerda latino-americana cometeu vários erros políticos e hermenêuticos graves. Marta Harnecker, pensadora latino-americana, aponta vários erros cometidos por essa esquerda: a) o vanguardismo, que leva a messianismos (salvadores da pátria) e a grupos iluminados; b) o verticalismo e o autoritarismo, que não constrói sujeitos emancipados e emancipatórios e nega um princípio da luta popular que diz que é melhor dar um passo com mil companheiros que dar mil passos sozinho; c) copiar modelos de outros países, o que fez, por exemplo, considerar o cristianismo como ópio do povo.
Isso na América Latina fez ignorar a participação importantíssima de muitas pessoas cristãs nos processos revolucionários pela Teologia da Libertação (padre Camilo Torres, na Colômbia e Mariátegui, no Peru, por exemplo) e a ignorar a presença e o protagonismo dos povos indígenas na Bolívia, por exemplo; d) o teoricismo, o dogmatismo e o estrategismo, que ignorou um ensinamento básico de Lênin o qual dizia que devemos partir sempre das necessidades elementares e fundamentais do povo;2 e) o subjetivismo que gera falsa visão da realidade e muitas vezes impõe um autoengano; f) a concepção de revolução como assalto ao poder que levou à crença de que uma minoria fará as transformações necessárias;3 g) a desvalorização da democracia, batendo na tecla de que o que importa é estabelecer a ‘ditadura do proletariado’; h) o emprego de uma linguagem inadequada, incompreensível para o povo, linguagem não popular; i) a consideração dos movimentos sociais como meras correias de transmissão do partido político. O próprio Lênin, no final de sua vida, estava preocupado com as deformações do Estado criado pelos revolucionários e admitia greves contra o burocratismo estatal; j) o desconhecimento do fator étnico-cultural dos povos, populações indígenas, quilombolas etc.4.
Além desses erros políticos, podemos elencar também o machismo, a ignorância sobre as questões de gênero e ecológicas, e os desafios postos pelas revoluções tecnológica e cibernética. Para que a luta pela terra possa ser tratada como pedagogia de emancipação humana ela não pode recair em nenhum dos erros e equívocos mencionados acima. Mais: deve superá-los, o que é um desafio imenso.
Um olhar atento aos relatos dos sujeitos que lutam pela terra e por território vê que a luta pela terra e por território se inicia quando se supera o conformismo e a resignação e se inicia uma etapa de inconformismo, de indignação, de rebeldia e de esperança que, como combustível/alimento, sustenta a marcha da luta por direitos. Frisamos que “esperança não é a última que morre”, pois a esperança é filha da luta, que faz parir a esperança. Se a luta morre, a esperança morre. Logo, não há esperança sem luta e não há luta sem inconformismo, indignação e rebeldia. Nesse sentido afirma Paulo Freire: “Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de uma educação da esperança” (FREIRE, 2009, p. 11).
De acordo com Paulo Freire, no exercício dialógico de uma pedagogia crítica “a nova experiência de sonho se instaura na medida mesma em que a história não se imobiliza” (FREIRE, 2009, p. 92). Com diálogo, em inúmeras reuniões de preparação de lutas e/ou de avaliação, os Sem Terra, sujeitos do campo, na luta pela terra, os Sem Teto, os Indígenas desterritorializados, os quilombolas e todos Povos e Comunidades Tradicionais na luta pelo território, vivenciam experiências de utopias fundadas na participação, na solidariedade, em relações simétricas e na esperança que se constrói processualmente na luta coletiva por direitos.
Diante do exposto, concluímos que é na mobilização desencadeada pelas lutas coletivas que os sujeitos da luta pela terra e por todos os outros direitos saem do individualismo, da resignação, do pessimismo e, de cabeça erguida, passam a experimentar que podem transgredir o que o Estado e o capital impõem de forma autoritária e brutal.
Referência
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 16ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2009.
Idem. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 – Santana e João, casal exemplar no P.A Paulo Freire, em Arinos, MG! Exemplo de luta pela terra! Vid 3
https://www.youtube.com/watch?v=UCaKFUuJqzQ
2 – De Riachinho/MG: Dona Antônia, 1ª professora do sertão do Urucuia, e Sr. Vadu: uma história exemplar
https://www.youtube.com/watch?v=A_mKCkdu2rw
3 – Horta Comunitária e Escola Indígena na Retomada Indígena Kamakã Mongoió, em Brumadinho, MG: BELEZA!
https://www.youtube.com/watch?v=Odyp67Oibt0
4 – “Não aceitamos despejo nem mortos!” Povo da Ocupação Fábio Alves no Barreiro, em BH/MG. Vídeo 5
https://www.youtube.com/watch?v=HZxfMsfv0-Y
5 – Com + de 600 casas, Povo da Ocupação Prof. Fábio Alves, no Barreiro, BH/MG, jamais aceitará despejo
https://www.youtube.com/watch?v=1tYZDbZaMck
6 – Davi Kopenawa e Yanomami/Watoriki comemoram vitória de Lula e reivindicam demandas urgentes-09/11/22
https://www.youtube.com/watch?v=ftdShvv0Mrk
7 – STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia – Por frei Gilvander – 10/11/2022
https://www.youtube.com/watch?v=zniYPdEDreg
8 – Mística Kamakã Mongoió e música indígena: final da VII Semana de Antropologia e Arqueologia da UFMG
https://www.youtube.com/watch?v=pjKA3IUdnZc
9 – Despejo é violência, destrói casas, história e sonhos Ocupação Novo Horizonte/Ribeirão das Neves/MG
https://www.youtube.com/watch?v=x27vxbEUOs8
10 – Trajetória apaixonante do Povo Indígena Kamakã Mongoió até Retomada de Território em Brumadinho/MG
https://www.youtube.com/watch?v=mXyLwVUBAW8
1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br – www.twitter.com/gilvanderluis – Facebook: Gilvander Moreira III
2 Cf. entrevista coletiva de Marta Harnecker, disponibilizada na internet no link https://www.youtube.com/watch?v=IxG1-W4KK6o
3 Cf. entrevista coletiva de Marta Harnecker, disponibilizada na internet no link https://www.youtube.com/watch?v=KYpe2nlAFzk
4 Cf. entrevista coletiva de Marta Harnecker, disponibilizada na internet no link https://www.youtube.com/watch?v=OT8Y8_7V85o
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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