A culpa não é da chuva
Fevereiro 2022. Deslizamento de terra causado pelas chuvas em Petrópolis, na comunidade da 24 de Maio. Foto. EBC
A culpa não é da chuva, artigo de Kathya Balan
Mais de uma década depois da reestruturação do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, manchetes apontam o volume pluviométrico da estação como culpado do desastre ocorrido em Petrópolis nesta semana. A culpa é mesmo da forte chuva?
Em 2011, a região serrana do Rio Janeiro sofreu com um dos maiores desastres climáticos do Brasil, classificado pela ONU como o “8º maior deslizamento ocorrido no mundo nos últimos 100 anos”. Esse desastre foi um marco para a Gestão de Risco no Brasil.
Com mais de 900 mortos, além de centenas de desaparecidos e milhares desabrigados, este foi o ponto de partida para a reestruturação do Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil, com o advento da Lei 12.608, de 11 de abril de 2012.
Mais de uma década depois, manchetes apontam o volume pluviométrico da estação como culpado do desastre ocorrido em Petrópolis nesta semana. A culpa é mesmo da forte chuva? Desastres não são naturais. São eventos extremos socioambientais, que se iniciam e se findam trazendo prejuízos ao homem. E para entender o resultado devastador de um desastre como o ocorrido, precisamos olhar para a governança do risco de desastres no País.
Em relação aos riscos e desastres hidrológicos a governança está “diretamente ligada à maneira como as políticas públicas são aplicadas e construídas”. Seria algo como “o processo de assumir que o risco existe e planejar ações para evitar, reduzir, transferir, compartilhar e até mesmo aceitar seus impactos”, o que resultaria em uma governança preventiva. Inclusive, a Lei 12.608 direciona os esforços de gerenciamento de risco e desastres para o âmbito preventivo, mas ainda é exatamente nesse ponto que falhamos miseravelmente.
Para que esse sistema funcione são necessários alguns fatores: articulação; consensos; estratégias e autonomia: o estado deixa de ser o produtor das ações e passa a dirigi-la. Regiões em que a probabilidade do risco de um desastre é alta deveriam ser monitoradas e contar com sistemas de alertas eficazes construídos junto aos cidadãos. Acredito na necessidade da criação de estratégias e políticas públicas que coloquem o cidadão no papel de protagonista. Somente a partir do conhecimento construído junto à comunidade é que se poderá desenvolver a percepção pública dos riscos e desastres e aumentar as possibilidades de intervenção do cidadão durante a gestão dos riscos na fase pré-desastre.
Desastres como o ocorrido abrem janelas de oportunidade para o debate e para a implementação de melhorias na governança dos riscos. O momento é de reflexão: quantas vidas ainda serão perdidas até que haja um comprometimento dos governantes com a gestão preventiva dos riscos de desastres?
É mais fácil culpar o aquecimento global, as fortes chuvas e julgar desastres como “naturais” do que assumirmos a culpa que nos cabe na falta de uma gestão de risco eficaz. Os possíveis fatores responsáveis pelo desastre em Petrópolis são: a falta de planejamento urbano, o descaso com a vulnerabilidade social e econômica da população e a negligência dos gestores públicos por trás de grandes desastres.
Kathya Balan é Mestra em Governança e Sustentabilidade e Supervisora da Assessoria da Presidência e Sustentabilidade do ISAE Escola de Negócios
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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