Rotulagem nutricional: mudanças e impactos com as novas legislações
Rotulagem nutricional: mudanças e impactos com as novas legislações, artigo de Isabel Martin e Luis Mariotti Garcia
[EcoDebate] Após seis anos de muita discussão, estudos e análises técnicas robustas, as novas regras para Rotulagem Nutricional foram aprovadas por unanimidade pela Diretoria Colegiada da Anvisa e publicadas no dia 9 de outubro, por meio da Resolução RDC nº 429/20 e da Instrução Normativa IN nº 75/20. Elas trazem mudanças profundas na rotulagem nutricional dos alimentos quanto à declaração de nutrientes na tabela, uso de rotulagem frontal e alegações.
Para ter noção do quanto esse tema interessa não só ao setor de alimentos, em 23 de setembro de 2019 a Anvisa publicou as consultas públicas nº 707 e 708/19, abordando uma proposta para a rotulagem nutricional , nas quais receberam mais de 82 mil contribuições. Isso demonstra a importância para toda a sociedade brasileira, desde cidadãos, ONGs, setor produtivo, academias, centros de pesquisas, pesquisadores e profissionais autônomos.
No entendimento da agência reguladora, a rotulagem nutricional funciona como um instrumento de saúde pública, já que traz informações importantes que ajudam os consumidores a realizarem escolhas mais saudáveis e conscientes.
Outro fator é a facilidade para comparar nutricionalmente os alimentos com as novas regras, em especial os dados nutricionais por 100 g (produtos sólidos e semissólidos) ou por 100 ml (líquidos), e também pela rotulagem frontal superior, que apresentará figuras em modelo de lupa para indicar alto teor de açúcares adicionados, gordura saturada e sódio.
Serão elegíveis para a rotulagem nutricional frontal os alimentos sólidos ou semissólidos que apresentarem quantidade maior ou igual a 15g/100g de açúcares adicionados; 6g/100g de gorduras saturadas e 600mg/100g de sódio. Caso esses critérios sejam atingidos, os alimentos deverão trazer na metade superior do seu painel principal, o selo de “alto em” para cada nutriente, ocupando uma área entre 2% a 7% de seu rótulo, dependendo do tamanho do painel principal.
Outro ponto que vale a pena ser ressaltado é a nova definição trazida pela RDC nº 429/20 sobre “Açúcares Adicionados”, que corresponde a todos os monossacarídeos e dissacarídeos adicionados durante o processamento do alimento, incluindo as frações de monossacarídeos e dissacarídeos vindos da adição de outras fontes, como dextrose, açúcar invertido, xaropes, maltodextrina e outros carboidratos hidrolisados. Nessa somatória, os açúcares naturalmente presentes em produtos lácteos, vegetais e frutas não devem ser considerados.
Além disso, a tabela de informação nutricional deverá trazer os dados apenas em letras pretas, com fundo branco, para garantir a facilidade na leitura. Também deverá ficar localizada próxima à lista de ingredientes e em superfície contínua, não sendo aceitas quebras. Não poderá ser apresentada em áreas encobertas, locais deformados ou regiões de difícil visualização. A exceção fica para os produtos pequenos, aqueles com área de rotulagem inferior ou igual a 100 cm², em que a tabela poderá ser apresentada em partes encobertas, desde que acessíveis, ou em sua embalagem secundária. Há ainda outra mudança nas tabelas nutricionais: o número de porções por embalagem também deverá ser declarado.
A Anvisa também modificou as regras relativas às declarações das alegações nutricionais, com o objetivo de evitar contradições com a rotulagem nutricional frontal. Por exemplo: um alimento com redução de gorduras totais não poderá indicar este atributo em sua rotulagem se apresentar a quantidade de gordura saturada igual ou superior ao limite definido nas regras de rotulagem nutricional frontal.
Prazos para adequação
A Resolução RDC º 429/20 e a Instrução Normativa IN nº 75/20 entram em vigor a partir de 9 de outubro de 2022. A partir dessa data, diversas normas serão revogadas, como as Resoluções RDC nº 360/03 (rotulagem nutricional de alimentos embalados), RDC nº 359/03 (porções de alimentos para fins de rotulagem nutricional) e RDC nº 54/12 (informação nutricional complementar).
Os produtos que estiverem no mercado na data de entrada da norma em vigor terão, ainda, o prazo de adequação de doze meses (ou seja, até 9 de outubro de 2023). Já aqueles que forem destinados exclusivamente ao processamento industrial ou aos serviços de alimentação, deverão estar adequados já na data de entrada do regulamento em vigor (9 de outubro de 2022), para garantir que os fabricantes de alimentos e bebidas tenham acesso às informações nutricionais das matérias-primas e ingredientes alimentares utilizados em seus produtos. Os alimentos fabricados por empresas de pequeno porte, como agricultores familiares e microempreendedores, terão prazo de adequação maior (24 meses após a entrada em vigor, ou seja, até 9 de outubro de 2024). Os produtos fabricados até o término do prazo de adequação poderão ser comercializados até o fim do prazo de validade.
Novas necessidades, produtos e soluções
Com as novas regras, a tendência é que a imprensa noticie amplamente as mudanças e o consumidor, que já é exigente em sua busca por produtos com propostas mais saudáveis, fique ainda mais atento ao novo rótulo. Para esse público, as informações destacadas nas figuras das lupas na rotulagem frontal serão fatores determinantes em sua decisão de compra. Esta é uma das razões pelas quais indústria alimentícia precisa se preparar para cumprir com a nova regulação e enfrentar diversos desafios, pois reformular um produto cárneo, diminuindo a quantidade de açúcares adicionados, gordura saturada ou principalmente o sódio, não é uma tarefa fácil de ser realizada.
Analisando um produto cárneo de forma simplificada, como uma peça de presunto cozido, sua estrutura é composta de várias partes igualmente importantes, como a proteína e a gordura que vêm da carne, o sal e a água, que dá suculência e tem importante papel na dispersão de sabor dos demais ingredientes, especiarias e condimentos utilizados para agregar sabor. De acordo com estudos científicos e com o livro “Meat Products Handbook”, de Gerhard Feiner, o sal não apenas age como intensificador de sabor ou na conservação do produto. Ele tem o papel essencial de proporcionar as condições para a extração das proteínas e com isso, além de permitir que estas liguem com a água, mantendo o produto suculento, também permite a ligação destas proteínas entre si, proporcionando estrutura e firmeza para o produto.
Agora ficou mais fácil de entender por que não é tão simples retirar o sal de um produto cárneo, certo? Além do sabor, a própria estrutura do produto fica comprometida. Mas não podemos esquecer que a redução de açúcares e sódio nos alimentos, se trata de uma questão de saúde pública no Brasil e no mundo.
Já existem tecnologias disponíveis no mercado que permitem o desenvolvimento de alimentos com menos sódio e açúcar em sua composição, mas que continuam entregando um excelente perfil de sabor. São aromas naturais, chamados de moduladores, que interagem com os receptores gustativos da boca, modificando a percepção geral do paladar e aumentando a percepção do sabor salgado, por exemplo, sem deixar sabor residual e mantendo a estrutura do produto cárneo.
Outra categoria de produtos cárneos que será impactada diretamente pelas novas regras de rotulagem, são as soluções congeladas empanadas. Elas proporcionam uma experiência diferente para a alimentação do dia a dia do consumidor e suas principais características são a crocância, o sabor da carne com a cobertura selecionada para o empanamento, os temperos e o método escolhido para a finalização combinados em um só produto. Em sua maioria, a finalização inclui uma pré-fritura por imersão em gordura vegetal, o que traz um ponto de atenção sobre a presença de gordura saturada ou de gorduras trans. O que também é possível de ser reestruturado em produtos já existentes, pois já existem tecnologias que acompanham as tendências de cocção e novas necessidades de consumo. O novo consumidor hoje tem mais consciência das desvantagens da fritura, que, mesmo fornecendo sabor e textura, se consumido em excesso, aumenta a possibilidade de obesidade, diabetes e outras doenças. Por isso o método de fritura sem óleo, mais conhecido como Air fryer vem ganhando popularidade, dispensando a etapa de pré-fritura, podendo ser preparado no forno ou em fritadeiras com tecnologia Air fryer. Já existem produtos vendidos nos Estados Unidos voltados a essa categoria, como por exemplo, tiras de peito de frango à milanesa com 75% menos gordura, 35% menos calorias, 100% natural e 20 gramas de proteína por porção. Já é uma tendência nos países europeus e que, definitivamente, está chegando à América Latina. É uma oportunidade para processadores cárneos ampliarem seus portfolios de soluções neste segmento para os brasileiros.
É importante que os processadores busquem parceiros com expertise e amplos portfolios para que possam ajudá-los a redesenharem e reequilibrarem nutricionalmente os seus produtos. Esse processo exigirá um apoio de ponta a ponta, desde a coleta de informações essenciais, com suporte regulatório adequado, realizações de testes na fábrica para rodar o produto reformulado, sem esquecer a proposta de experiência final para o consumidor, com análises físico-químicas e sensoriais de um time de especialistas, até chegar na fórmula correta, mantendo sabor e proposta de experiência para seus consumidores. O redesenho e reequilíbrio nutricional de produtos é um processo complexo, mas totalmente realizável e é favorável tanto às exigências regulatórias quanto às necessidades do consumidor moderno.
Isabel Martin é Engenheira de Alimentos, formada pela Unicamp.
Conta com mais de 15 anos de experiência em assuntos regulatórios, com vivências profissionais em empresas multinacionais de grande porte e consultoria.
Atualmente Isabel é Gerente de Assuntos Regulatórios Brasil e Cone Sul da Kerry.
Luis Mariotti Garcia é formado em Medicina Veterinária pela Universidade Federal de Lavras, Minas Gerais, com foco em Tecnologia de Produtos Cárneos e Inspeção Sanitária. Especialista na área de alimentos, atua no setor há mais de 13 anos. Atualmente, Luis é gerente de Desenvolvimento de Negócios para o segmento de Carnes LATAM da Kerry.
Créditos das imagens: Divulgação Anvisa
Fontes:
• Anvisa
• Meat Products Handbook – Gerhard Feiner. Editora Woodhead Publishing Limited.
• Kerry TasteSense https://www.kerry.com/products/taste/taste-modulation#Salt
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/02/2021
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