Nota em defesa da aprovação de um orçamento adequado para a realização do Censo Demográfico no Brasil em 2021
Nota em defesa da aprovação de um orçamento adequado para a realização do Censo Demográfico no Brasil em 2021
Comissão Consultiva do Censo Demográfico 2020/2021
Vivemos na sociedade da informação e do conhecimento. Mais do que nunca, as políticas públicas e as decisões de investimento do setor privado precisam ser baseadas em dados atualizados e de ótima qualidade sobre a realidade brasileira. Dentre as fontes de dados disponíveis, uma é especialmente fundamental, sendo considerada a “mãe” de todas as outras. Trata-se do Censo Demográfico, o único instrumento capaz de oferecer, de forma precisa, o número de residentes no território nacional por idade e sexo. A função precípua do censo justifica, por si só, sua realização. Mas o censo brasileiro é um instrumento ainda maior. Ele fornece, também, o retrato social, econômico e demográfico do País, registrando, com riqueza de detalhes, as diferenças regionais e a multiplicidade das características das pessoas e dos domicílios, informações que são essenciais para se compreender a realidade da sociedade brasileira.
Em função da essencialidade do Censo Demográfico, o legislador impôs sua realização decenal no Brasil (Lei 8.184/1991). Tentou, assim, impedir postergações da coleta de dados sob alegação de falta de verbas. No entanto, lamentavelmente, nas últimas semanas, testemunhamos o não cumprimento da Lei do Censo. A Lei Orçamentária, aprovada pelo Congresso Nacional em 24 de março último, não aportou os recursos necessários para a execução do Censo 2021, resultando em um corte de 96% no valor originalmente estabelecido pelo Ministério da Economia. Dessa forma, a realização do recenseamento foi adiada para um futuro incerto. A gravidade da decisão foi minimizada sob o argumento do agravamento da pandemia da Covid-19, o que não nos parece ser uma razão suficiente. Em que pese a óbvia necessidade de adoção de todas as medidas sanitárias é fundamental recompor o orçamento para a realização do Censo Demográfico brasileiro ainda este ano.
O censo brasileiro já havia sido postergado de 2020 para 2021, como ocorreu em outros países, diante do desconhecimento sobre a nova doença. Neste início de ano, ainda temos incertezas e estamos estarrecidos com a marcha da pandemia no país, mas a ciência nos trouxe mais conhecimento e soluções. Por exemplo, existem agora vacinas, que no início de 2020 eram somente promessas. Além disso, sabemos o quanto o uso adequado de máscaras de boa qualidade é capaz de proteger a população da transmissão do vírus. Para além das novas soluções sanitárias, é fundamental lembrar que o IBGE e sua direção sempre agiram no sentido de preservar a saúde e a vida de seus funcionários e da população entrevistada. Portanto, não tomariam atitudes irresponsáveis na conjuntura atual.
Se os recursos não forem aprovados agora, será impossível manter o trabalho contínuo que permitirá sua execução no segundo semestre de 2021, sempre com as devidas garantias de segurança sanitária para todos. Vale lembrar que inseguranças durante a realização dos censos e de outras pesquisas executadas pelo IBGE sempre existiram, incluindo a violência crescente em áreas urbanas, as dificuldades de acesso às áreas distantes, o desaparecimento de cidade inteira por rompimento de barragem, dentre tantas outras ocorrências. O IBGE sempre soube buscar as melhores condições para enfrentar as adversidades e teve seu trabalho reconhecido internacionalmente. Portanto, podemos confiar que garantidos os recursos, o Instituto buscará as soluções adequadas para realizar essa operação imprescindível para o País ainda em 2021.
Já perdemos muito com a postergação do Censo Demográfico previsto para 2020. Não podemos adiar a coleta por mais um ano. A recomendação da ONU é a realização de censos populacionais em um intervalo de no máximo dez anos para países que apresentam poucas mudanças ao longo da década. O mesmo vale para países que tenham registros administrativos confiáveis para elaborar estimativas populacionais nos períodos intercensitários. Para países com muitas mudanças, o intervalo recomendado é de cinco anos. O Brasil, por sua diversidade territorial e populacional, está sujeito a profundas mudanças ao longo de uma década, principalmente em suas menores unidades administrativas, os municípios. Nossos registros de nascimentos e óbitos não são completos em todas as regiões e ainda não temos o acompanhamento da migração da população, fenômeno capaz de alterar substancialmente a dinâmica demográfica no nível municipal. Portanto, a realização de censos, de forma periódica, é fundamental para o desenvolvimento social e econômico do nosso País. Uma prova dessa necessidade são as estimativas da população municipal feitas para os períodos intercensitários. Em geral, até cinco anos após a realização dos censos, é possível ter estimativas populacionais municipais com algum grau de confiança, apoiando-se em métodos demográficos. No entanto, ao se aproximar dos anos finais de cada década, as incertezas sobre o verdadeiro tamanho e distribuição por idade e sexo das populações municipais aumentam muito. O desconhecimento gera perdas enormes para o planejamento local, principalmente nas áreas de educação, saúde e assistência social. Além disso, o aumento da incerteza resulta em problemas nos repasses de recursos públicos baseados no tamanho populacional, como é o caso do Fundo de Participação Municipal (FMP) e do Fundo da Educação Básica (FUNDEB). Um reflexo disso são as centenas de pedidos judiciais de recontagem das populações municipais, às quais o IBGE precisa responder. O adiamento do censo poderá aumentar todos esses problemas.
Tamanho populacional e distribuição por idade e sexo não são as únicas informações necessárias para o planejamento de governos e empresas. Os dados do Censo Demográfico, e as estimativas deles derivadas, demonstram que as desigualdades sociais e econômicas têm sido um dos maiores desafios para a sociedade brasileira. Sem conhecê-las, em nível municipal, e no tempo certo, a qualidade de decisões estratégicas fica comprometida, resultando em perdas incalculáveis para toda a sociedade.
A pandemia da Covid-19 nos deu um exemplo prático da importância de se conhecer com maior precisão a evolução da população brasileira. Por exemplo, quando foi definido o plano de vacinação com prioridade por grupos etários, houve muitos relatos de dificuldades na implementação das agendas em diferentes cidades. Em alguns lugares, elas tiveram que ser readaptadas às pressas, pois a disponibilidade de vacinas não correspondia à verdadeira demanda. Além disso, a pandemia escancarou o agravamento das desigualdades no País e demonstrou que sem dados detalhados o planejamento de ações é afetado em um contexto de crise aguda. A mitigação dos problemas só pode ser feita se tivermos informações atualizadas por área geográfica, para os domicílios e seus moradores, incluindo dados sobre suas condições socioeconômicas.
A lista de perdas com o adiamento do censo brasileiro para além de 2021 é certamente muito mais extensa. Assim, exortamos a que todos em suas capacidades possam defender e agir no sentido de garantir os recursos suficientes e necessários para a execução do Censo Demográfico em 2021, conforme aprovado em 2020 e postergado pela pandemia da Covid-19.
Assinam membros da Comissão Consultiva do Censo Demográfico (ordem alfabética) em 2 de abril de 2021
1. Alexandre Fernandes Barbosa
2. Cássio M. Turra 3. Claudio A. G. Egler 4. Diana Sawyer 5. José Ribeiro 6. Marta Azevedo 7. Martha Mayer
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8. Marcel de Toledo Vieira
9. Ricardo Paes de Barro 10. Sergio Besserman Vianna 11. Suzana Cavenaghi 12. Tania Bacelar de Araújo 13. Zélia Bianchini
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/04/2021
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