Lei de Segurança Nacional como estratégia de intimidação judicial
Lei de Segurança Nacional como estratégia de intimidação judicial
Relatório sobre uso da LSN aponta para estratégia de intimidação judicial pelo governo federal
Diagnóstico do LAUT mostra que, além de a LSN ser usada contra inimigos de Bolsonaro, foi mobilizada pela oposição contra autoridades do próprio governo
O Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT) construiu um diagnóstico sistemático sobre as situações em que a Lei de Segurança Nacional (LSN) tem sido invocada. O documento oferece subsídio para um parecer de amicus curiae da Comissão Arns em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), a ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF), questionando a constitucionalidade da Lei de Segurança Nacional (LSN).
O Diagnóstico da Aplicação Atual da Lei de Segurança Nacional reúne eventos recentes em que a LSN foi usada como base jurídica para investigações criminais, além de um panorama internacional de uso da legislação e também exemplos de jurisprudência do STF envolvendo sua aplicação.
Uso recente da LSN
Em sua primeira parte, o relatório chama a atenção para o número de inquéritos policiais abertos com base na LSN, a partir de levantamento do jornal O Estado de São Paulo: houve um aumento de cerca de 285% entre 2019 e 2020, dois primeiros anos da presidência de Jair Bolsonaro, em relação aos primeiros anos de mandato de seus predecessores, Dilma Rousseff e Michel Temer.
A análise do conteúdo de alguns desses casos evidencia o uso de inquéritos instaurados para investigar situações que envolvem críticas públicas dirigidas ao Presidente ou ao Governo Federal. Esses inquéritos são, muitas vezes, arquivados, mas sua instauração – que envolve, na maior parte dos casos, intimações pessoais para depor perante a Polícia Federal – por si só, mostra-se uma evidente técnica intimidatória do poder público, que não afeta a liberdade crítica de quem é investigado, mas tem efeito multiplicador no silenciamento da crítica em geral.
‘Pode-se dizer que a abertura de tais inquéritos se insere em uma estratégia de intimidação judicial promovida pelo Governo Federal com o objetivo de amedrontar e calar qualquer tipo de oposição’, escreveram as(os) pesquisadoras(es) responsáveis: Anna Carolina Venturini (coord.), Conrado Hubner Mendes (coord.), Adriane Sanctis, Danyelle Reis Carvalho, Luisa Mozetic Plastino, Mariana Celano De Souza Amaral, Marina Slhessarenko Barreto, Pedro Ansel.
Ao mesmo tempo, a radiografia produzida pelo centro de pesquisa indica que a LSN tem sido utilizada em iniciativas que buscam frear arroubos autoritários de integrantes de Poderes da República. É o que se vê, por exemplo, em algumas das investigações abertas pelo Ministério Público Federal, no enquadramento da conduta reprovável do Deputado Daniel Silveira pelo STF e nas diversas representações criminais narrando condutas problemáticas de autoridades públicas do alto escalão do governo.
Panorama comparado
Na segunda seção, o relatório explicita quais os bens jurídicos que uma legislação de proteção à segurança nacional deve proteger – e auxilia a compreender as diferentes formas com que outros países lidaram com essa disputa.
De um lado, temos países como a Argentina, que conta com um passado duramente autoritário e promoveu um esforço de desconstrução institucional de tal entulho, o que desembocou na revogação da Lei de Segurança Nacional baseada na doutrina do inimigo interno e na promulgação de uma nova legislação, mais afinada com os princípios do Estado Democrático de Direito.
De outro lado, há a experiência da Hungria, que tem passado pelo processo reverso de desidratação das instituições democráticas e tem promulgado novas leis que tipificam como crime qualquer tipo de crítica direcionado ao Governo, prática que se assemelha ao uso da LSN feito aqui pelo Governo Federal.
LSN no STF
A disputa pela interpretação da Lei também alcança o STF, cada vez mais instigado a julgar situações que podem ou não se enquadrar nos dispositivos previstos pela LSN.
Quase metade (48%) das decisões monocráticas julgadas pela Corte desde a promulgação da Constituição são do ano de 2020. Apesar de a jurisprudência exigir que haja uma evidente motivação política para justificar a aplicação da LSN nas ações narradas, essa formulação pode abranger diferentes situações e pode ser mobilizada pelos requerentes não como forma de proteção do Estado de Direito, mas como maneira de perseguir pessoas que critiquem as ações de integrantes de um dos Poderes da República.
O diagnóstico mostra, ainda, que, além de a LSN ser usada contra inimigos do governo, foi mobilizada pela oposição contra autoridades do próprio governo Bolsonaro, especialmente contra o ministro da Defesa, o general Heleno. Foram identificadas três decisões monocráticas contra ‘inimigos’ de Bolsonaro (duas contra Rodrigo Maia e uma contra Alexandre Frota) e seis decisões monocráticas contra autoridades do governo (cinco contra Heleno e 1 contra Weintraub).
Mas qual é o bem jurídico que a LSN pretende proteger: o Estado Democrático de Direito ou a honra das autoridades públicas face aos supostos inimigos internos? Para as(os) pesquisadoras(es)do LAUT, é neste ponto de inflexão que as instituições democráticas se encontram atualmente.
Assim, o relatório conclui que é necessário trabalhar para que os problemas identificados neste diagnóstico sejam superados através de uma legislação afinada com a Constituição Federal de 1988, que dê conta de proteger a democracia brasileira, e não permita distorções interpretativas que legitimem a forma de intimidação judicial posta em prática pelo Governo Federal.
Leia Diagnóstico da Aplicação Atual da Lei de Segurança Nacional aqui
Fonte: Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo (LAUT)
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/05/2021
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