Mulheres batem recorde de participação na Câmara Federal no Brasil
Mulheres batem recorde de participação na Câmara Federal no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A paridade de gênero na política ainda é um sonho distante. Não existe democracia com exclusão das mulheres.
“O grau de emancipação das mulheres é o termômetro através do qual se mede
a emancipação de toda a sociedade” Charles Fourier (1772-1837)
As mulheres brasileiras – que são maioria da população e do eleitorado – conquistaram 91 cadeiras na Câmara Federal, no dia 02 de outubro de 2022, representando 18% dos 513 acentos da Câmara dos Deputados. São números recordes, pois as mulheres brasileiras conseguiram o direito de voto em 1932, mas conseguiram eleger no máximo 3 mulheres entre 1932 e 1962.
Em 1978 foram eleitas 4 deputadas federais. O “grande salto” ocorreu em 1986 (ano da Constituinte) quando foram eleitas 26 deputadas (representando 5,3% da Câmara Federal). Em 1995 começou a vigorar a Lei de Cotas para incentivar a participação feminina na política e, em 1998, foram eleitas 29 deputadas federais (5,7% do total). Em 2010, o Brasil elegeu a primeira mulher para Presidente da República, mas só elegeu 44 deputadas federais (8,6% do total). Em 2014, foram eleitas 51 deputadas federais (9,9% do total) e 77 deputadas em 2018 (15% do total). Portanto, é recorde as 91 mulheres eleitas em 2022.
O gráfico abaixo compara o crescimento da participação feminina na Câmara de Deputados no Brasil e no mundo. O percentual global de participação feminina era de 3% em 1945 e passou para 26,4% em 2022, enquanto o Brasil passou de zero (0%) para 18%. Houve crescimento geral, mas os avanços do Brasil foram mais lentos e a diferença entre o Brasil e o mundo que era de 3% em 1945 passou para 8,4% em 2022. O pior período para a representação feminina no Brasil foi durante a Ditadura Militar.
Para reduzir as desigualdades globais de gênero e elevar a participação feminina em todos os países, a IV Conferência Mundial das Mulheres, ocorrida em Beijing, em 1995, propôs a adoção de ações afirmativas ou políticas de cotas para fortalecer o empoderamento feminino. Desta forma, os ganhos de participação política das mulheres nos 27 anos após a Conferência de Beijing foi maior do que nos 50 anos anteriores, pois o percentual de deputadas femininas passou de 11,6% em 1995 para 26,4% em 2022. Contudo, os ganhos do Brasil nos últimos 27 anos não ocorreram na rapidez necessária, pois passou de 6,3% em 1995 para 18% em 2022.
Como resultado, o Brasil que estava no 146º lugar no ranking da Inter-Parliamentary Union (IPU) em setembro de 2022 deve passar para 130º lugar a partir de fevereiro de 2023. Houve, evidentemente, um avanço, mas o Brasil continua atrás da grande maioria dos países em relação à participação feminina na política parlamentar.
Um evento de destaque é que a bancada feminina, pela primeira vez na história da Câmara dos Deputados, terá duas deputadas trans: Erika Hilton (Psol-SP) e Duda Salabert (PDT-MG). Outro destaque é o crescimento da representação de mulheres bolsonaristas e de direita como Teresa Cristina e Damares Alves no Senado e de Daniela do Waguinho (que teve 214 mil votos e foi a deputada federal mais votada do Rio de Janeiro) e Carla Zambelli (PL) que teve 946 mil votos e foi a 2ª representante mais votada de São Paulo para a Câmara Federal.
Os deputados federais que se autodeclaram pretos e pardos eram 123 em 2018 (representando 24% do total) e passaram para 135 deputados em 2022 (representando 26% do total). A bancada indígena bateu o recorde em 2022 com 5 parlamentares eleitos: Paulo Guedes (PT/MG) e 4 mulheres indígenas Célia Xakriabá (Psol/MG), Juliana Cardoso (PT/SP), Silvia Waiãpi (PL/AP) e Sônia Guajajara (Psol/SP). No senado dois parlamentares se autodeclaram indígenas: Hamilton Mourão (Republicanos/RS) e Wellington Dias (PT/PI).
Olhando o longo prazo, há que se reconhecer que o teto de vidro foi rompido em vários locais e em diversos momentos nos 200 anos da Independência do Brasil. As mulheres brasileiras a avançaram na saúde (aumento da expectativa de vida), na educação, no mercado de trabalho, etc. Mas a paridade de gênero na política ainda é um sonho distante.
Não existe democracia com exclusão das mulheres. Houve avanços nas eleições de 2022, mas o caminho para a paridade de gênero ainda é constituído por uma longa estrada, cheia de obstáculos, a ser trilhada com muita luta e suor.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED et. al. Meio século de feminismo e o empoderamento das mulheres no contexto das transformações sociodemográficas do Brasil. In: BLAY, E. AVELAR, L. 50 anos de feminismo: Argentina, Brasil e Chile. EDUSP, São Paulo, 2017
ALVES, JED, PINTO, CRJ, JORDÃO, F. (Orgs). Mulheres nas eleições 2010. ABCP/SPM, SP, 2012, 520 p.http://nupps.usp.br/downloads/livros/mulheresnaseleicoes.pdf
Araújo, Clara, ALVES, J. E. D. Impactos de indicadores sociais e do sistema eleitoral sobre as chances das mulheres nas eleições e suas interações com as cotas. Dados (Rio de Janeiro). , v.50, p.535 – 578, 2007.
http://www.scielo.br/pdf/dados/v50n3/04.pdf
ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século XXI (com a colaboração de GALIZA, F), ENS, maio de 2022
https://ens.edu.br:81/arquivos/Livro%20Demografia%20e%20Economia_digital_2.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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