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A filosofia e a literatura criando florestas de sabedoria

 

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A filosofia e a literatura criando florestas de sabedoria, artigo de Rosângela Trajano

Saudações, ó senhora Natureza! Tu que és beleza e mistério, sorriso aos nossos olhos, espanto ao nosso ente. Invocamos as ninfas, estas mulheres que embelezam os campos, para abraçar o homem moderno à sua sapiência

Saint-Exupéry passando por Natal se espantou diante de uma árvore de tamanho gigantesco: o baobá. Dizem que Saint-Exupéry se inspirou no nosso baobá para ilustrá-lo no seu livro: O Pequeno Príncipe. Mas o nosso baobá, não é mais nosso. É propriedade privada, e alguém tinha que comprar o baobá para que ele recebesse os cuidados de uma criança. Esse menino que apareceu no deserto querendo o desenho de um carneiro para salvar a sua rosa, sua única amiga em todo o Universo. Eis que alguns poucos homens, ainda, tomam a natureza como amiga. Bom seria que fôssemos todos príncipes e princesas como nos contos de fadas. 

Há crianças que brincam no meio da floresta, de tomar banho de rio, de contar as estrelas, de ver São Jorge na lua, de querer passar embaixo do arco-íris. Ah! Essa vida cheia de brincadeiras, de sorrisos, de comer as goiabas do vizinho e sujar a camisa com nódoa de caju. Assim são os homens, cheios de mimos, de espanto, de curiosidade. Homens que investigam a natureza à procura de respostas às suas indagações. Afinal, já perguntava Sócrates: “Quem sou eu?” Esta pergunta nos leva a indagar sobre o futuro da humanidade e quem seremos nós daqui a alguns anos com esse crescimento desenfreado.

Ah! As gaivotas azuis estão no pantanal seguras, eu vi, eu vi, eu vi ontem na televisão. E como fiquei feliz ao saber que uma pesquisadora olhou-as com os olhos de espanto e das mil encontradas, hoje temos quatro mil. As gaivotas azuis estão em extinção…que pena! que pena! a vida parece ter se tornado tão pequena.

Em contrapartida, estão matando as nossas baleias! Que fazermos agora? Dizem que a baleia orca é a baleia assassina, será mesma? Ou assassinos somos nós, sim, nós que invadimos os oceanos sem pedir permissão a natureza. Paz nos oceanos eu suplico! As baleias são mamíferos e têm direitos iguais aos homens. Salvem as baleias! Salvem as baleias! Que vêm de lugares distantes, que viajam mares adentro…que vêm de algum lugar muito longe neste mundo que ainda tem muita água…ainda…

De onde vêm as coisas? Foi esta pergunta que intrigou os nossos primeiros filósofos que buscaram respostas na natureza. Tales de Mileto disse que o princípio das coisas está na água, que a chuva dá esse movimento de criação das coisas. Como é bom tomar banho de chuva, se meter embaixo da biqueira e ficar lá deixando a água cair em cima da nossa cabeça, molhando o nosso corpo. Mas as biqueiras estão desaparecendo e com elas as brincadeiras. E a chuva? Poderá desaparecer, também?!

A água, este elemento primordial à vida do homem. Princípio de todas as coisas. Mas os rios choram lágrimas de tristeza, nas suas águas correntes. Gritam as ondas do mar, no seu movimento de levar e trazer os objetos que jogamos no chão. O mar, ainda, tem forças para expulsar do seu corpo aquilo que não lhe pertence. Mas os mangues não têm esta força. Nas suas mais diversas espécies de plantas ficam presos restos de lixo que jogamos no meio da rua, e acabam correndo para os rios. Como sustentar a teoria de Tales daqui a alguns anos? Poderá esta água poluída ser princípio das coisas? Para dar vida é preciso estar sadio. A saúde da água depende tão-somente da nossa consciência. Conscientizar o homem da importância da água é nosso objetivo. Que procurem outro lugar para a saída dos esgotos. Sim, nós queremos água limpa e pura. Do jeitinho que a natureza nos deu.

Andersen, o maior escritor infantil de contos de fadas, escreveu A Pequena Sereia. O conto faz um elogio à água, ao oceano. Vejamos nas suas palavras:

Ninguém pensa que lá embaixo só há um solo de areia branca. Lá crescem árvores e plantas, das mais esquisitas, de hastes e folhas tão flexíveis que ao menor movimento da água se movem como se tivessem vida.”

A Pequena Sereia é uma das diversas histórias que podemos contar às crianças, enfatizando a importância da água, a beleza do oceano, falando da vida que há lá embaixo, deixando-as soltar a imaginação com as sereias e outros bichos do mar. Devemos tomar este caminho para chamar atenção das crianças da importância que o meio ambiente tem para o homem. Se, de repente, o oceano começar a ficar cheio de lixo, com certeza desaparecerá a beleza do conto, e chegará um dia que não poderemos mais contá-lo, porque a realidade corromperá a imaginação.

Voltando ao conto de Andersen, quando uma das sereias sobe à terra ela se depara com uma cena linda aos seus olhos como podemos ver nas suas palavras:

Ficaram-lhe, porém, gravadas na memória, as belas florestas, as colinas verdes, e as lindas crianças que nadavam na água…”

Sim, são estas florestas e crianças que queremos conservar no amanhã. Nós somos responsáveis por isso. Podemos e devemos contribuir para a preservação do meio ambiente. Não adianta aulas de campo, filmes, fotos, se não as situarmos dentro do mundo imaginário que se liga à realidade. O imaginário de alguma forma está presente no pensamento da criança, e é através dele que conseguimos apresentar a realidade. Devemos abordar o imaginário, seja através da contação de histórias, do desenho, da escrita, da encenação. As histórias estão escritas, e têm vida eterna. Da mesma forma, temos os rios, as florestas, os animais, enfim uma natureza que é real e que faz parte do imaginário da criança. Fazer uma ponte entre esses dois mundos, com o objetivo de uma educação para o pensar é transmitir o “ar” da sabedoria ao vento que desalinha os cabelos desses meninos e meninas que correm, suam, sujam suas roupas e se metem mata adentro atrás de um coelho.

Imaginem, vocês, como poderemos contar a história de Chapeuzinho Vermelho se daqui a alguns anos não existirem mais florestas? A bondade e a perversidade podem ser exploradas nesta história, mas também podemos abordar o desmatamento, as queimadas. A floresta e as flores de Chapeuzinho Vermelho nos mostram a beleza e a magnitude da natureza para a escrita de uma história infantil. Se não desligarmos as serras elétricas e não quebrarmos os machados, estaremos fadados a dar um fim aos nossos próprios sonhos.

Pegue o desenho de uma criança e você sempre se deparará com o sol, a lua, as estrelas, uma árvore, uma flor, uma pedra, uma montanha, um homem, enfim…tudo é natureza. Mesmo aquelas crianças que moram em cidades grandes têm predisposição para colocar nos seus desenhos algum elemento da natureza. Mas se não abraçarmos esta causa, e colocá-la no colo dando-lhe mimos e carinhos criaremos nas nossas crianças mundos imaginários cheios de pedra, cimento, tijolo e ferro.

Anaximandro, outro filósofo da natureza, disse que o princípio das coisas está no apeíron (ilimitado). Este princípio nada mais é do que o movimento de separação e segregação dos corpos. Os corpos ao se separarem constituem novas vidas, o mesmo ocorre quando segregam. Mas para que este movimento continue é preciso o equilíbrio da natureza. Para Anaximandro a terra é um disco suspenso no ar. O ar se movimenta, a terra também. Desse movimento os corpos se separam, se encontram, segregam. Com a natureza em desequilíbrio esses corpos podem sofrer influências e perderem este princípio ilimitado.

O conto de fada Branca de Neve faz parte desse movimento. Branca de Neve chega à casa dos sete anões, e adormece. O tempo que ela leva dormindo, o mundo gira suspenso no ar. Os corpos se encontram, se extinguem, se separam. Coisas acontecem, como a bruxa preparando a maçã enfeitiçada para Cinderela adormecer e a produção do trabalho dos sete anões. A realização do feitiço pode criar novos corpos, novas vidas; o labor dos sete anões, também. Este é um conto aonde podemos usar esse movimento ilimitado do mundo. Mostrando às crianças que este movimento para está em harmonia é preciso que a natureza também esteja, ao contrário essas formas de vida começarão a desaparecer.

Em Branca de Neve pode ser trabalhado o passar do tempo e como as coisas ocorrem neste período. Este tempo que passa trás as estações do ano, os dias, as noites, o vento, e se este tempo não estiver em equilíbrio a natureza sentirá a terrível dor de uma pancada que pode provocar os desastres naturais, tais como: furacões, terremotos, relâmpagos e etc.

Outra história que pode abordar este princípio ilimitado é a de Dom Quixote de la Mancha, escrita por Miguel de Cervantes. Enquanto Dom Quixote vive no seu mundo de fantasia e pureza querendo combater a injustiça, a sua criada e sobrinha destroem seus livros e vão dando novas formas de vida às coisas. É o apeíron responsável por este movimento. Dom Quixote sai pelo mundo afora e se depara com diversos corpos da natureza: pedras, rios, vento, florestas. Nada para, tudo está em constante movimento.

A construção de grandes edifícios, a poluição do ar e dos rios, o desmatamento, as queimadas, podem influenciar no apeíron. E este movimento ilimitado poderá sofrer alterações. Precisamos conscientizar as crianças que este é o tempo de agir, que a natureza é ilimitada, que seu movimento é eterno, que enquanto brincamos o frio unido ao quente proporciona novas formas de vida.

Respiremos e deixemos o ar entrar no nosso corpo e bailar na melodia desta tarde colorida com o verde das nossas matas. Sim, eis o ar. Este elemento da natureza do qual Anaxímenes criou a sua teoria sobre a origem das coisas. Tudo provém do ar. Tudo se origina no ar. E agora? Como poderemos daqui a alguns anos termos vida na terra se estamos poluindo o nosso ar? E a proposição de Anaxímenes, como poderá se sustentar com toda esta ingratidão que temos oferecido à natureza? 

O conto de fadas A bela Adormecida pode nos mostrar que mesmo dormindo continuamos respirando. E esta respiração nos proporciona vida, do mesmo jeito que através do ar fazemos o fogo, as pedras se formam da transformação do ar. Quanto ao ar temos muitas histórias na nossa literatura infantil que podemos abordar: O Pequeno Polegar, o Gato de Botas e Cinderela. É só mostrarmos às crianças que todos eles precisam do ar para viver, que os demais elementos da natureza existentes na história provém do ar.

Uma aula de química pode se tornar belíssima com esta proposição de Anaxímenes. Como também uma aula de geografia, história, língua portuguesa. Sim, língua portuguesa! Não se espantem! A língua portuguesa pode ensinar às crianças a criarem textos, a buscarem nos dicionários o significado de palavras que se relacionam com o ar. Só para uma ilustração seguem as palavras: cosmologia, rarefeito, condensação e etc. Escrever uma redação falando da importância do ar à natureza, do desmatamento, das queimadas, da poluição dos rios. A geografia pode explicar como ocorre o movimento do vento, qual a importância do ar para a formação das rochas e pedras.

A filosofia especula, ela cria a teoria, e coloca nas mãos das outras ciências o direito de explicar as suas suposições. O filósofo não é o dono da certeza, porque nem sabemos se a certeza existe. Há sempre dúvida em tudo. E tudo é investigado, tudo se desassossega no pensamento do filósofo, porque ele é um oceano com barcos naufragados cheios de tesouros valiosos como assim também são as crianças. Tesouros que podemos chamá-los de: porquês. Nós queremos criar florestas de sabedoria. É preciso plantar. Plantemos sabedoria…a terra é boa, as sementes estão prontas, o imaginário infantil precisa ser plantado quando ainda tem curiosidade, quando ainda nenhum adulto encheu o baú do pensar da criança de conhecimentos. É preciso permitir que a criança descubra as coisas por si mesma, nós somos apenas mestres e o papel do mestre é ensinar o caminho e não seguir com a criança.

Do mesmo jeito que o ar pode ser explorado pelas demais disciplinas a água, e o fogo, também. Na cidade de Éfeso, perto da colônia jônica pertencente à Grécia, nasceu um filósofo chamado Heráclito. Para Heráclito tudo provém do fogo. O elemento que dá origem às coisas provém do fogo. E aqui imaginamos ficar sentados à beira-mar, meia-noite, diante de uma fogueira. As cinzas e a fumaça dando origem a novas formas de vida, nem damos conta disso.

Dos contos de fadas mais interessantes para se abordar sobre o fogo nada mais interessante do que o conto do Soldadinho de Chumbo, de Andersen. No final do conto, ele prova a teoria de Heráclito quando nos diz:

O soldadinho derreteu, transformou-se numa bolinha de chumbo, e quando, no dia seguinte, a criada tirou as cinzas, viu que a bolinha tinha a forma de um coraçãozinho de chumbo. Da bailarina só restava a lantejoula queimada, preta como carvão.”

Do mesmo jeito que o Soldadinho de Chumbo se transformou numa bolinha de chumbo, as coisas podem se transformar em outras, dando novas formas de vida à natureza.

Um dos maiores filósofos, Platão, nos presenteou o mito da caverna no seu livro A República, onde nos apresenta os elementos da natureza: fogo, ar, sol e água. Claro que a água e o ar estão invisíveis na escrita do mito, mas com certeza existiam, pois se havia vida naquela caverna, e se como nos diz Platão moravam homens acorrentados imaginemos que de alguma forma eles precisavam respirar e beber água para viver. Lá fora, os dois últimos elementos: o fogo e o sol. Mas é o sol, o grande responsável pela sabedoria do homem. Só aquele que enxerga o sol na sua excelência pode se tornar um sábio. O sol que na nossa região Nordeste, é tão apreciado pelas crianças e pelos adultos. Pois, que tomemos o sol como o mestre dos mestres e apresentemos as nossas dúvidas no caminhar dos dias, pois ao anoitecer a lua que recebe luz do sol pode nos auxiliar na compreensão do que antes era incompreensível. Já dizia o filósofo Kant: “As crianças devem ser abertas e de olhar tão sereno como o sol.”

Os primeiros filósofos amavam e respeitavam a natureza. Alguns deles deixaram escritos belíssimos sobre a natureza. Eles não mexeram aqui e acolá, eles apenas investigaram e apreciaram tudo o que a natureza faz. O homem pode construir represas, prédios, fábricas, abrir estradas, mas não pode destruir a natureza para satisfazer seus desejos. Não pensem que ela não fala. Fala, sim. Ela não tem um dono, todos somos donos da natureza. A natureza tem uma alma pura, mas que se amedronta diante do olhar do homem, e reage como o tigre em ameaça. Não duvidemos da bravura da natureza. Duvidemos da sua ação. Vocês estão convidados a plantar, plantar sementes de sabedoria nos canteiros das grandes avenidas e das praças públicas com grades de ferro.

Para nossas últimas palavras deixamos cócegas no pensamento de vocês, e que possam sair daqui com a consciência de que somos capazes de parar esta história que estão construindo da natureza. A história da natureza foi escrita pelo bem-supremo, não há que se construir outra, muito menos modificá-la. Ao homem foi dada a razão, que esta razão seja utilizada em prol da preservação do meio ambiente.

* Rosângela Trajano é professora, ativista ambiental, escritora e poeta.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394

 

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