ESG é fake quando a empresa só parece ética
ESG é fake quando a empresa só parece ética, artigo de Jefferson Kiyohara
É fundamental parecer e ser ético. E a mesma lógica vale para o ESG. A ânsia de ganhar destaque e capitalizar em cima do tema tem ganhado espaço versus a aplicação correta do conceito.
O bom e o mau existem. Empresas, profissionais ou ONGs, não importa o tipo ou categoria. Nem todo religioso é uma pessoa que prega o bem e nem todo médico coloca a saúde dos pacientes em primeiro lugar, assim como não podemos acreditar que todo político é corrupto e todo policial é bruto. Generalizações e rótulos são perigosos e injustos.
O mundo corporativo não foge à regra. Existem empresas sérias e transparentes, outras que enganam, e aquelas que navegam pela área cinzenta. Existem as que falham como exceção e aquelas que o fazem intencionalmente. E tal contexto ganha os holofotes quando falamos da “onda ESG” que acontece no mundo, assim como no Brasil. Vemos práticas de Greenwashing, de rainbow washing e relatórios de sustentabilidade que não seguem as boas práticas, não são auditados e ainda apresentam os dados de forma seletiva. Faz sentido?
É fundamental parecer e ser ético. E a mesma lógica vale para o ESG. A ânsia de ganhar destaque e capitalizar em cima do tema tem ganhado espaço versus a aplicação correta do conceito.
As empresas que optam por trilhar este caminho acreditam que não haverá consequências e as ações inconsistentes serão suficientes para se destacar positivamente no mercado e ludibriar os seus stakeholders, ou ao menos parte deles. Publicar um relatório de sustentabilidade é deixar um registro público dos compromissos e práticas da empresa, inclusive do que ela não faz e pode ser cobrada por isso no futuro.
Um item fundamental do relatório é a matriz de materialidade, que contempla os pontos relevantes para a empresa e para os seus stakeholders. Ela precisa conversar com a estratégia do negócio, com o seu core business, com sua realidade e ter consistência e coerência. Por exemplo, não adianta uma fintech destacar que tem planos de ser carbono zero, sendo que não adota governança de dados e um programa de privacidade, dado que não é uma geradora significativa de carbono e ignora a boa gestão e proteção de dados, um item fundamental do seu setor de atuação.
Reduzir as emissões dos gases de efeito estufa e promover a diversidade são importantes. Mas adotar essas ações per si não fazem uma empresa se tornar sustentável de fato. A temática é mais ampla e ESG não é checklist. O primeiro passo é ter conteúdo, ter as ações para dentro e para fora e desenvolver uma cultura. O relatório de sustentabilidade é uma consequência e o reporte deve contemplar tudo que tem materialidade. E este passo não pode ser pulado.
E como identificar os problemas de materialidade? Uma boa dica é comparar com outras empresas do mesmo setor. De cinco empresas de bebidas, apenas uma omite a questão de embalagens do seu relatório. Se sabemos que as garrafas plásticas são cena comum no caso de poluição de rios e mares, então como uma empresa deste setor pode ser sustentável ignorando este tópico? É importante avaliar os impactos de entrada, o processamento e a saída ao longo da cadeia de valor da empresa, assim como toda sua cadeia de fornecimento.
Vale também observar se os stakeholders relevantes estão de fato sendo considerados e se a forma de atuação da empresa por si já é controversa e/ou gera danos a terceiros, por exemplo, em termos de desrespeito aos direitos humanos, danos à saúde, poluição do ar e da água, geração de carbono e produção de lixo, entre outros. Plantar mudas de árvore não torna sustentável uma empresa que polui os rios, assim como doar cestas básicas não é uma compensação para um ambiente tóxico de trabalho.
A consistência do relatório pode ser avaliada considerando a abrangência e a significância. Empresas multinacionais que destacam as ações que fazem nos EUA e na Europa e ignoram as práticas adotadas na América Latina ou na África devem ser avaliadas com atenção e cautela, assim como uma organização que destaca ter um produto sustentável, mas o mesmo não tem peso em seu faturamento (ou seja, a maior parte de sua receita vem de produtos não sustentáveis).
Relatórios devem ser transparentes e precisos e a empresa deve garantir a trilha necessária para a realização da auditoria. E o mundo corporativo deve ser incentivado a adotar estas ações de forma coletiva.
A verdade vai prevalecer e a margem para os engodos se tornarão cada vez menores. E a sua organização, está preparada para responder à pergunta: o que a sua empresa não mostra?
*Jefferson Kiyohara é diretor de Compliance & Sustentabilidade na ICTS Protiviti, empresa especializada em soluções para gestão de riscos, compliance, ESG, auditoria interna, investigação e proteção e privacidade de dados, e professor da FIA.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
A manutenção da revista eletrônica EcoDebate é possível graças ao apoio técnico e hospedagem da Porto Fácil.