Contribuições da Lei Municipal N° 395 para a conservação, restauração e uso sustentável da Caatinga em Cícero Dantas, Bahia
Contribuições da Lei Municipal N° 395 para a conservação, restauração e uso sustentável da Caatinga em Cícero Dantas, Bahia
Por Elissandro Santana
Mestrando em Conservação da Biodiversidade e Desenvolvimento Sustentável – pela ESCAS – Instituto IPÊ
Considerações iniciais e contextualização geográfica
Antes de qualquer análise em torno das contribuições da Lei 395 para a conservação da biodiversidade em Cícero Dantas, Bahia, faz-se necessário conhecer a geolocalização deste município. Para isso, nada mais oportuno do que visualizá-lo nos três mapas abaixo:
Mapa I
Cícero Dantas
Fonte: IBGE
Mapa II
Municípios do Território de Identidade Nordeste Semiárido II
Fonte: Território de Identidade: Semiárido NE II | (wordpress.com). https://conferenciadecultura.wordpress.com/2011/09/30/territorio-de-identidade-semiarido-ne-ii/
Mapa III
Cícero Dantas, Bahia
Fonte: Bahia Município Cícero Dantas – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Localizado no Nordeste Baiano, no agreste, em uma faixa de transição entre a Zona da Mata e a Caatinga, apresenta características da flora dos dois biomas, com predominância dos elementos da Caatinga. Faz parte da microrregião de Ribeira do Pombal.
A Microrregião de Ribeira do Pombal pertence à Mesorregião Nordeste da Bahia, com extensão territorial de 8.237,3 km², uma população estimada em 342.890 habitantes (BRASIL, 2013; 2016), dividindo-se em quatorze municípios, a saber: Adustina, Antas, Banzaê, Cícero Dantas, Cipó, Fátima, Heliópolis, Itapicuru, Nova Soure, Novo Triunfo, Olindina, Paripiranga, Ribeira do Amparo e Ribeira do Pombal (GAMA e JESUS, 2018). Cabe destacar que estes dados são de 2018 e, por isso, algumas informações talvez precisem ser atualizadas.
Do ponto de vista socioeconômico, tanto a Microrregião como o município de Cícero Dantas possuem baixos índices de desenvolvimento e têm na agricultura e na pecuária as principais fontes de geração e renda, cabendo destacar que estas duas matrizes sofrem interferência do clima semiárido e, portanto, com baixos índices pluviométricos. Essas condições ambientais quando se encontram, historicamente, com gestões municipais, estaduais e municipais sem uma preocupação concreta com um projeto para a implantação de uma agenda que leve em consideração ferramentas e estratégias que driblem os períodos de seca e viabilizem o desenvolvimento da região pioram ainda mais as condições socioeconômicas da área.
Sobre a situação socioeconômica do município, com base em dados do ano de 2018, a partir do IBGE, tem-se o seguinte:
IMAGEM I
Fonte: IBGE | Cidades@ | Bahia | Cícero Dantas | Panorama
Como está dividida e organizada a referida lei?
Esta, na verdade, é uma lei voltada para a educação ambiental e, por isso mesmo, desempenha um papel importante para a mudança de mentalidade social nos próximos anos.
A Lei 395 está organizada em 9 artigos. No primeiro deles, apresenta-se o papel da legislação em torno da conservação, da restauração e do uso sustentável do bioma Caatinga.
No segundo artigo, tem-se que a rede de ensino Municipal e Estadual deve inserir a temática Conservação e Restauração do Bioma Caatinga em sua proposta curricular, tornando-a obrigatória no componente curricular de Geografia, na primeira unidade do ano letivo.
No terceiro artigo, fica definido que todas as turmas, a partir do 3º ano do Ensino Fundamental e Ensino Médio, realizarão, anualmente, o projeto Conservação e Restauração do Bioma Caatinga, explorando atividades de conservação e restauração da fauna e da flora local.
No quarto artigo, tem-se que a conservação e o uso sustentável da Caatinga visam aos seguintes objetivos: I – proteger a biodiversidade do bioma, por meio da conservação de remanescentes de vegetação nativa, do combate ao desmatamento e da restauração ecológica; II – estimular o uso sustentável dos recursos naturais da Caatinga e III – estimular a conservação das matas nativas às margens de nascentes, tanques e lagoas para garantir a permanência hídrica desses locais.
No quinto artigo, menciona-se que o município realizará em parceria com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente palestras com biólogo, agrônomo e engenheiro ambiental (Nesse ponto, abro a seguinte crítica, essas palestras deveriam ser apresentadas não somente por profissionais das três áreas mencionadas, mas também por outros profissionais, dado que a educação ambiental e as questões ambientais são transversais por natureza e, neste ponto, a lei precisa ser repensada, aperfeiçoada) que vise estimular educandos, pais e comunidade local sobre a conservação dos solos e correto manejo dos mesmos, bem como fomentar o combate à desertificação, os incêndios florestais e a extinção da fauna, no intuito de: I – Promover a convivência da população humana com o fenômeno da seca; II – Implementar, no mínimo, 30% arborização nativa da Caatinga em Praças e Jardins municipais na Sede e Povoados e III – fica instituída a árvore ipê-amarelo (Handroanthus albus) como símbolo do município de Cícero Dantas.
No Art. 6º, diz-se que são objetos do Conhecimento que podem ser abordados dentro da temática Conservação e Restauração do Bioma Caatinga; I- Características da Caatinga; II- Clima; III- Vegetação; IV-Características de algumas espécies da flora da caatinga; V- Fauna; VI-Solo; VII- Os tipos de Caatinga; VIII- Hidrografia e IX-A devastação da caatinga.
No Art. 7º, institui-se a seguinte habilidade para ser alcançada com essa temática: I – Entender a importância do Bioma Caatinga e suas diversas particularidades, principalmente em relação à adaptação climática das plantas e animais; II – Descrever e discutir como as secas extremas e períodos de estiagem, característicos do clima semiárido interfere na vegetação e na sua sobrevivência em razão da pouca disponibilidade de água; III – Identificar a localização da Caatinga no Brasil, compreender a hidrografia e sua importância para a manutenção das características climáticas locais e globais, além da sua grande biodiversidade e IV – Promover a valorização do bioma caatinga, fortalecendo a cultura e a diversidade de sua flora e fauna.
Art. 8º. As escolas municipais que atendem turmas a partir do 3º ano do Ensino Fundamental e as escolas estaduais terão que realizar o projeto na primeira unidade e culminar no dia 28 de abril – dia Nacional da Caatinga e o nono artigo só sinaliza a data em que a lei entrou em vigor.
Quais são/serão as contribuições da lei para a conservação, restauração e uso sustentável da Caatinga?
Por ser uma lei voltada para políticas de educação ambiental, espera-se com esta legislação mudanças na forma de pensar e agir da sociedade, de empresários, fazendeiros, agricultores e autoridades municipais sobre o Bioma Caatinga nos próximos anos.
No mais, ainda é muito cedo para uma análise de resultados acerca dos frutos da Lei 395, esta legislação com foco na educação ambiental que se propõe a normatizar a Conservação e a Restauração do Bioma Caatinga no Município de Cícero Dantas, mas, apesar disso, sabe-se que a via jurídica, mesmo que sem uma perspectiva punitiva, é um dos caminhos para a garantia de direitos ambientais para as gerações atuais e futuras, em consonância com os pilares da sustentabilidade.
A Lei 395, de 05 de abril de 2021, elaborada nesse ano pandêmico, é a prova concreta de que as autoridades locais, até certo ponto, estão despertando para a importância da preservação, da conservação e que isso se relaciona, diretamente, com o desenvolvimento local. Ademais, é importante destacar que a Lei 395 é uma das ações legislativas ambientais mais importantes para a conservação e a preservação da Caatinga no município.
Cabe pontuar que, apesar de muito recente, como foi sinalizado, a Lei 395 já se constitui como materialidade para novas práticas e ações sobre o bioma na cidade, fator que, ao longo dos anos, pode se aperfeiçoar e influenciar novos comportamentos direcionados ao desenvolvimento ambientalmente justo e, portanto, sustentável/sustentado não somente em Cícero Dantas, mas, também em outras cidades do entorno.
Como a sustentabilidade nos leva aos pressupostos do desenvolvimento sustentável, faz-se importante entender que esta não se propõe somente a salvaguardar a natureza, mas também e, principalmente, se refere à internalização/interiorização de estratégias que agregarão novos recursos que viabilizarão o desenvolvimento para toda a sociedade. Nesse sentido, pode-se afirmar que o desenvolvimento sustentável se relaciona com processos e também com práticas e ações com foco na melhoria da qualidade da vida humana (WCED, 1987; BLEWITT, 2008; UNSGHLPS, 2012). A partir disso se darão as condições para erradicar a pobreza, reduzir a desigualdade e tornar o crescimento inclusivo e produção e consumo mais sustentável (UNSGHLPS, 2012, p. 6).
Com base na legislação a partir da Lei 395, será possível exigir dos governantes e da sociedade local, ações em prol da conservação e do uso sustentado dos recursos e capitais naturais que a Caatinga, partindo-se do pressuposto de que são imprescindíveis para o desenvolvimento não somente do município e de todo o território do qual este faz parte.
Também é interessante colocar que a Lei 395 preenche uma lacuna ambiental em torno da conservação e da preservação ambiental no tangente aos elementos constituintes/formadores do Bioma Caatinga, haja vista que, até então, não havia registro legislativo específico voltado para a conservação ambiental por meio de normatizações e políticas de educação ambiental nos limites do município de Cícero Dantas.
A referida lei veio em um momento importantíssimo, pois, ao longo de anos, a relação de grande parte da sociedade local e das autoridades públicas com a natureza não contribuiu para a conservação dos elementos da paisagem da Caatinga e tudo o que ela fornece, dentre eles a flora e a fauna. Nessa linha de análise, pode-se afirmar que a Caatinga sempre foi vista por muitos moradores e pela maior parte dos gestores públicos como algo sem grande importância, imaginário que fortaleceu a cultura que desencadeou processos que levaram à degradação em partes do município.
Diante da cultura insustentável que alimentou o imaginário de destruição dos espaços naturais no município, há a necessidade, de forma urgente, de estudos multidisciplinares envolvendo pesquisadores e pesquisadoras da biologia, da geografia, da ecologia e de outras áreas do conhecimento para a recuperação do que se perdeu ou preservação/conservação do que ainda existe.
Ações concretas que poderão ser executadas a partir da Lei 395
Primeiramente, é preciso destacar que tais ações só se concretizarão se as políticas de educação ambiental forem implantadas nas instituições escolares do município e, principalmente, se a lei for executada de fato, do contrário, o documento não passará de uma legislação inoperante, sem os efeitos necessários para a mudança cultural-social-político-econômico que Cícero Dantas necessita.
Caso as ações de educação ambiental funcionem, os objetivos que aparecem no Art. 8, a saber, poderão se tornar realidade:
I – Realizar estudo sistemático sobre o bioma Caatinga no componente curricular de geografia;
II – Elaborar Projeto Institucional sobre Meio Ambiente, com foco na conservação e restauração do bioma Caatinga de acordo com a realidade da unidade escolar;
III – Promover palestras para pais e pessoas da comunidade escolar com foco na conservação e restauração do bioma Caatinga;
IV – Promover momentos para conhecer o bioma caatinga através de visitas, exibição de vídeos, documentários e partilha de vivências;
V – Produzir viveiro de mudas de plantas nativas (silvestres, frutíferas e medicinais) nas escolas municipais e estaduais no âmbito do município de Cícero Dantas;
VI – Os resultados dos estudos terão que ser culminados na Unidade Escolar em dia agendado (28 de abril), divulgados em redes sociais e enviados em amostragem para Secretaria Municipal de Educação, Cultura e Lazer que em momento posterior deverá enviar para o Executivo Municipal e Câmara de Vereadores.
Algumas considerações finais
A Lei 395 tem como pilares três nortes: conservação, restauração e uso sustentável de todos os elementos formadores do Bioma Caatinga.
O ponto mais importante dessa lei é que ela toma como aliada a institucionalização da educação ambiental para a transformação mental societária local. Para tanto, institui que a redes de Ensino Municipal e Estadual devem inserir a temática da Conservação e da Restauração do Bioma Caatinga na proposta curricular de ensino e aprendizagem.
A partir dessa legislação será obrigatório trabalhar os problemas que envolvem conservação da biodiversidade no componente curricular de Geografia logo na primeira unidade do ano letivo.
Como a lei é bastante recente, agora é preciso esperar e, principalmente, acompanhar e cobrar das autoridades e instituições no âmbito municipal a sua execução.
Por fim, é oportuno destacar que a Lei 395 tem um caráter educativo e isso é muito importante para a mudança cultural relacional em relação aos espaços naturais no município, mas a legislação precisa avançar no que se refere às punições para aqueles atores sociais e empresariais que interferirão, de agora em diante, de modo insustentável no Bioma Caatinga. Outro ponto muito importante é o fato de que o município precisa fornecer as condições para que a educação ambiental se dê de forma plena nas instituições escolares municipais e estaduais, pois, sem essas condições, a educação ambiental não será feita da forma eficiente e significativa como é necessário.
Referências
BLEWITT, J. Understanding sustainable development. London: Earthscan, 2008.
GAMA, Dráuzio Correia. JESUS, Janisson Batista de. ASPECTO GEOMORFOLÓGICO, HIDROCLIMÁTICO E AMBIENTAL DA MICRORREGIÃO DE RIBEIRA DO POMBAL, BAHIA, BRASIL. Geoambientes online. Revista eletrônica do curso de geografia – UFG-REJ. Graduação e pós-graduação em geografia. htpp://www.revistas.ufg.br/geoambiente 57 Jataí-GO | n 32 | Set-Dez/2018. Acesso em 17 de outubro de 2021.
UNITED NATIONS SECRETARY AND GENERAL’S HIGH LEVEL PANEL ON GLOBAL SUSTAINABILITY. Resilient People, Resilient Planet: a Future Worth Choosing. New York: United Nations, 2012.
WCED – World Commission on Environment and Development. Our Common Future. Oxford: Oxford University Press, 1987.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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