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Dia da Terra: regeneração ecológica ou extinção

 

Dia da Terra: regeneração ecológica ou extinção, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

É necessário promover uma regeneração ecológica para evitar a 6ª extinção em massa das espécies, pois o aquecimento global e a perda de biodiversidade podem levar à extinção civilizacional, posto que o ecocídio é também um suicídio.

“Os humanos devem perceber que são ‘intrusos’ e devem se comportar
de forma a não perturbar o meio ambiente”
David Attenborough

[EcoDebate] A Cúpula do Clima organizada no Dia da Terra, em 22 de abril de 2021, pelo presidente Joe Biden, contou com 40 líderes políticos das nações mais poluidoras do Planeta e foi muito importante, pois marcou não somente o retorno dos Estados Unidos ao Acordo de Paris, mas indicou também a disposição política de colocar a questão climática no centro das preocupações nacionais e internacionais da nova administração americana. Na abertura da Cúpula virtual o presidente Biden prometeu reduzir em 50% as emissões de carbono dos Estados Unidos (em relação a 2005) até o final desta década. É quase o dobro do que Barack Obama havia prometido quando assinou os Acordos de Paris em 2015.

A presença de líderes importantes como Xi Jinping da China, Vladimir Putin da Rússia e Narendra Modi da Índia mostra que a nova orientação da Casa Branca deixou para trás o isolacionismo e o negacionismo e está buscando acordos multilaterais para enfrentar a gravidade da crise climática. Só a efetiva união dos principais países poluidores pode trazer alguma esperança de redução das emissões de gases de efeito estufa.

Segundo o comunicado da Casa Branca, um dos principais objetivos da Cúpula do Dia da Terra é articular os esforços para limitar o aquecimento global a 1,5º Celsius e facilitar os acordos para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021, a COP-26, que está programada para ser realizada na cidade de Glasgow, de 1 a 12 de novembro de 2021, sob a presidência do Reino Unido. Como mostra o gráfico abaixo, o ritmo de redução das emissões é desafiador.

alternativas de redução das emissões de co2

Evidentemente, o mundo não está na rota do controle do aquecimento global. O discurso do presidente Jair Bolsonaro foi do tipo “para inglês ver” e mesmo não sendo formalmente totalmente ruim, contrariou posicionamentos anteriores do governo e, diplomaticamente, teve boa receptividade entre os organizadores da Cúpula. Mas o Brasil que tem a sexta maior população do mundo só teve a palavra no final do grupo do G-20. Além do mais o presidente Joe Biden teve que sair do encontro rapidamente e não viu o discurso do presidente brasileiro. Não se sabe se o motivo desta saída foi proposital. Mas a liderança internacional questionou até que ponto o discurso do presidente brasileiro refletia a realidade que está acontecendo no Brasil. Houve uma reação tipo São Tomé: “ver os resultados para crer”.

O presidente Bolsonaro insistiu em dizer que o Brasil emite “apenas” 3% das emissões globais, com se isto fosse uma grande vantagem. Acontece que o Brasil tem 2,7% da população mundial e um PIB que representa 2,4% do PIB mundial (em termos de paridade de compra – ppp) e de 1,7% em termos de dólares correntes. Portanto, o Brasil emite mais do que proporcionalmente ao tamanho da população ou da economia. E o governo ainda cortou verbas para fiscalização do desmatamento e contenção das queimadas.

O presidente brasileiro prometeu: 1) Zerar o desmatamento ilegal até 2030; 2) Reduzir as emissões de gases de efeito estufa; 3) buscar a neutralidade de emissões de carbono até 2050; 4) Fortalecer os órgãos ambientais. Todas as promessas são para o futuro e na prática o governo tem enfraquecido os órgãos de defesa do meio ambiente, cancelou a realização do censo demográfico, defendeu o direito ao desenvolvimento e não disse nada sobre a recuperação das áreas degradadas.

Acontece que o chamado “desenvolvimento sustentável” virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade virou um trilema. A humanidade já ultrapassou a capacidade de carga do Planeta e, a cada ano, o dia da sobrecarga chega mais cedo. Isto significa que o contínuo crescimento da produção de bens e serviços acontece em detrimento da saúde dos ecossistemas e às custas da perda da biodiversidade. Enquanto a humanidade progride, o meio ambiente regride. Mais desenvolvimento implica menos natureza.

Portanto, o desenvolvimento – que significa o contínuo processo de acumulação de riqueza por parte dos seres humanos – não é um processo ambientalmente sustentável. Pretender enriquecer a humanidade mediante o empobrecimento da natureza é como cortar o galho de uma árvore sentado na ponta. Para haver sustentabilidade é preciso um pensamento ecológico holístico. Ou seja, é necessário reconhecer que o ser humano é apenas uma parte da comunidade biótica e que o egoísmo do homo economicus é incompatível com o requisito básico de uma relação altruísta e pacífica entre todos os seres vivos da Terra. Ao invés de transformar toda a riqueza do meio ambiente em “valor de troca”, o certo seria reconhecer que a natureza tem valores intrínsecos e princípios que são inegociáveis, como nos ensina a Ecologia Profunda.

Artigo de Daniel Christian Wahl (Beyond Sustainability — We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018) mostra que é preciso valorizar o ecossistema e promover uma mudança de paradigma, deixando para trás as atitudes ignorantes e egoístas de destruição do próprio habitat para garantir que os sistemas naturais da Terra possam alcançar sua capacidade ideal de sustentar a vida. Ao invés de desenvolvimento sustentável é preciso avançar no desenvolvimento regenerativo.

Para o autor, o termo sustentável foi cooptado e algumas pessoas consideram sua empresa sustentável porque manteve o crescimento e os lucros por vários anos seguidos. O termo sustentabilidade nos pede para explicar o que estamos tentando sustentar. O termo desenvolvimento regenerativo, por outro lado, traz consigo um objetivo claro de regenerar a saúde e a vitalidade dos ecossistemas. Em um nível básico, a regeneração significa não usar recursos que não podem ser regenerados. Nem usar os recursos mais rapidamente do que eles podem ser regenerados. Desenvolvimento neste contexto é “co-evolução da mutualidade”. A segunda razão é que é preciso ir além de ser apenas sustentável para realmente regenerar o dano que a humanidade provocou no planeta desde o alvorecer da agricultura, das cidades, dos Estados e dos Impérios.

O diagrama abaixo mostra a passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo. A escrita verde e vermelha acima e abaixo do eixo x se refere ao impacto positivo (verde) e impacto negativo (vermelho). No modelo em que tudo continua na mesma (“business as usual”) o primeiro avanço ocorre quando as práticas se movem para o estágio “Green” (economia verde), que significa fazer um pouco mais do que o usual, ou seja, poluir um pouco menos, usando menos energia de fontes não renováveis, etc. Este é um passo frequentemente denominado “maquiagem verde” (“greenwashing”), mesmo que seja uma necessidade nos diversos passos na jornada para ir além da sustentabilidade.

passagem de um sistema degenerativo para um sistema regenerativo

Na passagem do verde (“Green”) para o sustentável (“sustainable”) se chega ao ponto do impacto neutro, em que as atividades sustentáveis não causam danos adicionais. No entanto, com os enormes prejuízos ambientais causados desde o início da revolução industrial é preciso fazer mais do que simplesmente sustentar uma população humana de mais de 7 bilhões de pessoas e que pode chegar a 11 bilhões até 2100, com um crescimento econômico ainda maior.

Na passagem do estágio sustentável para o restaurativo (“restorative”) ainda é possível utilizar a mentalidade antropocêntrica instrumental que vê o ser humano como a medida de todas as coisas. Essa mentalidade de engenharia para a restauração pode criar projetos que restaurem florestas ou ecossistemas, mas de maneira não sistêmicas e integrativas e, portanto, esses esforços e seus efeitos podem ter vida curta ou resultar em efeitos colaterais inesperados e negativos.

Na passagem do estágio restaurativo (“restorative”) para o reconciliatório (“reconciliatory”) se busca projetos de restauração em grande escala para a adaptação cuidadosa à singularidade biocultural do lugar, podendo gerar sucessos de curto prazo, mas falhar em criar significado suficiente para motivar a transformação de longo prazo.

Na passagem do penúltimo estágio, o reconciliatório (“reconciliatory”), para o último o regenerativo (“regenerative”) o desenvolvimento revela o total potencial ecocêntrico. A reconciliação entre natureza e cultura permitiria reconciliar a jornada evolutiva da vida e iniciando uma nova trilha de atuação de forma regenerativa. Regeneração de ecossistemas em grande escala para reverter o aquecimento global, estabilizar o clima, recuperar a biodiversidade e permitir a transição para uma economia baseada em biomateriais de padrões ecológicos de produção e consumo descentralizados biorregionalmente e orientados para a regeneração social e econômica, a resiliência e a colaboração global na aprendizagem de como viver bem e conjuntamente na mesma nave viva que é a Terra (WAHL, 18/04/2018)

A Terra deveria ter o potencial de alcançar um “Equilíbrio Evolucionário”, significando que os solos, os oceanos, as plantas, os animais, a atmosfera, o ciclo da água e o clima da Terra possam interagir de uma forma natural, sem interferência humana. Se estivermos conscientes disso e não interferirmos no Sistema Terrestre os interesses da humanidade podem coincidir com os interesses de todos os seres vivos da Terra. A civilização precisa ser compatível com a reselvagerização do mundo.

Existe a necessidade de fazer a transição da economia fóssil para a “bioeconomia”, que é uma economia centrada no uso de recursos biológicos renováveis em vez de fontes baseadas em fósseis para produção industrial e de energia sustentável. Abrange várias atividades econômicas desde a agricultura até o setor químico e farmacêutico. Ou seja, é uma economia com base nos recursos renováveis, conhecimento biológico e processos biotecnológicos para estabelecer uma economia de base biológica e, acima de tudo, ecologicamente sustentável, focada na renovabilidade e na neutralidade do carbono.

Portanto, mesmo sendo fundamental cortar as emissões de carbono é preciso ir além.

É necessário promover uma regeneração ecológica para evitar a 6ª extinção em massa das espécies, pois o aquecimento global e a perda de biodiversidade podem levar à extinção civilizacional, posto que o ecocídio é também um suicídio.

Por conseguinte, a humanidade tem que escolher entre a regeneração ecológica ou a extinção.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

 

Referências:

MARTINE, G. ALVES, JED. Economia, sociedade e meio ambiente no século 21: tripé ou trilema da sustentabilidade? R. bras. Est. Pop. Rebep, n. 32, v. 3, Rio de Janeiro, 2015 (em português e em inglês)
http://www.scielo.br/pdf/rbepop/2015nahead/0102-3098-rbepop-S0102-3098201500000027P.pdf

ALVES, JED. Sustentabilidade, Aquecimento Global e o Decrescimento Demoeconômico, Revista espinhaço, 2014, 3 (1): 4-16.
http://www.revistaespinhaco.com/index.php/journal/article/view/44/240

ALVES, JED. Re-ge(ne)ração: a geração azul, Ecodebate, 13/08/2010
http://www.ecodebate.com.br/2010/08/13/re-generacao-a-geracao-azul-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Para além da sustentabilidade: decrescimento demoeconômico com regeneração ecológica, Ecodebate, 06/06/2018
https://www.ecodebate.com.br/2018/06/06/para-alem-da-sustentabilidade-decrescimento-demoeconomico-com-regeneracao-ecologica-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

Daniel Christian Wahl. Beyond Sustainability??—?We are Living in the Century of Regeneration, Resilience, 18/04/2018
http://www.resilience.org/stories/2018-04-18/beyond-sustainability%E2%80%8A-%E2%80%8Awe-are-living-in-the-century-of-regeneration/

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/04/2021

 

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