Estudo aponta caminhos para EUA zerarem emissões de gases de efeito estufa até 2050
Estudo aponta caminhos para EUA zerarem emissões de gases de efeito estufa até 2050
Em palestra do RCGI, o engenheiro pesquisador de Princeton Eric Larson apresenta análise que conclui que meta é factível e expõe o impacto das possíveis escolhas. Modelagem do estudo deverá ser replicada no Brasil.
Por Angela Trabbold
Existem ao menos cinco vias tecnológicas factíveis para que os Estados Unidos zerem até 2050 as emissões dos gases de efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento global, indica um estudo liderado por pesquisadores da Universidade de Princeton, cujos resultados iniciais saíram em dezembro.
O amplo relatório, chamado “Net-Zero America”, traça os diferentes cenários e expõe detalhes sobre a infraestrutura necessária, os possíveis gargalos e os impactos de cada um deles sobre, por exemplo, a saúde da população e o emprego. “Desenhamos intencionalmente cinco caminhos bem diferentes para entender quais são as implicações de uma via ou de outra. Não temos um favorito. Todas as vias levam ao objetivo de zerar as emissões até 2050”, afirmou no último dia 11 o engenheiro Eric Larson, do Centro Andlinger para Energia e Ambiente, um dos pesquisadores à frente do estudo, em palestra online promovida pelo Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI). “A ideia é informar o debate que tem de ocorrer em nosso país sobre qual é a melhor direção a seguir”, disse o engenheiro.
Para Larson, o diferencial desse estudo realizado por 18 pesquisadores ao longo de dois anos é o detalhamento geográfico sobre as áreas importantes para a transição rumo a um novo modelo, com informações sobre as comunidades mais afetadas pelas decisões e suas necessidades. “Assim fica muito mais claro para as pessoas entenderem o que significa zerar as emissões”, afirmou. “Hoje, nos Estados Unidos, nossa matriz energética é dominada pelos combustíveis fósseis; no futuro, em um cenário de business as usual, se não houver medidas políticas para descarbonizar, terminaremos com um mix muito similar ao que temos hoje.” Mas os ventos políticos, com a eleição de Joe Biden como presidente norte-americano, apontam para uma mudança e, com isso, o relatório da Universidade de Princeton tem ganhado destaque, inclusive na grande imprensa. Doze estados norte-americanos já prometeram zerar suas emissões até 2050.
Entre os caminhos indicados pelo estudo, há dois que preveem uma alta taxa de eletrificação de veículos e prédios e três contemplando uma eletrificação menor. Um deles considera uma utilização grande de biomassa como fonte de energia e o mais “restritivo” de todos prevê uma matriz energética exclusivamente composta por fontes renováveis, formada a partir de energia eólica, solar e biomassa – sem a contribuição de energia nuclear nem o armazenamento de CO2 no subsolo. Em quatro dos cenários, está previsto o sequestro de carbono em 2050, ou seja, o processo de remoção de CO2 da atmosfera – pois petróleo e gás ainda seriam utilizados como fonte de energia, embora em proporções menores que as atuais. “No quinto cenário, não permitimos o sequestro de CO2, mas prevemos a captura e o uso de carbono, principalmente para produzir combustível líquido sintético, uma vez que não autorizaríamos a utilização de petróleo como combustível líquido.”
Um achado importante do estudo, de acordo com o pesquisador, é de que os gastos anuais com energia nos modelos previstos em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) projetado são na verdade mais baixos do que têm sido historicamente ou comparáveis ao que tem sido hoje. “Em 2020 nosso gasto com energia representa cerca de 5% do PIB e todos os nossos cenários estão na faixa de 5% a 6% do PIB”, disse Larson. “O achado aqui é que a transição é acessível, se fizermos da maneira correta, mas para chegar lá são necessárias grandes mudanças.”
O relatório identifica seis pilares centrais para a descarbonização – presentes em todos os cinco cenários delineados. Quatro fazem parte do sistema industrial e de energia. A lista inclui ainda a redução de emissões de gases que não sejam o CO2, como metano e fluorocarbonetos, e o reforço dos sumidouros de carbono, com o crescimento de florestas e com práticas agrícolas que incluam medidas de conservação ambiental. “O primeiro pilar compreende a eletrificação e a eficiência energética. Isso reduz o montante total de energia de que necessitamos e a eletrificação muda o uso de energia dos combustíveis para eletricidade, que em geral é mais fácil de descarbonizar. Mas precisamos de eletricidade limpa e esse é o segundo pilar, com geração eólica e solar, novas linhas de transmissão e tecnologias que compensem a variabilidade da geração solar e eólica.”
Para seguir esse objetivo, as mudanças devem começar já, indica o estudo. Entre as ações prioritárias para até 2030 estão colocar em circulação aproximadamente 50 milhões de carros elétricos no país e instalar ao menos 3 milhões de estações de recarga pública, além de aumentar em 60% os sistemas de transmissão a partir de fazendas de energia eólica. Em relação aos benefícios cumulativos na melhora da qualidade do ar entre 2020 e 2050 a partir das mudanças, os pesquisadores estimam que entre 200 mil e 300 mil mortes prematuras seriam evitadas.
Larson ressaltou que um dos maiores desafios de zerar as emissões será obter o que chama de “licença social”, a aceitação pela população dos grandes impactos sobre o uso da terra de uma maior geração de energia renovável e na construção de linhas de transmissão. “O custo financeiro não é o maior desafio, mas sim a licença social”, afirmou o engenheiro pesquisador. “Já há objeções quanto à construção de dutos, de linhas de transmissão de alta voltagem, à construção de fazendas de energia eólica no mar e no continente, ao armazenamento de CO2; há partes da sociedade que contestarão cada um dos pilares de alguma forma. É muito fácil dizer que se quer energia solar e eólica, mas fazer isso na escala necessária para zerar as emissões implica em um grande impacto que talvez as pessoas não apreciem tanto.” Com isso, talvez os cenários que não dependam tanto das energias solar e eólica sejam mais prováveis de acontecer, disse o pesquisador. “Mas não tenho bola de cristal, não tenho as respostas para dizer o que deve ser feito, as pessoas coletivamente é que vão decidir.”
No encerramento do evento, o professor Julio Meneghini, diretor científico do RCGI, afirmou que o centro de pesquisa com sede na Universidade de São Paulo (USP) está formando um grupo e planeja realizar um estudo nos mesmos moldes do Net-Zero America para analisar as especificidades do Brasil. “Espero que nas próximas semanas e meses estaremos com esse grupo estabelecido e vamos trabalhar com vocês [da Universidade de Princeton] em um relatório sobre o caso brasileiro”, afirmou Meneghini. “Será fabuloso o Brasil ter um estudo e análise com esse grau de detalhamento, pois isso ajuda a fazer avançar as conversas; estou ansioso por fazer parte disso,” disse Larson.
A palestra online com o pesquisador Eric Larson, do Centro Andlinger para Energia e Ambiente da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=XBLHGqmcMg4.
O relatório de 354 páginas pode ser lido em Princeton_NZA_Interim_Report_15_Dec_2020_FINAL.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 18/02/2021
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