Mata Atlântica produz metade dos alimentos consumidos no Brasil, mas emite apenas 26% dos gases de efeito estufa do setor agropecuário
Mata Atlântica produz metade dos alimentos consumidos no Brasil, mas emite apenas 26% dos gases de efeito estufa do setor agropecuário
Análise comprova a importância da Mata Atlântica para o sistema agroalimentar brasileiro e reforça as oportunidades para sua neutralidade em carbono
Embora detenha apenas 27% do total da área agropecuária do Brasil, a Mata Atlântica, bioma presente em 15% da área terrestre do país, é responsável por aproximadamente a metade da produção de alimentos para consumo direto da população brasileira. Ainda assim, emite somente 26% do total de gases de efeito estufa (GEE) do setor agropecuário.
O diagnóstico faz parte do estudo Produção de Alimentos na Mata Atlântica, realizado pela Fundação SOS Mata Atlântica, com o apoio da Cátedra Josué de Castro, a partir de dados dos Censos Agropecuários do IBGE, as bases de dados de uso da terra do MapBiomas e o Atlas da Agropecuária Brasileira, entre outras referências, e apresentado nesta quarta-feira, 9 de novembro, durante a COP27, em Sharm El Sheikh, no Egito.
O objetivo foi avaliar de maneira integrada a situação fundiária, o uso da terra, a produção agropecuária e de alimentos no bioma Mata Atlântica para apontar tendências e oportunidades de sua contribuição para sistemas agroalimentares saudáveis e sustentáveis. Além disso, buscou-se identificar caminhos para que a produção agropecuária e de alimentos sejam compatíveis com a neutralidade de emissões de gases de efeito estufa do setor de uso da terra da Mata Atlântica até 2042.
Para Luís Fernando Guedes Pinto, diretor executivo da SOS Mata Atlântica, a análise reforça a proposta de ter a Mata Atlântica como um bioma mundialmente prioritário para a restauração . “A combinação do fim do desmatamento com a restauração florestal e sistemas de produção agropecuária de baixo carbono permitem a Mata Atlântica se tornar neutra em carbono no setor de uso da terra. Essa oportunidade, combinada ao enfrentamento da dependência dos agrotóxicos, pode subsidiar um novo paradigma para sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis para o Brasil e para a humanidade como um todo”, afirma.
A Mata Atlântica, bioma presente em 3.429 municípios de 17 estados do Brasil, é um dos principais hotspots da biodiversidade do planeta. Fornece serviços ecossistêmicos fundamentais (com abastecimento de água e manutenção da qualidade do ar) para 70% da população brasileira e grande parte das principais metrópoles e áreas urbanas do país. Considerada patrimônio nacional pela Constituição Federal, está protegida pela Lei da Mata Atlântica, publicada em 2006. “É o bioma mais devastado do Brasil, com remanescentes distribuídos de maneira desigual. Desde o início da colonização portuguesa, em 1500, o sistema agroalimentar brasileiro dependeu basicamente da Mata Atlântica durante a maior parte da história, mas o seu potencial atual para contribuir, de forma sustentável, com a segurança alimentar da população brasileira ainda é pouco conhecido e explorado”, completa Jean Paul Metzger, professor do departamento de ecologia da USP, conselheiro da SOS Mata Atlântica e um dos autores do estudo.
O estudo buscou preencher essa lacuna, identificando que o bioma responde por parte importante da produção agropecuária do Brasil e grande variedade de cultivos, segundo dados do Censo Agropecuário do IBGE de 2017:
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52% da produção vegetal de alimentos de consumo direto (exceto milho, soja e cana);
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30% da produção vegetal de não alimentos (fibras, látex e algodão);
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43% da produção de soja, milho e cana-de-açúcar, culturas alimentares de consumo direto, indireto (ração de animais) e de energia;
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56% da produção de alimentos de origem animal;
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90% do café conilon, 90% do feijão preto, 76% da aveia, 68% do tomate de mesa, 97% da maçã, 63% dos ovos, 63% da banana, 61% da cebola, 54% da batata, 88% do brócolis, 86% do chuchu;
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62% de cabeças animais (bovinos, ovinos, aves, suínos) do país, sendo 27% do rebanho bovino.
Portanto, seguindo sua tendência histórica, a Mata Atlântica permanece no Brasil contemporâneo como uma região fundamental para a agropecuária nacional. “Esse resultado é alcançado com uma área de uso agropecuário e emissões de gases de efeito estufa comparativamente menores que a do Cerrado, que se tornou o paradigma e referência da agropecuária nacional nas últimas décadas a partir do cultivo de monoculturas em larga escala e em grandes propriedades”, explica Luís Fernando Guedes Pinto.
A Mata Atlântica é capaz de contribuir enormemente para o enfrentamento das mudanças climáticas. A neutralidade das emissões de uso da terra no bioma pode ser alcançada com a produção sustentável e a oferta de alimentos saudáveis – com a combinação de algumas ações:
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O fim do desmatamento;
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O aumento da regeneração e da permanência das florestas regeneradas naturalmente;
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A restauração florestal de regiões com baixo potencial para regeneração natural;
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A ampliação de sistemas de produção agrícola de baixo carbono.
Há condições estruturais específicas que favorecem estas mudanças, como:
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A maior parte da população do Brasil (70%) se concentra nas áreas urbanas da Mata Atlântica), demandando, de forma crescente, serviços ecossistêmicos;
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A Mata Atlântica concentra 80% do PIB nacional, o que melhora as condições para o financiamento da restauração e a criação de mercados para os produtos da restauração;
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As tecnologias e a oferta de serviços ligados à restauração ecológica para a Mata Atlântica estão muito avançadas;
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Os principais centros consumidores de produtos agropecuários e alimentares estão na Mata Atlântica.
Por outro lado, regiões de estados do bioma como Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Espírito Santo estão entre as que têm maior proporção de estabelecimentos rurais que usam agrotóxicos.
“Fica pendente um entendimento se a principal região produtora de alimentos e com a maior diversidade de culturas do Brasil tem capacidade para superar a dependência dos agrotóxicos. Pode a Mata Atlântica realmente se transformar em uma região com um novo paradigma agroecológico e saudável, em escala e hegemônico, em substituição às tecnologias atuais?”, questiona Gerd Sparovek, coordenador do Geolab (Esalq-USP), que também assina a pesquisa. “A resposta é sim, sem dúvida, mas, para isso, é necessária a retomada, o fortalecimento e a real implementação de políticas norteadoras, como Lei da Mata Atlântica, o Código Florestal, o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), entre muitos outros, combinados a uma uma visão integrada e a coordenação de esforços para obtermos um sistema agroalimentar sustentável e saudável”, completa.
Acesse o estudo completo no site da SOS Mata Atlântica.
Sobre a Fundação SOS Mata Atlântica
A Fundação SOS Mata Atlântica é uma ONG ambiental brasileira que tem como missão inspirar a sociedade na defesa da Mata Atlântica.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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