Colapso climático e ambiental: catastrofismo ou princípio da precaução?
Colapso climático e ambiental: catastrofismo ou princípio da precaução? artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Sem respeitar a capacidade de carga do Planeta, o equilíbrio climático e a biodiversidade nenhuma espécie conseguirá sobreviver em uma Terra cada vez mais inabitável
“O otimista é um pessimista mal informado”
Millôr Fernandes
Visões mais pessimistas ou mais otimistas fazem parte da história. Existem derrotas e vitórias que acontecem de maneira cíclica, sendo ora trágicas e ora épicas. Na mitologia grega, Cassandra representava a ideia pessimista e o lado da possibilidade de destruição, enquanto a Cornucópia representava a abundância e criação de riqueza.
A Revolução Industrial e Energética liberou as forças produtivas globais que ao mesmo tempo “ergueu e destruiu coisas belas”, como disse Caetano Veloso, na música Sampa. Para muitas pessoas o último relatório do IPCC (de 09/08/2021) tem um tom catastrofista, mas para outras o relatório tem o mérito de alertar e precaver.
Existe uma corrente de pensamento que busca destacar as conquistas e as coisas boas do progresso econômico e social e podem ser classificados como “tecnófilos cornucopianos”, pois acreditam que a ciência, a tecnologia, o mercado e a democracia vão construir um mundo de bem-estar para a maioria da humanidade.
Mas existe toda uma corrente que destaca o lado negativo do progresso, especialmente a degradação climática e ambiental, que ocorrem em função do aquecimento global e da perda de biodiversidade. Aqueles que consideram que a crise ecológica está se agravando são chamados de catastrofistas. Mas existe uma diferença entre ser simplesmente catastrofista e ser um estudioso que faz uma análise científica e advoga pelo princípio da precaução.
Por exemplo, o escritor e divulgador científico David Quammen publicou o livro “Spillover: Animal Infections and the Next Human Pandemic” (em tradução livre, Contágio: infecções animais e a próxima pandemia humana), em 2012, onde analisou a história do contato humano com os animais e seus vírus e de maneira presciente, previu uma pandemia altamente letal e de escala global (“The Next Big One”), algo semelhante à pandemia do novo coronavírus. Na época, a obra foi considerada catastrofista e a maioria dos governos não se preparou para o pior.
Mas Quammen diz que apenas ouviu os cientistas e descreveu os problemas que vinham se acumulando há tempos. Os negacionistas zombaram da possibilidade de uma pandemia, mas a covid-19 mostrou que a forma como a humanidade trata os animais é perigosa e o mundo todo está pagando um alto preço, não pelas previsões catastróficas, mas por ignorar fatos científicos básicos.
Da mesma forma que a emergência sanitária foi ignorada ou subestimada, o mundo caminha no rumo de uma emergência climática e ambiental que também está sendo negada ou tratada com a panaceia (cloroquina) da solução milagrosa da tecnologia. A geoengenharia promete sequestrar carbono e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) prometem uma relação mais amigável entre a produção econômica e a natureza, para evitar o aquecimento global e a 6ª extinção em massa das espécies. Porém, os dados mostram que o desenvolvimento econômico virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema (Martine e Alves, 2015).
A concentração de CO2 na atmosfera ficou abaixo de 280 partes por milhão (ppm) durante todo o Holoceno (últimos 12 mil anos). Mas após a grande arrancada do crescimento demoeconômico global propiciado pela Revolução Industrial e Energética – que iniciou a queima de combustíveis fósseis e o desmatamento das florestas em larga escala – a concentração de CO2 chegou a 300 ppm em 1920, atingiu 317 ppm em março de 1960 e pulou para 419 ppm em maio de 2021 e continua subindo, mesmo com as quarentenas provocadas pela covid-19.
As emissões globais de CO2 estavam em 2 bilhões de toneladas em 1900, passaram para 6 bilhões de toneladas em 1950, chegaram a 25 bilhões de toneladas no ano 2000 e atingiram 37 bilhões de toneladas em 2019. Em consequência do efeito estufa, as temperaturas do Planeta estão subindo e acelerando as mudanças climáticas e seus efeitos danosos sobre a vida na Terra.
A última década (2011-20) foi a mais quente do Antropoceno e nada indica que a humanidade consiga conter o aquecimento abaixo de 2º C, como previsto no Acordo de Paris e em tantas COPs que discutem a questão climática.
Como consequência do aquecimento global haverá degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares, o que vai elevar o nível dos mares e afetar a vida de mais de 2 bilhões de pessoas que vivem em regiões costeiras. Haverá acidificação das águas e dos solos reduzindo a vida marinha e dificultando a produção agrícola. Ondas de calor serão, cada vez, mais letais e milhões de pessoas (especialmente idosos) morrerão nas próximas décadas. O aumento da desertificação e uma crise na produção agrícola deve aumentar a insegurança alimentar no mundo e aumentar o número de pessoas passando fome ou subnutridas. Tempestades, furacões e ciclones vão ficar cada vez mais frequentes e com maior potencial de destruição.
No dia 09/07/2017, o jornalista David Wallace-Wells publicou uma matéria denominada “The Uninhabitable Earth”, na revista New York Magazine (NYMag), pintando um cenário apocalíptico para o Planeta – um Armagedon climático – caso as tendências atuais se mantenham. O texto começou com a intenção de assustar: “It is, I promise, worse than you think” (Prometo, é pior do que você pensa). Muitos críticos disseram que o artigo era catastrofista e não ajudava na luta contra o aquecimento global. Mas o artigo se tornou viral e foi comentado amplamente em diversos países e passou a ser o artigo mais lido da revista. Em 2019 foi publicado o livro “The Uninhabitable Earth: Life after Warming”, enquanto os indicadores climáticos mostram que o equilíbrio homeostático do Planeta está sendo alterado e Terra está ficando cada vez mais inóspita e inabitável (Alves, 2019).
Mas não será somente a humanidade que sofrerá com a crise climática e ambiental, mas principalmente as demais espécies vivas do Planeta. A perda de biodiversidade e a 6ª extinção em massa das espécies vai provocar não apenas uma tragédia ecológica, mas também deve reverberar sobre a civilização, pois a extinção dos polinizadores e a destruição das florestas vão acelerar o aquecimento global e agravar a crise alimentar.
Portanto, a emergência climática e ambiental deve provocar mais mortes e mais sofrimento do que a emergência sanitária da covid-19. Mas os negacionistas acusam os verdadeiros ambientalistas de catastrofistas e nada fazem para conter a catástrofe ambiental. Mas, indubitavelmente, é preciso saber ouvir os “catastrofistas” e colocar em prática o princípio da precaução e não ficar procrastinando as ações.
Como disse Greta Thunberg em atividade preparatória para a COP26: “Isso é tudo o que ouvimos por parte dos nossos líderes: palavras. Palavras que soam bem, mas que não provocaram ação alguma. Nossas esperanças e sonhos se afogam em suas palavras de promessas vazias. Não existe um planeta B, não existe um planeta blá-blá-blá, economia verde blá-blá-blá, neutralidade do carbono para 2050 blá-blá-blá”. Ela completou: “30 anos de blá-blá-blá dos líderes mundiais e sua traição com as gerações atuais e futuras“.
A humanidade precisa reconhecer os seus erros e parar de acreditar em notícias falsas (fake news). A Terra é esférica e finita, mas existem alguns negacionistas que dizem que a Terra é plana e outros que negam os limites do crescimento e agem como se a Terra fosse infinita. Como mostrou Vicki Robin (06/01/2021): “Nós estamos destruindo a vida no Planeta”. E sem respeitar a capacidade de carga do Planeta, o equilíbrio climático e a biodiversidade nenhuma espécie conseguirá sobreviver em uma Terra cada vez mais inabitável.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A dinâmica demográfica global em uma “Terra inabitável”, Revista Latinoamericana de Población, Vol. 14 Núm. 26, dezembro de 2019
https://revistarelap.org/index.php/relap/article/view/239
MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês)
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf
Vicki ROBIN. Mom, we crashed the planet. Resilience, 06/01/2021
https://www.resilience.org/stories/2021-01-06/mom-we-crashed-the-planet/
Série Taliba sobre Meio Ambiente, EP 02, Luiz Marques, José Eustáquio Alves e Cristina Serra, 31/10/2020
https://www.youtube.com/watch?v=QQHTDs2tBCQ&t=76s
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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