Sugestão à Embrapa Semiárido para aproveitamento do concentrado da osmose reversa por meio de wetlands construídos de fluxo vertical
Sugestão à Embrapa Semiárido para aproveitamento do concentrado da osmose reversa por meio de wetlands construídos de fluxo vertical
Paulo Afonso da Mata Machado
Engenheiro Civil e Sanitarista pela UFMG (Belo Horizonte – MG)
Mestre em Engenharia Ambiental pela Rice University (Houston – TX)
Colaboração de Anderson Adaldizio Souza Nunes, Biólogo pela UNIFAL (Alfenas – MG)
O solo do semiárido nordestino se divide em duas grandes parcelas: bacias sedimentares e escudo cristalino. Cerca de 70% da região é composta por escudo cristalino, que se caracteriza por solos rasos e de difícil drenagem, a menos de algumas falhas localizadas nessa estrutura.
Por outro lado, grande parte do lençol freático das bacias sedimentares contém alta concentração de sais. Por isso, durante muito tempo, a extração de água subterrânea na região ficou relegada a segundo plano e só veio a se intensificar com o uso da osmose reversa (OR).
Para entendermos o que vem a ser OR, precisamos, primeiramente, analisar o que significa osmose. Trata-se de um fenômeno físico que se baseia no seguinte princípio: ao se misturar uma solução hipotônica (que contém menor concentração de um soluto em um dado solvente) com uma solução hipertônica (que contém maior concentração desse soluto no mesmo tipo de solvente), o produto final tende a ser uma solução isotônica, ou seja, com concentração constante desse soluto.
Se, ao invés de misturarmos as soluções, as colocarmos em recipientes distintos, separados por uma membrana semipermeável, que impeça a passagem do soluto, o solvente exercerá pressão sobre essa membrana na tentativa de fluir do meio hipotônico para o hipertônico. À pressão exercida pelo solvente sobre a membrana, dá-se o nome de pressão osmótica.
À medida que o solvente flui, aumenta-se o nível da solução hipertônica e esta passa a exercer pressão contrária ao seu fluxo. Se a pressão osmótica não consegue mais vencer a pressão hidrostática provocada pela diferença de níveis, acrescida da perda de carga no deslocamento da solução, o fluxo cessa.
A OR usa o princípio contrário. Se a pressão osmótica tende a equilibrar as concentrações dos dois lados da membrana por meio de deslocamento do soluto, o efeito contrário se obtém com a aplicação, no meio hipertônico, de pressão superior à soma da pressão osmótica e da perda de carga gerada pelo escoamento do solvente. Nesse caso, o solvente tende a se deslocar do meio hipertônico para o meio hipotônico, buscando o equilíbrio isotônico.
É pelo princípio da osmose reversa que se consegue remover os sais da água, de modo que esse processo está cada vez mais presente no semiárido nordestino.
As membranas semipermeáveis possuem poros diminutos, com diâmetros entre 10-4 e 10-3 µm. Assim, devido à pressão aplicada, o líquido tende a passar pelos poros das membranas, sendo recolhido externamente. No interior da tubulação, ficam cerca de 30% da vazão do líquido, com alta concentração salina. Esse líquido remanescente constitui o rejeito, que deve ser descartado ou reutilizado. No caso de descarte, o principal receptor é o oceano.
Como o semiárido nordestino se encontra distante do oceano, esse rejeito é, muitas vezes, lançado nos cursos de água e lagoas da região, aumentando a concentração de sais nesses corpos de água. Diante disso, é urgente uma solução para reaproveitamento do rejeito dos aparelhos de OR.
Uma das formas apropriadas para utilização desse rejeito é a associação de tilápias vermelhas e de plantas halófitas. As tilápias vermelhas são tolerantes à água com maior concentração salina, o mesmo se dando com as plantas halófitas.
A Embrapa Semiárido recomenda o seguinte processo de dessalinização do concentrado da OR:
a) O concentrado da OR é lançado em um tanque de tilápias vermelhas.
b) O efluente desse tanque, contendo as fezes das tilápias, é direcionado a um tanque de reciclagem.
c) O tanque de reciclagem alimenta leitos da Sarcocornia ambígua, conhecida como erva-sal, que, como as demais halófitas, é capaz de absorver elevadas concentrações de sais em seus tecidos.
d) Após a poda da erva-sal, o material removido é usado na engorda de caprinos e ovinos ou em compostagem.
Uma variante do processo é feita por meio da aquaponia, sistema de cultivo que une a piscicultura (cultivo de peixes) e a hidroponia (cultivo de plantas com as raízes submersas na água, sem o uso de substrato). O sistema funciona da seguinte forma:
a) O concentrado da OR é lançado em um tanque de tilápias vermelhas.
b) O efluente desse tanque, contendo as fezes das tilápias, é direcionado a um leito de plantas erva-sal, cujas raízes ficam submersas na água.
c) O efluente líquido, livre de excrementos e com menor concentração de sais, pode ser adicionado à vazão dessalinizada obtida pelo aparelho de OR e o material removido após a poda pode ser usado na engorda de caprinos e de ovinos ou em compostagem.
Estamos propondo a utilização da erva-sal no aproveitamento do rejeito da OR por meio de um sistema de wetlands construídos de fluxo vertical, de modo semelhante ao que é feito em Portugal com o uso das halófitas Spartina maritimus, Juncus maritimus e Arundo donax. Nos wetlands construídos, as plantas podem ter raízes aéreas ou fixas no substrato. A erva-sal permite ambos os métodos.
Não há estudos que determinem a área mínima de cultivo de erva-sal por grama de sal aplicado. A taxa de aplicação deve ser dimensionada para o uso específico do efluente. Por exemplo, se o efluente dos wetlands for usado para consumo humano, o padrão de potabilidade da água não permite concentração de cloreto acima de 250 mg/L nem de sódio maior que 200 mg/L. Assim, a área dos leitos de erva-sal deve ser dimensionada para que o efluente atenda a esses limites.
Destaque-se que os wetlands de fluxo vertical não precisam ficar restritos à remoção de sais, pois podem receber até 20 gramas de DBO por m2.dia de wetland em funcionamento. Isso se deve ao fato de as bactérias, que se localizam principalmente na zona de raízes, utilizarem o oxigênio acumulado durante o período de repouso para oxidar a matéria orgânica. Assim, após passar por tratamento preliminar, com grades e caixas de areia, a água de lavagem de currais, o resíduo de pocilgas e, até mesmo, o esgoto bruto podem ir para os wetlands, produzindo-se água de reúso, que pode ser usada tanto na dessedentação animal como na irrigação de vegetais (excluídos os produtos que possam ser consumidos sem cozimento).
O oxigênio acumulado durante o período de repouso é usado, também, para a nitrificação do nitrogênio total kjeldahl (NTK) presente no líquido em tratamento (o NTK corresponde à soma do nitrogênio orgânico e do nitrogênio amoniacal). A eficiência da transformação do NTK em nitrato em wetlands de fluxo vertical pode chegar a 95%. A elevada concentração de nitrato no efluente dos wetlands permite que se reduza a concentração de nitrogênio no fertilizante a ser fornecido aos vegetais que vierem a ser irrigados com a água de reúso assim obtida.
A alimentação de cada leito de wetland deve ser de forma intermitente, em períodos de 2 a 8 horas. Portanto, o efluente do tanque de tilápias (após passar ou não por tratamento preliminar), deverá ser lançado em um tanque de acumulação antes de ir para os wetlands.
Com o passar do tempo, desenvolve-se uma camada de lodo na superfície dos leitos. Principalmente pela ação dos microrganismos aeróbios, o lodo formado é mineralizado durante o período de descanso do leito, em que há maior entrada de oxigênio. Também nesse período ocorre o processo de secagem do lodo, formando-se uma camada que auxilia no processo de filtração. O lodo acumulado ao longo do tempo só precisa ser removido quando atinge uma espessura mínima de 20 cm. Como o acúmulo anual de lodo não ultrapassa 2 cm, sua remoção pode ser feita em intervalos de pelo menos 10 anos.
Caso se opte pelo uso de halófitas com raízes fixas em substrato, não há necessidade de retirada desse substrato durante a remoção do lodo. O lodo removido é um bom fertilizante e pode ser usado após simples secagem, pois já se encontra digerido e isento de patógenos.
A densidade de plantas nos wetlands tende a aumentar consideravelmente, inclusive com o aparecimento de espécies invasoras, que devem ser suprimidas. Há necessidade, portanto, de se fazer uma poda periódica para liberação do leito filtrante, removendo-se o material suprimido, que pode ser usado na alimentação de caprinos e de ovinos ou em compostagem. O manejo adequado das plantas maximiza sua eficiência após os cortes, que devem ser mais frequentes durante a fase de crescimento das plantas. Nesse caso, o material removido conterá maior concentração de nutrientes.
Diante do exposto, estamos sugerindo à Embrapa Semiárido que faça estudos para a utilização de wetlands de fluxo vertical para remover os sais do concentrado da OR, aproveitando o sistema para tratar resíduos líquidos de atividades agropastoris.