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Com a pandemia, 2021 começa com alta no preço da comida

 

Com a pandemia, 2021 começa com alta no preço da comida, artigo de José Eustáquio Diniz Alves

“De pé ó vítimas da fome; De pé famélicos da terra”
Hino da Internacional Socialista

A pandemia da covid-19 provocou um grande abalo na economia brasileira em 2020 e o aumento do preço dos alimentos contribuiu para o aumento da inflação

[EcoDebate] O Índice de Preços de Alimentos (FFPI) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) teve um grande aumento no mês de janeiro. Os preços globais dos alimentos subiram pelo oitavo mês consecutivo, liderados por cereais, óleos vegetais e açúcar. O Índice acompanha as mudanças mensais nos preços internacionais de commodities alimentícias teve média de 113,3 pontos em janeiro, marcando um aumento de 4,3% em relação a dezembro de 2020 e atingindo seu nível mais alto desde julho de 2014. É claro que que o aumento do preços da comida leva à carestia, à insegurança alimentar e ao aumento da fome.

FAO food price index

A fome faz parte da história humana. O maior número absoluto de óbitos provocados desnutrição, historicamente, aconteceu na década de 1870, quando 20,4 milhões de pessoas morreram por inanição no mundo. Foi nesta época que foi composto o hino “A Internacional” que foi composto em 1871, por Eugène Pottier (1816-1887), que havia sido um dos membros da Comuna de Paris. Os primeiros versos do hino diz: “De pé ó vítimas da fome; De pé famélicos da terra”. Estes versos refletiam a situação daquele momento. A carência de alimentos era uma realidade que ceifava milhões de vítimas.

Na década de 1880 o número de vítimas caiu para menos de 3 milhões, mas voltou a subir para quase 10 milhões na década de 1890. Surpreendentemente, o número de óbitos por fome diminuiu na década de 1910 – quando houve a Primeira Guerra Mundial – mesmo sendo o número de 2,6 milhões ainda muito elevado. Na década de 1920 a fome cresceu muito novamente, atingindo 16 milhões de vítimas fatais devido, principalmente, à situação da União Soviética e da China.

Na década de 1940 – quando aconteceu a Segunda Guerra Mundial – a fome bateu todos os recordes do século XX, com 18,6 milhões de vítimas. Na década de 1960 a fome voltou a assustar, mas principalmente pela grande crise provocada pelos equívocos da política de “Um grande salto para frente” da China. Passado a grande tragédia na China na década de 1960, o número de vítimas da insegurança alimentar diminuiu muito no mundo nas décadas seguintes, sendo que o número de mortes atingiu o menor nível na década passada (2011-20).

Em termos relativos, a taxa de mortes por conta da fome teve o seu maior valor na década de 1870, quando atingiu 1.426 mortes para cada 100 mil habitantes no mundo. A taxa caiu na décadas seguintes, embora teve picos de cerca de 800 por 100 mil nas décadas de 1920 e 1940. A partir da década de 1970 as taxas caíram significativamente, ficando em 88 por 100 mil habitantes em 1970, 43 por 100 mil na primeira década do século XXI e em apenas 3 por 100 mil habitantes entre 2010-16. Ou seja, houve uma grande redução dos “famélicos da Terra”.

Porém, as conquistas do último século podem não durar para sempre. O pandemônio econômico provocado pela pandemia da covid-19 tem desarticulado a cadeia de produção de vários produtos e tem gerado aumento do preço global da comida. A tabela abaixo mostra que o FFPI de janeiro de 2021 está acima de 100 e só é equivalente aos momentos mais críticos da década passada.

fao food price index

A última vez que o FFPI da FAO teve um forte aumento foi entre 2029 e 2011 e provou revoltas em grande parte do mundo. Segundo Relatório do NECSI (New England Complex Systems Institute) publicado em 28/09/2012, há uma correlação importante entre o aumento do preço dos alimentos, calculados pela FAO e a ocorrência de protestos em todo o mundo, conforme mostra o gráfico abaixo. Sempre que o índice da FAO sobe, ocorrem manifestações. Pior é quando se conjuga crise econômica, crise ambiental e crise social em numa situação de enorme desigualdade de renda e bem-estar.

De fato, está cada vez mais difícil produzir alimentos de forma sustentável. O relatório “Climate Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU (08/08/2019) – que trata da conexão entre o uso da terra e seus efeitos sobre a mudança climática – mostra que existe um efeito perverso de retroalimentação entre as duas coisas, pois a produção de alimentos aumenta o aquecimento global, enquanto as mudanças climáticas decorrentes ameaçam a produção de alimentos.

O relatório do IPCC mostra, de forma inquestionável, que o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce. Adicionalmente, o aumento da produção e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da biodiversidade. O sistema alimentar responde por cerca de 30% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e 80% do desmatamento global.

Trabalho acadêmico publicado na prestigiosa revista Nature Sustainability (Gerten et. al, 2020) mostra que o sistema alimentar mundial atual pode alimentar apenas 3,4 bilhões de pessoas sem transgredir os principais limites planetários, de acordo com uma análise do sistema agrícola global. Todavia, a reorganização da produção de alimentos – alterando a forma de cultivar e modificando a dieta cotidiana predominante – possibilitaria alimentar até 10 bilhões de pessoas de forma sustentável (Alves, 19/02/20210).

A pandemia da covid-19 provocou um grande abalo na economia brasileira em 2020 e o aumento do preço dos alimentos contribuiu para o aumento da inflação. Os analistas nacionais consideram que o preço dos alimentos não devem subir muito em 2021 no Brasil, embora devam permanecer em elevado patamar. Mas com o agravamento da 2ª onda pandêmica e mais de 30 milhões de brasileiros desempregados ou subutilizados o ano de 2021 não será fácil.

A esperança é que haja uma vacinação em massa e a difusão do coronavírus seja contida. Mas as incertezas são grandes.

José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382

Referências:

ALVES, JED. O impacto global do aumento do preço dos alimentos e a vulnerabilidade nacional, Ecodebate, 14/11/2012
http://www.ecodebate.com.br/2012/11/14/o-impacto-global-do-aumento-do-preco-dos-alimentos-e-a-vulnerabilidade-nacional-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. Água, comida e revolução, Ecodebate, 19/06/2013
http://www.ecodebate.com.br/2013/06/19/agua-comida-e-revolucao-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O sistema alimentar atual pode alimentar apenas 3,4 bilhões de pessoas, Ecodebate, 19/02/2020
https://www.ecodebate.com.br/2020/02/19/o-sistema-alimentar-atual-pode-alimentar-apenas-34-bilhoes-de-pessoas-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/

ALVES, JED. O aumento do preço dos alimentos no mundo e no Brasil, Ecodebate, 13/01/2021
https://www.ecodebate.com.br/2021/01/13/o-aumento-do-preco-dos-alimentos-no-mundo-e-no-brasil/

IPCC. Climate Change and Land. An IPCC Special Report on climate change, desertification, land
degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems, 08/08/2019
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/4.-SPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/02/2021

 

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