Covid-19 e a Transição do Mercado do Agronegócios para Sistemas Alimentares Sustentáveis
Covid-19 e a Transição do Mercado do Agronegócios para Sistemas Alimentares Sustentáveis, artigo de José Rodrigues Filho
Nesta Pandemia devastadora, o governo brasileiro e a elite empresarial levaram nosso povo a tamanha crueldade desumana, diferentemente de outros países, priorizando a economia em detrimento da saúde e proteção da vida.
Muitos países adotaram medidas de lockdown, isolando pessoas com o vírus e seus contatos, distanciamento social, trabalho em casa, dando um sinal claro de que a saúde das pessoas deve ser mais importante do que a economia, mesmo sabendo que tais experimentos são novos no mundo e não são ainda propriamente compreendidos.
Apesar das orientações da comunidade científica, de profissionais de saúde e da própria Organização de Saúde (OMS), o governo brasileiro menosprezou tais medidas, num sinal claro de que o mais importante é a economia e não a saúde.
No caso da União Europeia, o surto da COVID-19 encorajou seus Estados Membros a revisarem princípios de intervenção, prioridade das políticas e regras de governança, gerando um amplo debate da relação entre ciência, política e sociedade. Neste sentido, a COVID-19 surge num momento em que visões estratégicas eram lançadas pela Comissão Europeia e o Comitê Europeu Permanente sobre Pesquisa em Agricultura (SCAR1) para se fazer uso do conhecimento, informação e pesquisa, visando a transição para uma economia verde e digital.
Assim sendo, os Estados Membros da Comunidade Europeia estão sendo orientados sobre transições dos sistemas alimentares e sua governança, em busca de espaço operacional justo e seguro, conforme suas publicações dos últimos dias. O mesmo acontece nos Estados Unidos, onde tem havido discussões sobre as possíveis transições de seus sistemas alimentares.
Um dos pontos enfatizados nesta transição trata de dietas saudáveis e sustentáveis para todos, assegurando disponibilidade, acessibilidade e custo reduzido, de modo que a produção, processamento, distribuição e uso não tenham impacto negativo no meio ambiente, contribuindo para melhorar a entrega dos serviços do ecossistema. Um outro item discutido nesta transição é a ênfase na diversidade como componente chave de sistemas estáveis.
Isto significa reverter a atual tendência da progressiva perda de biodiversidade, introduzindo diversidade no campo da agricultura, cadeias de suprimentos regionais, além dos sistemas sociais e econômicos como fatores de robustez e resiliência nas relações sociais e econômicas. Ações desta natureza no Brasil vão eliminar a destruição ambiental e priorizar os produtores rurais locais submetidos aos interesses das grandes corporações.
Pelo que se observa o nosso modelo de mercado do agronegócio está na contramão de se criar sistemas alimentares sustentáveis e a COVID-19 deixou isto muito claro. É lamentável que governos anteriores tenham investido tanto do dinheiro público em cadeias de suprimentos internacionais e em modelos de negócios que visavam a acumulação de capital e não o fortalecimento de nossos sistemas alimentares. A criação de uma das maiores indústrias de carnes do mundo e a concentração de frigoríficos no Brasil fortaleceram no país o poder de megacorporações, lobbies e grupos de pressão no governo, com práticas tecnológicas e gerenciais na venda de insumos químicos (pesticidas e fertilizantes), máquinas e equipamentos, controlando a compra e distribuição de mercadorias e arruinando os produtores rurais.
Uma das perversidades destas corporações é padronizar e afetar as dietas tanto dos mais jovens como das gerações mais idosas, além do poder de decidir o que deve ser produzido. Enquanto as agroindústrias buscam alta produtividade e os supermercados operam extensivas redes de entregas, a maioria da população é dependente de um pequeno número de cadeias de suprimentos, com um limitado menu de refeições rápidas (fast-food) oferecidas nos restaurantes.
A venda maciça de opções prontas e convenientes é alcançada às custas dos valores nutricionais dos alimentos, sem contribuição para a economia local. Assim sendo, a influência de interesses corporativos é significante entre as populações urbanas e nas periferias das grandes cidades, onde existe uma tendência de se comprar alimentos açucarados ou consumir refeições fritadas em micro-ondas.
Pesquisas recentes da Comissão Europeia estão mostrando as respostas das cidades e governos locais às emergências da COVID-19, as quais refletem até certo ponto o nível organizacional dos serviços sociais e das redes comerciais. Enquanto muitas cidades da Europa foram relativamente eficientes na provisão e oferta de alimentos, com apoio reconhecido de organizações voluntárias da sociedade civil, em apoiar os mais pobres, a situação é mais do que preocupante em países como o Brasil, onde o planejamento e organização na provisão de alimentos tem sido delegada as forças do mercado.
Assim sendo, a experiência da Pandemia mostrou o quanto as redes de apoio local, as intervenções públicas e organizações voluntárias foram eficientes, ao contrário da organização “just in time” dos supermercados, quando dependentes das cadeias de suprimentos de longa distância. Numa sociedade “Justa” o acesso aos alimentos saudáveis deve ser tratado como um direito humano universal e não como algo que depende do poder de compra.
Por fim, a emergência da COVID-19 na Europa está mostrando que a atenção à qualidade dos alimentos (segurança e propriedades nutricionais) aumentou durante o lockdown e que os produtores locais aumentaram suas vendas para os usuários finais. Estes modelos de negócios devem ser encorajados através de medidas políticas apropriadas, a fim de alcançarem status dominante. Isto representa uma possível reconfiguração dos sistemas alimentares e uma governança que evita replicar modelos do passado.
Espera-se que haja uma reflexão sobre nosso insustentável modelo de agronegócios, diante da exaustão do agro-liberalismo brasileiro, apesar de sua hegemonia.
Um sistema alimentar mais regional deve ser priorizado e integrado no planejamento local das relações cidades-rural, priorizando os produtores rurais e assegurando valores agregados nas cadeias de produção, além de inspirar confiança aos consumidores.
* Jose Rodrigues Filho é professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Johns Hopkins e Harvard. Recentemente foi professor visitante na McMaster University, Canadá.
https://jrodriguesfilho.blogspot.com/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 13/05/2021
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