A população da Rússia de 1950 a 2100
A população da Rússia de 1950 a 2100, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Rússia, a despeito de ter o território mais extenso do mundo, tem uma população que é menos de 2% da população mundial e um PIB que é cerca de 2% da economia global
A Rússia é o maior país do mundo em termos geográficos, com 17,1 milhões de km2, mais do dobro da área do Brasil. Foi o país que sofreu as maiores perdas humanas durante as duas Guerras Mundiais do século XX e possui uma das menores densidades demográficas, apenas 9 habitantes por km2.
A população russa era de 102,6 milhões de habitantes em 1950 (quase o dobro da população brasileira da época) e cresceu nas décadas seguintes até alcançar o pico populacional em 1993, com 149 milhões de habitantes. A partir de 1994 o número de habitantes começou a cair de forma lenta, mas deve acelerar o decrescimento nas próximas décadas e as novas estimativas da ONU (revisão 2022) indicam, na projeção média (a mais provável), um montante pouco abaixo de 110 milhões em 2100. Na projeção alta a população pode chegar a 170 milhões e na projeção baixa pode chegar a 70 milhões de pessoas (como mostra o gráfico abaixo, do painel da esquerda).
A população russa de 15-59 anos aumentou durante toda a segunda metade do século passado, mas atingiu o pico de quase 100 milhões de pessoas no início do atual século e deve apresentar um grande declínio para menos de 60 milhões de pessoas em 2100 (conforme mostra o gráfico abaixo, no painel da direita). Ou seja, a densidade demográfica vai diminuir ainda mais e a Rússia terá uma oferta de força de trabalho cada vez menor.
Os gráficos abaixo mostram a evolução das taxas de fecundidade e a expectativa de vida. A Rússia já tinha uma fecundidade baixa no fim da Segunda Guerra. A taxa de fecundidade estava em torno de 3 filhos por mulher na década de 1950, caiu abaixo do nível de reposição na década seguinte, recuperou ligeiramente nos anos de 1980 e voltou a cair e chegou em um nível baixíssimo com o fim da União Soviética (URSS).
Nos anos 2000 houve uma recuperação da fecundidade, mas sem retomar ao nível de reposição. Durante a pandemia da covid-19 voltou a cair e, segundo a Divisão de População da ONU, pode se manter no restante do século entre 1,7 e 1,8 filho por mulher (como mostra o gráfico abaixo, painel da esquerda). Vários países adotam políticas de incentivo ao segundo ou terceiro filho para manter a taxa de fecundidade acima do nível de reposição.
Curiosamente, o presidente Vladimir Putin reeditou um decreto da era stalinista, e pretende garantir um prêmio com medalha e ajuda financeira equivalente a US$ 16,5 mil às mães russas que tiverem pelo menos dez filhos. O dinheiro só será entregue assim que o décimo filho vivo completar um ano de idade. O objetivo do programa “Mãe Heroína” de Putin seria encorajar a população a ter famílias numerosas para evitar o decrescimento populacional e garantir a geração de jovens para tocar a economia e as ambições militares da ideologia da Grande Rússia.
Evidentemente é uma política machista que busca resolver a questão demográfica da Rússia via o útero feminino e o rebaixamento do status das mulheres na sociedade. De certa forma, a “Mãe Heroína”, recria a política de Hitler “Kinder, Küche, Kirche” (crianças, cozinha, igreja), como elementos que deveriam guiar a vida de uma boa mulher nazista. Este tipo de prêmio não deu certo na época de Stalin e Hitler e, com grande probabilidade, não dará certo no século XXI.
A expectativa de vida ao nascer aumentou rapidamente no pós-guerra e chegou a quase 70 anos na década de 1960. Mas, surpreendentemente, a expectativa de vida caiu nos anos seguintes e atingiu um recorde de baixa na época da desintegração da URSS. Houve recuperação nas duas primeiras décadas do século XXI, mas uma nova queda entre 2020 e 2021, decorrente do aumento de óbitos provocados pela pandemia da covid-19. Na projeção média da Divisão de População da ONU, a expectativa de vida deve chegar a 85 anos em 2100 (como mostra o gráfico acima, painel da direita).
A nova dinâmica demográfica implica diminuição dos grupos jovens e de aumento da proporção dos grupos mais idosos. O gráfico abaixo (da esquerda) mostra que a população de 0 a 14 anos da Rússia já vem caindo em ondas desde a década de 1960 e deve diminuir de cerca de 40 milhões para menos de 20 milhões de crianças e adolescentes. O número de idosos (gráfico da direita) tem crescido continuamente, passando 5 milhões em meados do século passado para 45 milhões na metade do atual século. Mas entre 1950 e 2100 deve haver uma diminuição também no número de idosos.
Esta mudança da estrutura etária, provocada pelo avanço da transição demográfica se expressa na transformação da pirâmide populacional, conforme mostrado nos gráficos abaixo. A pirâmide etária russa de 1950 tinha vários “dentes” que registram os efeitos na mortalidade e na natalidade durante a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais. A pirâmide de 1950 mostra uma entrada na faixa de 30 a 40 anos que é resultado da queda da natalidade durante a 1ª Guerra Mundial.
A entrada na faixa de 5 a 10 anos reflete a queda da natalidade durante a 2ª Guerra Mundial. Nota-se que no lado direito da pirâmide existe um grande superávit de mulheres em relação aos homens, ao contrário, por exemplo, do que mostram as pirâmides da China e da Índia que possuem uma razão de sexo com superioridade masculina.
Na pirâmide russa de 2022 nota-se uma grande entrada na faixa etária de 20 a 35 anos que reflete a queda da natalidade pós fim da URSS. Já na pirâmide de 2100 aquelas fortes entradas desaparecem, pois as projeções não consideram a priori grandes conflitos nas próximas décadas. A pirâmide da Rússia para o final do século tem uma forma mais parecida com um retângulo, refletindo a longa permanência das taxas de fecundidade abaixo do nível de reposição.
A razão de dependência da Rússia caiu antes da Segunda Guerra, subiu no pós-Guerra, voltou a cair entre 1960 e 1980, subiu novamente no final do século passado e chegou ao menor valor por vota de 2010. A razão de dependência já iniciou a trajetória de aumento, mas não deve ultrapassar a marca de 100, pois a população russa mantém expectativa de vida abaixo do nível alcançado pelas nações desenvolvidas.
Após o fim da URSS, a Rússia passou por um período de crise econômica e a participação do PIB russo no PIB global caiu de 5% para 3%. Recuperou um pouco nos anos seguintes, mas chega atualmente à metade do que era em 1990 (gráfico do lado esquerdo). A renda per capita russa (em preços correntes em poder de paridade de compra) estava em torno de US$ 10 mil na virada do milênio e passou para cerca de US$ 30 mil atualmente, acima da renda média mundial (lado direito).
A Rússia tinha um pequeno déficit ambiental no início da década de 1990 e com o decrescimento populacional passou a ter um superávit. Segundo o Instituto Global Footprint Network, em 1992, a Rússia tinham uma Pegada Ecológica per capita de 6,8 hectares globais (gha) e uma Biocapacidade per capita de 6,62 gha. Mas nos últimos 30 anos a Pegada Ecológica per capita caiu para 5,31 gha, com uma Biocapacidade de 6,72 gha em 2018. Assim, o superávit ecológico per capita passou para 1,42 gha, conforme mostra a figura abaixo.
A Rússia, a despeito de ter o território mais extenso do mundo, tem uma população que é menos de 2% da população mundial e um PIB que é cerca de 2% da economia global, mas gasta muitos recursos com o seu poderio militar e iniciou uma desastrosa e injusta invasão do país vizinho e irmão que é a Ucrânia.
Uma ação bélica da dimensão atual apresenta um alto custo para a Rússia, mas, especialmente, para a Ucrânia e também para o mundo. O livro “Ascensão e Queda das Grandes Potências”, de Paul Kennedy, mostra que a disjunção entre poderio militar e poderio econômico leva ao declínio dos impérios.
O melhor caminho para a Rússia seria aprofundar uma aliança pacífica com seus vizinhos, a China, os BRICS e o mundo. A “declaração conjunta” da Russa e da China, no dia 7 de fevereiro de 2022, propondo uma “refundação” da ordem mundial estabelecida depois da Segunda Guerra Mundial poderia ser levada à frente em um planejamento de longo prazo para concorrer com o Ocidente pela via pacífica, avançando na democracia, na concorrência comercial e no avanço científico e tecnológico. O confronto não é bom para ninguém.
A Rússia tem uma grande parte do seu território ligado ao Ártico e o degelo do polo Norte tem aberto oportunidades de negócios com a abertura de rotas de navegação. Mas enquanto a Rússia retira vantagens da redução do gelo do Ártico e o aquecimento global ameaça toda a humanidade e a biodiversidade da Terra.
Neste sentido, o real compromisso da Rússia com o meio ambiente seria fundamental para todo o Planeta.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A população da Rússia em 2100, Ecodebate, 05/10/2012
http://www.ecodebate.com.br/2012/10/05/a-populacao-da-russia-em-2100-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O decrescimento demográfico da Rússia, Ecodebate, 15/06/2018
https://www.ecodebate.com.br/2018/06/15/o-decrescimento-demografico-da-russia-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. O degelo do Ártico e o atalho na rota comercial norte entre o Leste Asiático e a Europa, Ecodebate, 14/10/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/10/14/o-degelo-do-artico-e-o-atalho-na-rota-comercial-norte-entre-o-leste-asiatico-e-a-europa/
ALVES, JED. O tamanho demográfico e econômico da Rússia, Ecodebate, 21/03/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/03/21/o-tamanho-demografico-e-economico-da-russia/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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