O Brasil é o país do BRICS mais afetado pela pandemia
O Brasil é o país do BRICS mais afetado pela pandemia, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O acrônimo BRIC está fazendo 20 anos em 2021. O termo foi inventado, em 2001, pelo economista Jim O’ Neill, do banco de investimento Goldman Sachs, com o objetivo de analisar a emergência destes 4 países e orientar as empresas e os investidores mundiais como ganhar dinheiro com os grandes países “emergentes” do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China. Estes quatro países estão entre aqueles da comunidade internacional com maior território ou maior população.
O termo fez grande sucesso, especialmente no período do superciclo das commodities, que possibilitou um grande crescimento da economia dos países “emergentes” em relação aos países “avançados” (para usar uma terminologia do FMI). Mas no acrônimo original não havia nenhum país da África, o que era politicamente incorreto. Então foi incluída a África do Sul (South África) e o termo BRIC ganhou uma letra a mais, se transformando em BRICS (que seriam os “tijolos” da nova economia global).
A ideia do grupo BRICS, criado a partir de uma publicação de um grande banco internacional, virou uma sigla política que se transformou em um grupo político de países heterogêneos que se reúnem periodicamente e até criaram um banco, denominado NBD (Novo Banco de Desenvolvimento). Mas, 20 anos depois do artigo de Jim O’ Neill, o grupo BRICS está passando por um momento difícil, com divergências geopolíticas internas e grande impacto da pandemia
No ranking global de pessoas infectadas a Índia está em 2º lugar, o Brasil em 3º lugar, a Rússia em 4º lugar, a África do Sul em 15º lugar e a China em 83º lugar. O gráfico abaixo, do jornal Financial Times, mostra a média móvel de casos diários para os 5 países do BRICS. O Brasil tem 26 casos diários por 100 mil habitantes, a Rússia tem 16 casos por 100 mil, a Índia tem 1 caso por 100 mil, a China tem 0,01 casos por 100 mil e a África do Sul tem 22 casos por 100 mil hab.
No ranking global de vidas perdidas o Brasil está em 2º lugar, a Índia está em 3º lugar, a Rússia em 8º lugar, a África do Sul em 14º lugar e a China em 47º lugar. O gráfico abaixo, também do jornal Financial Times, mostra a média móvel de óbitos diários para os 5 países do grupo BRICS. A África do Sul tem 0,91 óbitos por 100 mil habitantes, o Brasil tem 0,46 óbitos diários por 100 mil habitantes, a Rússia tem 0,39 óbitos por 100 mil, a Índia tem 0,01 óbitos por 100 mil e a China tem 0,00006 casos por 100 mil habitantes.
A tabela abaixo, com dados do Worldometers, mostra que o mundo está se aproximando de 100 milhões de pessoas infectadas. A Índia, com 10,7 milhões de pessoas infectadas é o país do BRICS com o maior número de casos. Mas a Índia tem 17,6% da população mundial e 10,9% dos casos globais e um coeficiente de incidência de 7,7 mil casos por milhão de habitantes. O Brasil com 2,7% da população mundial tem 8,8 milhões de casos (8,9% do total) e um coeficiente de 41,3 mil casos por milhão. A Rússia com 1,9% da população global tem 3,7 milhões de casos (3,7% do total) e um coeficiente de 25,3 mil casos por milhão. A África do Sul com 0,8% da população global tem 1,4 milhão de casos (1,4% do total) e um coeficiente de 40,6 mil casos por milhão. E a China, o país mais populoso do mundo (com 18,3%) tem somente 90 mil casos (0,1% do total) e um coeficiente de apenas 62 casos por milhão de habitantes.
População e coeficientes de incidência e mortalidade para países do BRICS: 24/01/2021
Países do BRICS |
População (em mil) |
% global |
Casos (23/01) |
% global |
Caso p/ milhão |
Óbitos (23/01) |
% global |
Óbito p/ milhão |
Brasil |
213.378 |
2,7 |
8.816.254 |
8,9 |
41.318 |
216.475 |
10,2 |
1.015 |
Rússia |
145.969 |
1,9 |
3.698.273 |
3,7 |
25.336 |
68.971 |
3,2 |
473 |
Índia |
1.387.346 |
17,6 |
10.655.435 |
10,7 |
7.680 |
153.376 |
7,2 |
111 |
China |
1.439.324 |
18,3 |
88.911 |
0,1 |
62 |
4.635 |
0,2 |
3 |
África Sul |
59.722 |
0,8 |
1.404.839 |
1,4 |
23.523 |
40.574 |
1,9 |
679 |
Mundo |
7.874.966 |
100 |
99.298.747 |
100 |
12.609 |
2.128.755 |
100 |
270 |
Fonte: Worldometers https://www.worldometers.info/coronavirus/
A tabela também mostra que o mundo ultrapassou 2,13 milhões de vidas perdidas. O Brasil com 216 mil mortes (10,2% do total) é o país com maior número de vítimas fatais dos BRICS e com o maior coeficiente de mortalidade, com mais de 1 mil mortes por milhão (1 morte para cada 1 mil brasileiros). A Índia tem 153 mil mortes (7,2% do total) e um coeficiente de 111 mortes por milhão (quase 10 vezes menos do que o Brasil). A Rússia, com 69 mil mortes (3,2% do total) tem coeficiente de 473 óbitos por milhão. A África do Sul com 40,6 mil mortes (1,9% do total) tem coeficiente de 679 óbitos por milhão. E a China com 4,6 mil mortes (0,2% do total) tem coeficiente de mortalidade de 3 óbitos por milhão de habitantes. Assim, para cada chinês morto pela covid-19 tem cerca de 340 brasileiros mortos pelo novo coronavírus.
Desta forma, fica claro que o grupo BRICS foi muito atingido pela economia e também pelo pandemônio econômico. Em artigo do Project Syndicate, em 13/01/2001, Jim O’Neill diz o seguinte sobre o surgimento do conceito:
“Em primeiro lugar, e ao contrário da sugestão repetida, o ponto principal do meu artigo original de novembro de 2001, “The World Needs Better Economic BRICs”, não era prever um crescimento infinito para essas economias, nem promover algum novo conceito de marketing para fundos de investimento. Como qualquer pessoa que ler esse artigo saberá, o argumento central era que o provável crescimento dessas economias no PIB relativo teria implicações importantes para os arranjos de governança global. Como 2001 foi o terceiro ano desde a introdução do euro, argumentei que os grandes países europeus – nomeadamente França, Alemanha e Itália – deviam ser representados coletivamente, em vez de individualmente, no G7, no Fundo Monetário Internacional e outras organizações, abrindo espaço para as potências econômicas mundiais em ascensão. Em seguida, delineei quatro cenários diferentes de como a economia global poderia ser em 2010, três dos quais conjeturaram que a participação dos quatro BRICs no PIB global cresceria”.
O’Neill também reconhece que entre os 5 países somente a China manteve o potencial previsto há 20 anos. A Índia avançou muito, mas foi muito afetada pela pandemia. E Rússia, Brasil e África do Sul são países que apresentam baixo crescimento econômico. A China é a principal protagonista e Brasil e África do Sul são coadjuvantes.
O grupo BRICS está numa encruzilhada. Além da pandemia, há uma divergência geopolítica crescente. O Brasil apresentou um alinhamento submisso ao governo Trump nos EUA. A Índia tem apresentado divergências com a China em vários momentos do passado recente. Por exemplo, a Índia se recusou a participar da iniciativa “Um cinturão Uma Rota”. A Índia também se recusou a assinar os termos da Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês), que é um pacto que inclui disposições sobre comércio de serviços, investimento, resolução de disputas e propriedade intelectual, etc. Mas o pior aconteceu agora em junho de 2020, quando diversos soldados indianos foram feridos ou mortos em confrontos com a força chinesa no Vale de Galwan, na região do Himalaia, no confronto fronteiriço mais grave na região desde 1975. O clima de hostilidade entre os dois países aumentou muito e a Índia, que se opões à aliança entre a China e o Paquistão, tem buscado se aproximar dos EUA tanto em termos de comércio, quanto de aliança militar. A Índia também protesta contra a hidro hegemonia chinesa e a construção de hidrelétricas no Tibete.
A 11ª Cúpula do Brics, ocorreu em novembro de 2019 em Brasília e a 12ª Cúpula, que estava prevista para a cidade de São Petersburgo, na Rússia em julho de 2020, foi feita de forma virtual e esvaziada. Mas tudo ficou incerto com o avanço da pandemia. A própria continuidade do grupo, tal como se encontra hoje, está sob questionamento. O que parece é que Brasil e Índia estão se deslocando do caminho tradicional do BRICS. A pandemia da covid-19 pode acelerar uma crise, que já estava sendo gestada no grupo.
O isolamento do Brasil no grupo BRICS ficou claro durante a semana passada, quando o país ficou desesperado pelos insumos para as vacinas contra a covid-19 vindas dos dois maiores países em termos demográficos. Depois de muita negociação a Índia enviou 2 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca (em parceria com a Fiocruz) produzidas no Instituto Serum, na Índia. No caso da vacina CoronaVac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã parece que os atritos diplomáticos entre o governo Federal e o país do leste asiático estão dificultando a cooperação e mostrando o grau de isolamento brasileiro.
O Brasil deixou de ser um país emergente e virou uma potência submergente, cada vez mais solitária e sem uma perspectiva no horizonte para vencer a pandemia.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Parceria Econômica Global Abrangente (RCEP) e a trilateral China-Japão-Coreia do Sul, Ecodebate, 15/01/2020
ALVES, JED. A Organização de Cooperação de Shangai (OCS) versus o grupo BRICS, Ecodebate, 22/05/2019
ALVES, JED. Ascensão e queda do BRICS, Ecodebate, 11/05/2016
JIM O’NEILL. The BRICs at 20, Project Syndicate, 13/01/2001
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/01/2021
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Muito interessante essa relação do BRICS com a pandemia, parabéns pela reportagem