Óbitos podem superar os nascimentos no Brasil pandêmico
Óbitos podem superar os nascimentos no Brasil pandêmico, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
Um crescimento vegetativo negativo seria uma grande antecipação de uma tendência que está prevista para décadas adiante. Evidentemente, este acontecimento inédito e inesperado, caso ocorra de fato, não deve permanecer quando a pandemia entrar em fase de retração
[EcoDebate] O Brasil é um dos países mais impactados no mundo pela pandemia. No acumulado, o Brasil chegou a 330 mil óbitos da covid-19 e o mundo chegou a 2,85 milhões de óbitos, segundo a OMS. Isto significa que o Brasil (com 2,7% da população mundial) tem quase 12% das mortes globais. Na semana de 27/03 a 02/04/2021, o Brasil somou 3.013 óbitos diários em média e o mundo somou 10.127 óbitos em média, segundo a OMS. Isto quer dizer que, na semana, o Brasil foi responsável por 30% dos óbitos globais da covid-19. No mês de março o Brasil teve 67,3 mil mortes pela covid-19, o que representou 24% das 283 mil mortes globais em 31 dias.
Mas provavelmente estes números de óbitos no Brasil estão subestimados e, uma parte, registrados como outras causas de morte. Para avaliar o impacto geral na mortalidade é preciso recorrer às estatísticas vitais, que também fornecem os dados sobre a natalidade. Como mostrei em artigo “O impacto da pandemia da covid-19 na dinâmica demográfica brasileira”, publicado no Portal do Envelhecimento (12/03/2021), mostra que o número de nascimentos caiu de 2,77 milhões de bebês em 2019 para 2,6 milhões em 2020 e o número de óbitos subiu de 1,26 milhão para 1,45 milhão no mesmo período.
Os dados são do Portal da Transparência (ainda sujeitos a alguma modificação em função de registros tardios que ainda não foram contabilizados). Mas sem dúvida, menor número de nascimentos e maior número de mortes significa menor crescimento vegetativo da população, que, pelos dados do gráfico, foi de 1,5 milhões em 2019 e caiu para 1,2 milhões em 2020 (sendo que o saldo da migração internacional é bem pequeno). Ou seja, a população brasileira continua crescendo, só que em ritmo um pouco mais lento. Todavia, os dados preliminares de 2021 já colocam um cenário inimaginado até há bem pouco tempo, isto é, a possibilidade dos óbitos brasileiros superarem os nascimentos em alguns dos meses do corrente ano. O gráfico abaixo mostra os números de nascimentos e mortes no Brasil, em março, nos últimos 7 anos.
Mesmo não sendo dados definitivos, o gráfico acima indica claramente que o número de nascimentos caiu ligeiramente nos meses de março de 2020 e 2021, em relação aos mesmos meses dos anos anteriores, e o número de óbitos subiu substancialmente em 2021. A diferença entre os eventos vitais que estava em 162 mil nascimentos a mais do que os óbitos em março de 2017 caiu para 105 mil em março de 2020 e para somente 47 mil em março de 2021.
O gráfico abaixo, também do Portal da Transparência, mostra os mesmos dados, mas para o trimestre janeiro, fevereiro e março de 2015 a 2021. A diferença entre nascimentos e óbitos que estava pouco abaixo de 400 mil nascimentos sobre óbitos no primeiro trimestre de 2015 e 2016, subiu para mais de 400 mil em 2018 e 2019, mas caiu para 345 mil em 2020 e para somente 134 mil em 2021.
Se a pandemia não for controlada rapidamente existe a possibilidade do número de óbitos continuar subindo e o número de nascimentos cair ainda mais, pois é muito arriscado uma gravidez e um parto numa situação de transmissão comunitária descontrolada do coronavírus e de colapso do sistema hospitalar.
Muitas mulheres e casais vão, racionalmente e compreensivelmente, adiar suas decisões reprodutivas diante da conjuntura adversa não só na saúde, mas também devido à crise no mercado de trabalho. No 31/03, o IBGE divulgou os dados da PNAD Contínua sobre a taxa de desocupação e a taxa de subutilização para o trimestre encerrado em janeiro de 2021, indicando 14,3 milhões de pessoas desocupadas, sendo que a população subutilizada chegou a impressionantes 32,4 milhões de pessoas.
Por conseguinte, não é improvável que em algum mês de 2021 o número de óbitos supere o número de nascimentos. Isto seria um fato absolutamente inédito na história brasileira que é marcada por um crescimento muito consistente e acelerado ao longo da história. A população brasileira estava em torno de 4,5 milhões de habitantes em 1822, quando da Independência do país e deve chegar a 213 milhões em 2022. Embora as taxas de fecundidade estejam caindo desde a década de 1960, as projeções do IBGE e da ONU indicam que o número de habitantes do Brasil vai continuar crescendo até a década de 2040 e deve começar a diminuir na segunda metade do século.
Desta forma, um crescimento vegetativo negativo seria uma grande antecipação de uma tendência que está prevista para décadas adiante. Evidentemente, este acontecimento inédito e inesperado, caso ocorra de fato, não deve permanecer quando a pandemia entrar em fase de retração, pois o número de óbitos deve cair e o número de nascimentos deve subir na medida em que os casais tiverem confiança no fim da emergência sanitária.
A tendência geral do Brasil é de diminuição do crescimento populacional. Neste sentido, os montantes indicados pelas projeções do IBGE devem ser antecipados em alguns anos. Por exemplo, o crescimento anual da população previsto em 1,05 milhão de pessoas para 2030 pode ser atingido em torno de 5 anos antes. O pico da população que estava previsto para 2047 também pode ser atingido em torno de 5 a 10 anos antes. Ou seja, as projeções populacionais do IBGE precisarão ser refeitas e atualizadas em 2022. Os novos números, com certeza, não serão os mesmos.
Mas, indubitavelmente, não haverá grandes mudanças nas tendências estruturais, pois, pelo menos até 2040, a população brasileira vai continuar crescendo com redução da população jovem e aumento da população idosa. Mas, sem dúvida, a possibilidade de os óbitos superarem os nascimentos em algum mês de 2021 é uma novidade e tanto nos 521 anos da história de Pindorama. O que não pode acontecer é a desculpa para um ressurgimento de um pronatalismo inconsequente e que desrespeite os direitos sexuais e reprodutivos.
José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Bônus demográfico no Brasil: do nascimento tardio à morte precoce pela Covid-19, R. bras. Est. Pop., v.37, 1-18, e0120, 2020
https://www.scielo.br/pdf/rbepop/v37/0102-3098-rbepop-37-e0120.pdf
ALVES, JED. O impacto da pandemia da covid-19 na dinâmica demográfica brasileira, Portal do Envelhecimento, SP, 12/03/2021
https://www.portaldoenvelhecimento.com.br/o-impacto-da-pandemia-da-covid-19-na-dinamica-demografica-brasileira/
ALVES, JED. Apresentação sobre a pandemia no Brasil até o dia 03 de abril de 2021 e sobre a possibilidade de uma terceira década perdida.
https://pt.scribd.com/presentation/501499345/Pandemia-e-Economia-Internews-Jeda-Final-03abr21
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 01/04/2021
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