50 anos do livro Limites do Crescimento
50 anos do livro Limites do Crescimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Acreditar que o crescimento econômico exponencial pode continuar infinitamente
num mundo finito é coisa de louco ou de economista”
Kenneth Boulding (1910-1993)
São cada vez mais alarmantes os sinais dos desastres ecológicos. O mundo está começando a perceber a dimensão da crise climática e ambiental.
Os diversos relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) mostram que o modelo hegemônico de produção e consumo é insustentável e o déficit ecológico aumenta ano após ano. O Planeta caminha para um colapso sistêmico global se nada for feito com urgência para redirecionar os rumos da civilização humana.
Mas tudo que está acontecendo atualmente não é surpresa para quem conhece os alertas feitos, no passado, por autores como Alexander von Humboldt (1769-1859), John Stuart Mill (1806-1873), Henry Thoreau (1817-1862), Rachel Carson (1907-1964), Nicholas Georgescu-Roegen (1906 – 1994) e vários outros.
Mas um aviso que não poderia jamais ser desconsiderado ocorreu há 50 anos, quando um grupo de cientistas do Massachusetts Institute of Technology (MIT) comprovou uma verdade simples e inquestionável: “o crescimento econômico e populacional contínuo esgotaria os recursos da Terra e levaria ao colapso econômico global até 2070”. O livro “Limites do crescimento” foi um dos primeiros estudos a apresentar uma modelagem computacional para prever os impactos ambientais e sociais da industrialização baseada em combustíveis fósseis e voltada para a produção em massa de bens e serviços de escopo global.
Mas esta verdade evidente foi considerada chocante e não caiu bem para o establishment global. Até a revista acadêmica Nature chamou o estudo de “outro cheiro de dia do juízo final” (Nature 236, 47–49; 1972), pois era quase uma heresia, mesmo nos círculos de pesquisa, sugerir que alguns dos fundamentos da civilização industrial – mineração de carvão, fabricação de aço, perfuração de petróleo e pulverização de fertilizantes – poderiam causar danos duradouros. Líderes de pesquisa aceitaram que a indústria polui o ar e a água, mas consideraram tais danos reversíveis. Aqueles treinados na era pré-computação também eram céticos em relação à modelagem e defendiam que a tecnologia viria em socorro do planeta.
O zoólogo Solly Zuckerman, ex-assessor científico-chefe do governo do Reino Unido, disse: “O que quer que os computadores possam dizer sobre o futuro, não há nada no passado que dê qualquer credibilidade à visão de que a engenhosidade humana não pode contornar as dificuldades humanas materiais”.
Mas a principal autora do estudo, Donella Meadows e seus colegas permaneceram firmes, ressaltando que a estabilidade ecológica e econômica seria possível se medidas fossem tomadas com antecedência. Mas os negacionistas, ainda hoje, ignoraram o alerta e os tecnófilos cornucopianos consideravam que a tecnologia desenvolvida pela “engenhosidade humana” seria capaz de resolver todos os problemas, embora as evidências mostrem que os problemas ambientais e climáticos estão chegando a um ponto de desequilibrar o Sistema Terra.
Em 2002, os autores do livro de 1972 atualizaram e expandiram suas descobertas originais em novo livro “The Limits to Growth: The 30 Year Global Update”. Citando as mudanças climáticas como o exemplo mais tangível da crise atual, a atualização fornece um cenário e um plano para reduzir as necessidades globais para atender à capacidade de carga do Planeta. A atualização de 30 anos é um trabalho que confirma os danos ambientais causados pelo crescimento demoeconômico. O tempo passa e o livro de 1972 fica cada vez mais atual.
Até a revista Nature se dobrou à realidade e fez um editorial (16/03/2022) mostrando como foi equivocado negar os limites do crescimento, sendo que atualmente a palavra que reflete os impasses atuais é decrescimento. Ou seja, em vez de estabilizar o crescimento da população e da economia, como era recomendado antes da ultrapassagem da capacidade de carga da Terra, a tarefa atual é buscar o decrescimento demoeconômico global.
Artigo de Bologna e Aquino, em artigo da revista Nature (06/05/2020) analisando o atual ritmo de crescimento do consumo, da população mundial, do desmatamento e da degradação ambiental concluem que a humanidade tem uma probabilidade muito baixa (menos de 10% na maioria estimativa mais otimista) para sobreviver sem enfrentar um colapso catastrófico.
Agora em 2022, cinquenta anos depois do livro original foi publicado o livro “Limits and Beyond: 50 years on from The Limits to Growth, what did we learn and what’s next?”, que além de trazer dois dos autores originais, reuniu uma série de pensadores e cientistas de renome mundial para discutir os limites do crescimento demoeconômico. Logo no primeiro artigo Ugo Bardi define o cenário com um exame aprofundado do relatório original e o efeito que ele teve sobre como podemos pensar sobre o que a humanidade está fazendo com o mundo.
Também em 2022, a Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO) divulgou um Boletim, em maio, celebrando os 50 anos não só do livro “Limites do Crescimento”, como também do fundamental livro “The Entropy Law and the Economic Process”, de Nicholas Georgescu-Roegen, publicado originalmente em 1971 e que elaborou uma contundente crítica às premissas da economia neoclássica a partir da Segunda Lei da Termodinâmica. Vale a pena ler o Boletim da ECOECO e refletir sobre a guerra que a humanidade promove contra a natureza e que está gestando um colapso social e ambiental, cuja trajetória atual parece inevitável.
A humanosfera não pode ser maior que a ecosfera. É preciso reconhecer que não somos donos do Meio Ambiente, mas sim pertencemos ao Meio Ambiente, pois a natureza não depende de nós, mas, sim, nós dependemos da natureza.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. O Estado Estacionário e Ambientalmente Sustentável, Ecodebate, 21/12/2011
http://www.ecodebate.com.br/2011/12/21/o-estado-estacionario-e-ambientalmente-sustentavel-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. 250 anos do nascimento do grande ambientalista Alexander von Humboldt, Ecodebate, 13/09/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/09/13/250-anos-do-nascimento-do-grande-ambientalista-alexander-von-humboldt-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Walden: mito da natureza intocada ou Ecologia Profunda? Ecodebate, 19/02/2016
http://www.ecodebate.com.br/2016/02/19/walden-mito-da-natureza-intocada-ou-ecologia-profunda-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A sociedade dividida e a natureza destruída, Ecodebate, 05/01/2022
https://www.ecodebate.com.br/2022/01/05/a-sociedade-dividida-e-a-natureza-destruida/
Editorial. Are there limits to economic growth? It’s time to call time on a 50-year argument, Nature, 16/03/2022
https://www.nature.com/articles/d41586-022-00723-1?utm_term=Autofeed&utm_campaign=nature&utm_medium=Social&utm_source=Twitter#Echobox=1647432491
Donella Meadows, Jorgen Randers, Dennis Meadows. Limits to Growth, The 30-Year Update, Earthscan, London, 2005
http://www.peakoilindia.org/wp-content/uploads/2013/10/Limits-to-Growth-updated.pdf
Mauro Bologna, Gerardo Aquino. Deforestation and world population sustainability: a quantitative analysis, Nature, Scientific reports, 06 May 2020
https://www.nature.com/articles/s41598-020-63657-6.pdf
ECOECO. Limites biofísicos ao crescimento da economia: 50 anos depois, Boletim n. 41/2022
http://ecoeco.org.br/wp-content/uploads/2022/03/Boletim_22032022_41.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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