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Covid-19 e a intencionalidade do governo federal na pandemia

 

Covid-19 e a intencionalidade do governo federal na pandemia

A sistematização de dados revela o empenho e a eficiência em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível

Por Elaine Tavares, no Correio da Cidadania

Foi divulgado o estudo referente ao projeto de pesquisa “Mapeamento e análise das normas jurídicas de resposta à Covid-19 no Brasil”, realizado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Organização Não Governamental Conectas Direitos Humanos e apresentado ao Senado Federal.

O trabalho, com 200 páginas, coletou as normas federais e estaduais relativas à Covid-19 e avaliou o seu impacto sobre os direitos humanos no Brasil. O documento é composto de duas partes principais: o relatório, que apresenta a metodologia e a síntese dos resultados do estudo; e a linha do tempo, que apresenta a sistematização dos dados coletados. Sua proposta é verificar se está em curso no Brasil uma estratégia de disseminação da Covid-19, promovida de forma sistemática em âmbito federal.

Toda a pesquisa está amparada em documentos, com dados de caráter público, realizada por equipe interdisciplinar com competências nas áreas de Saúde Pública, Direito, Ciência Política e Epidemiologia, tendo como fontes normas federais, jurisprudência, discursos oficiais, manifestações públicas de autoridades federais e busca em plataformas digitais.

O período do estudo vai de 03/02/20 a 28/05/21, e se amparou em informações que demonstram a presença de intencionalidade nas ações e nas omissões do governo federal.

O relatório identifica três tipos de evidências:

• atos normativos adotados na esfera da União, incluindo vetos presidenciais;

• atos de governo, que compreendem ações de obstrução de medidas de contenção da doença adotadas por governos estaduais e municipais, omissões relativas à gestão da pandemia no âmbito federal, e outros elementos que permitam compreender e contextualizar atos e omissões governamentais;

• propaganda contra a saúde pública, aqui definida como o discurso político que mobiliza argumentos econômicos, ideológicos e morais, além de notícias falsas e informações técnicas sem comprovação científica, com o propósito de desacreditar as autoridades sanitárias, enfraquecer a adesão popular a recomendações de saúde baseadas em evidências científicas, e promover o ativismo político contra as medidas de saúde pública necessárias para conter o avanço da Covid-19.

Com base nisso o estudo comprova a hipótese da existência de estratégia intencional de disseminação da doença, por meio dos seguintes atos e omissões:

– Defesa da tese da imunidade de rebanho (ou coletiva) por contágio (ou transmissão) como forma de resposta à Covid-19, disseminando a crença de que a “imunidade natural” decorrente da infecção pelo vírus protegeria os indivíduos e levaria ao controle da pandemia, além de estimativas infundadas do número de óbitos e da data de término da pandemia;

– Incitação constante à exposição da população ao vírus e ao descumprimento de medidas sanitárias preventivas, baseada na negação da gravidade da doença, na apologia à coragem e na suposta existência de um “tratamento precoce” para a Covid-19, convertido em política pública;

– Banalização das mortes e das sequelas causadas pela doença, omitindo-se em relação à proteção de familiares de vítimas e de sobreviventes, propalando a ideia de que faleceriam apenas pessoas idosas ou com comorbidades, ou pessoas que não tivessem acesso ao “tratamento precoce”;

– Obstrução sistemática às medidas de contenção promovidas por governadores e prefeitos, justificada pela suposta oposição entre a proteção da saúde e a proteção da economia, que inclui a difusão da ideia de que medidas quarentenárias causam mais danos do que o vírus, e que elas é que causariam a fome e o desemprego, e não a pandemia;

– Foco em medidas de assistência e abstenção de medidas de prevenção da doença, amiúde adotando medidas apenas quando provocadas por outras instituições, em especial o Congresso Nacional e o Poder Judiciário;

– Ataques a críticos da resposta federal, à imprensa e ao jornalismo profissional, questionando, sobretudo a dimensão da doença no país;

– Consciência da irregularidade de determinadas condutas.

O trabalho conclui que, embora não exaustiva, a linha do tempo apresentada é suficiente para oferecer uma visão de conjunto do processo.

Diz o sumário: “Os resultados afastam a persistente interpretação de que haveria incompetência e negligência da parte do governo federal na gestão da pandemia. Ao contrário, a sistematização de dados revela o empenho e a eficiência em prol da ampla disseminação do vírus no território nacional, declaradamente com o objetivo de retomar a atividade econômica o mais rápido possível, o que segundo o Tribunal de Contas da União, configura a ‘opção política do Centro de Governo de priorizar a proteção econômica’.

Finalmente, chama a atenção a persistência do comportamento de autoridades federais brasileiras diante da vasta disseminação da doença no território nacional e do aumento vertiginoso do número de óbitos, embora instituições como o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público Federal tenham apontado, inúmeras vezes, a inconformidade à ordem jurídica brasileira de condutas e de omissões conscientes e voluntárias de gestores federais, assim como o fizeram, incansavelmente, entidades científicas e do setor da saúde”.

Veja aqui o relatório completo: https://cepedisa.org.br

Elaine Tavares é jornalista e colaboradora do Instituto de Estudos Latino-Americanos da UFSC

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/06/2021

 

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