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Motivação racial é a violência mais comum sofrida por adolescentes infratores no Brasil

 

Motivação racial é a violência mais comum sofrida por adolescentes infratores no Brasil

Segundo pesquisa da ONG Visão Mundial, orçamento insuficiente, falta de treinamentos, vieses raciais e violência institucionalizada prejudicam a eficácia das medidas socioeducativas nos municípios

  • Motivação racial é a mais comum entre as violências sofridas por adolescentes infratores no País;

  • Violência policial aos jovens foi relatada por 71% dos entrevistados;

  • 86% dos juízes, 83% dos promotores de justiça e 93% dos defensores públicos afirmaram não terem participado de qualquer tipo de capacitação sobre a Política Nacional de Assistência Social;

  • 33% dos defensores públicos, 50% dos juízes e 74% dos promotores declararam não haver atuação da equipe técnica multiprofissional nas instituições do sistema de justiça.

Relatório da ONG Visão Mundial sobre a Política de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto no Brasil, será lançado nesta terça-feira (14), aponta que a maior parte dos adolescentes autores de ato infracional no Brasil já recebeu algum tipo de ameaça de morte, seja por organizações criminosas, como facções e milícias; por instituições do Estado, como as polícias Militar e Civil; ou até mesmo por seus próprios familiares.

Realizada a partir de 3.540 entrevistas com juízes, defensores públicos, promotores de justiça, gestores municipais e estaduais da saúde e da assistência social, conselheiros municipais e estaduais da criança e do adolescente, além da equipe técnica e coordenação dos Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), o levantamento mostrou que, em média, 89% dos profissionais já ouviram relatos dos adolescentes referentes a ameaça de morte vindas de gangues e facções criminosas, 45% souberam de ameaças de policiais militares e 8%, de milícias.

Os questionários para fins de realização do estudo, intitulado Diagnóstico da Política de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto, foram aplicados entre os meses de março de 2019 e fevereiro de 2020, com o objetivo de avaliar os pontos fortes e falhos do sistema de justiça da criança e do adolescente, bem como a política de Assistência Social para a efetivação da política de atendimento socioeducativo em Meio Aberto no País. “Temos um sistema de justiça muito forte, porém com ideias ainda muito conservadoras sobre a família e acerca da adolescência, permanecendo apenas na esfera punitivista e não na socioeducativa – que é a que se mostra inovadora e provedora da socioeducação, tão latente nas medidas socioeducativas de meio aberto”, ressalta Cibelle Bueno, gerente de projetos da ONG Visão Mundial e coordenadora da pesquisa. Cerca de 46 mil jovens em conflito com a lei foram atendidos pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) em 2019.

A pesquisa avaliou, por exemplo, as formas de violência sofridas pelos adolescentes segundo relato dos próprios aos profissionais entrevistados. As mais comuns foram: violência territorial (violência física por membros de gangues ou moradores locais), relatada em média por 72% dos respondentes; violência policial (abordagem violenta com agressão verbal ou tortura), com 71%; e violência durante passagem pela unidade de internação (agressão física, tortura, maus-tratos, etc), com 30%. Violência no ambiente doméstico e escolar também foram relatadas. 

Já entre as motivações da violência, a racial aparece em primeiro lugar, sendo citada, em média, por 26% dos juízes, promotores, defensores públicos, gestores e técnicos e coordenadores dos CREAS ouvidos na pesquisa. Por violência de motivação racial entende-se agressão física, verbal ou psicológica motivada pelo pertencimento étnico-racial, como pessoas negras, indígenas e ciganas. A violência de gênero (16%), de classe (7%) e religiosa (<1%) aparecem em seguida. 

Discriminação por juízes

Quando perguntados se presenciaram alguma situação em que as características do adolescente influenciaram a decisão do Ministério Público ao oferecer representação, 80% dos juízes responderam que não; 6,61% disseram que sim, pelo adolescente ser preto ou pardo; 5,79% por ele ser pobre; 2% por apresentar indícios de transtorno psíquico; 1% por ser indígena; e o mesmo percentual (1%) por ser travesti ou transexual. 

Quando perguntado aos promotores de justiça e aos defensores públicos se, por sua vez, já presenciaram alguma situação em que as características do adolescente influenciaram a decisão do juiz, 79% dos promotores afirmaram que não houve esse tipo de influência; 6% afirmaram que houve, quando o adolescente apresenta indícios de transtorno psíquico; 5% quando o adolescente é pobre; e 3% quando é preto ou pardo.

Já os defensores públicos apresentaram números bem discrepantes para a mesma pergunta: apenas 21% afirmaram que não houve influência do juiz por alguma característica do adolescente, enquanto 52% disseram que o fato de o adolescente ser pobre influenciou na decisão da autoridade judicial. Outros 31% acreditam que também há influência pelo fato do infrator ser preto ou pardo e 10%, por ele apresentar indícios de transtorno psíquico. 

Falta de capacitação

Quando questionados sobre a capacitação obtida sobre a Política Nacional de Assistência Social, sendo esse tipo de preparação fundamental para a atuação em sinergia dos atores que diretamente operacionalizam as medidas socioeducativas em meio aberto, 86% dos juízes, 83% dos promotores de justiça e 93 dos defensores públicos afirmaram não ter participado de qualquer tipo de capacitação em 2018.

Quando questionados sobre capacitação específica sobre a Lei do Sinase, majoritariamente juízes (72%), promotores de justiça (78%) e defensores públicos (85%) afirmaram não terem participado de nenhuma. Mais do que isso, segundo o relatório, 33% dos defensores, 49% dos juízes e 74% dos promotores declararam não haver atuação da equipe técnica multiprofissional nas instituições do sistema de justiça

A consequência dessa falta de integração e de amplo conhecimento reflete em um sistema baseado na punição, e não na formação dessas crianças e adolescentes para estarem mais integradas à sociedade. “Todo adolescente e jovem tem o direito à vida, à proteção, à educação e ao desenvolvimento pleno de suas capacidades intelectuais, emocionais, mentais e físicas com saúde e afeto. A punição não pode ser aplicada, por exemplo, sem distinção de idade, e de forma retributiva. As medidas de proteção ou socioeducativas precisam ter caráter formativo – se feitas com eficiência, resultarão na construção ou reconstrução de projetos de vida com vista ao pleno desenvolvimento das crianças e adolescentes”, afirma Bueno, que completa: “Como próximo passo, a ONG pretende ainda realizar a escuta ativa das crianças e adolescentes incluídos no sistema socioeducativo em meio aberto, tendo um levantamento completo a nível nacional, com dados que servirão de base ao desenvolvimento de políticas públicas mais justas para adolescentes e jovens, sobretudo aos mais vulneráveis”.

Déficit orçamentário, falta de profissionais e outros obstáculos

A quantidade de profissionais presentes nos órgãos de defesa de direitos e nos serviços de medidas socioeducativas em meio aberto é um fator que influencia na efetividade da execução das ações. Diante disso, 72% dos promotores de justiça se mostraram insatisfeitos ou muito insatisfeitos com a quantidade de profissionais disponíveis para a execução e o acompanhamento das medidas socioeducativas em meio aberto em seus municípios; assim como 67% dos defensores públicos; 60% dos juizes; 67% dos componentes de equipes técnicas dos CREAS; 57% dos conselheiros municipais dos direitos da criança e do adolescente; e 84% dos conselheiros estaduais dos direitos da criança e do adolescente.

No que concerne ao orçamento disponível para o financiamento da gestão estadual do Sinase, 70% dos gestores estaduais de Assistência Social relataram insatisfação ou muita insatisfação. Já no que diz respeito ao orçamento disponível para o financiamento da gestão municipal do Sinase, 67% dos promotores de justiça; 64% dos defensores públicos; 57% dos juízes; 63% dos coordenadores de CREAS; 57% dos componentes da equipe técnica; 43% dos conselheiros municipais; 65% dos gestores municipais de Assistência Social e 29% dos gestores de Saúde se disseram estar insatisfeitos ou muito insatisfeitos.

A pesquisa buscou compreender também quais são os obstáculos, encontrados pela tríade judiciária que dificultam a execução da política de acordo com os princípios e diretrizes preconizados pelo Sinase. De modo geral, os respondentes apontaram diferentes opções; porém, a maioria destas são relacionadas à falta de estrutura e recursos humanos do Executivo. 

Metodologia 

O diagnóstico mapeou os atendimentos socioeducativos concedidos a adolescentes nas 27 capitais e em 159 municípios da região metropolitana, tanto no sistema de assistência social quanto no sistema de justiça. Foram realizadas 3.540 entrevistas com profissionais que atuam diretamente com os direitos das crianças e adolescentes, com a geração de 3.861 dados de pesquisa validados para análise. A aplicação dos questionários – contendo ao menos 110 perguntas, sendo estas realizadas de acordo com cada ator respondente / entrevistado – ocorreu por meio de pesquisa de campo executada entre março de 2019 e fevereiro de 2020.

O Diagnóstico da Política de Atendimento Socioeducativo em Meio Aberto foi realizado pela Visão Mundial, em parceria com o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) e o Gabinete de Assessoria Jurídica das Organizações Sociais (GAJOP). 

Veja aqui a pesquisa completa.

Sobre a Visão Mundial

A World Vision, conhecida no Brasil como Visão Mundial, é uma organização humanitária dedicada a trabalhar com crianças, famílias e suas comunidades para atingir todo o seu potencial, combatendo as causas da pobreza e da injustiça.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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