A contra transição e a lisura na política energética do Brasil
A contra transição e a lisura na política energética do Brasil, artigo de Heitor Scalambrini Costa
Enquanto o mundo propõe políticas no sentido da descarbonização de suas matrizes energéticas, o país insiste em incentivar o uso dos combustíveis fósseis
Transição é um termo cujo significado é mudança, alteração, modificação, substituição, transformação, troca. É isso que se espera diante da emergência climática que o Planeta está vivenciando, e que os estudos científicos têm mostrado. A crise é decorrente da ação humana, pois as fontes de energia utilizadas (petróleo, carvão mineral e gás natural) são responsáveis por 86% das emissões de gases de efeito estufa que provocam o aquecimento global, com profundas alterações no clima. Assim a mudança da matriz energética mundial é imperiosa para, ao menos, mitigar a crise climática.
Diante da necessidade e importância do tema foi realizado no Rio de Janeiro, em junho de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad). Conhecida como ECO 92 ou Rio 92, foi marcada pelo fortalecimento da atuação de representantes da sociedade civil, da efetiva participação das ONGs e de movimentos sociais no Fórum Global. Subscrita pelos 178 chefes de Estado presentes, foi aprovada a Convenção Quadro sobre as Mudanças Climáticas Globais. Desde então inúmeras tentativas e iniciativas têm ocorrido para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, principalmente o dióxido de carbono (CO2). Lamentavelmente pouco, ou nenhum sucesso foi obtido. Deste então, tem se verificado ano após ano, o crescimento da concentração de CO2 na atmosfera, com recordes da temperatura média do Planeta sendo batidos sucessivamente.
Outro evento que criou muita expectativa quanto a resultados concretos para a redução das emissões, tratado no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), foi o Acordo de Paris. Prestes a completar 6 anos, este evento gerou compromissos de vários países em reduzir as emissões de gases do efeito estufa, a fim de conter o aquecimento global,
Contrariando os compromissos assumidos e assinados em 2015, o governo federal retrocedeu nas políticas ambientais. Com relação a transição da matriz energética, o que se tem verificado, em particular na matriz elétrica, é uma contra transição que está em andamento a passos largos.
Enquanto o mundo propõe políticas no sentido da descarbonização de suas matrizes energéticas, o país insiste em incentivar o uso dos combustíveis fósseis em termelétricas (diesel, carvão mineral, óleo combustível, gás natural), na instalação de mega-hidrelétricas na região amazônica, e no uso de minérios radioativos nas usinas nucleoelétricas. Inclusive, no caso do uso da energia nuclear, reiteradas vezes reafirmado pelo ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Junior, como fonte de energia prioritária para o país.
A Europa e vários outros países abandonam a energia nuclear para produzir energia elétrica, chegando à conclusão que os riscos e custos superam os benefícios. A política energética brasileira prioriza tal fonte de energia, no mínimo polêmica.
Todavia, diante desta incompreensível teimosia, surgem perguntas que não querem calar. Por que esta insistência, visto que esta fonte de energia é rejeitada pela população brasileira, em seus diversos segmentos? Por que esta determinação de construir novas usinas foi tomada sem nenhuma transparência, discussão, sem motivos ou mesmo controversos, tecnicamente, socialmente e economicamente, que justificassem tal decisão?
Sem dúvida, as decisões sobre política energética, são tomadas sem transparência, sem democracia, por um grupo seleto, cujas decisões fogem completamente da razão, da racionalidade sócio-técnica-econômica, da ciência, e do interesse público. Assim, nos leva a pensar que existem outros interesses obscuros envolvidos no processo de tomada de decisão. Dando margem de comparação com o que está ocorrendo no Ministério da Saúde, com a presença de lobistas insanos, faturando em cima da intermediação na compra de vacinas, e outros medicamentos sem comprovação científica. Uma verdadeira quadrilha está sendo revelada pela CPI da Pandemia.
Por que então não pensar que ações semelhantes, nada republicanas também possam ocorrer no Ministério de Minas e Energia (MME)? No passado recente foram reveladas histórias de corrupção, superfaturamento, propinas, ação de lobistas, uso de informações privilegiadas, tráfico de influências, envolvendo autoridades da área de energia.
A presença de lobistas é descarada e conhecida no MME. Cujo ministério é usado como moeda de troca na politicagem nacional. Este fato não é de agora, deste governo. Mas, o que se verifica na atualidade são ações claramente identificadas com grupos lobistas atuantes pró gás natural, pró carvão mineral, pró usinas nucleares, pró petróleo. E que atuam também no Congresso nacional, junto as famosas bancadas temáticas de parlamentares. Além do poderoso grupo das concessionárias de energia elétrica que encontraram no Brasil um capitalismo sem risco, pois sempre ganham às custas do sacrificado povo brasileiro, com suas crescentes tarifas, exorbitantes e abusivas.
É intolerável, inaceitável que decisões que interfiram diretamente na vida da população continuem sendo tomadas à revelia, na calada da noite, nos gabinetes, ou mesmo em reuniões secretas, que quase sempre afetam negativamente as pessoas.
Não se pode aceitar que após as revelações do 6º relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), que para sua produção foram analisadas mais de 14 mil publicações científicas, o Brasil continue a menosprezar, não dar a mínima quanto a suas responsabilidades na emissão dos gases de efeito estufa. Afinal somos o 50 país no mundo que mais emite.
As últimas decisões do MME em apoiar e incentivar o uso do carvão mineral e do gás natural em termelétricas, e a construção de usinas nucleares no Nordeste, foi um acinte, um tapa na cara da cidadania, que insiste em dizer não a tais energéticos. Escolhas que trarão consequências dramáticas ao Rio São Francisco, as populações mais vulneráveis, em particular aos habitantes do semiárido com estiagens prolongadas afetando o abastecimento de água, e com ondas de calor e temperatura mais altas associadas ao tempo seco que afetarão a saúde das pessoas.
A transição da matriz energética de combustíveis fósseis para as fontes renováveis de energia é uma decisão política, de governos comprometidos com a paz mundial, a sobrevivência do Planeta, o bem-estar da população, enfim com a vida. Infelizmente estas não são as preocupações, e nem as prioridades do atual (des)governo eleito pelo voto popular.
A segurança energética pode ser alcançada com uma matriz diversificada e complementar, composta com fontes renováveis como a energia solar, energia eólica, a biomassa e a energia dos oceanos. Sem o nuclear.
Heitor Scalambrini Costa, Professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco
in EcoDebate, ISSN 2446-9394
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