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Manual do CFMV orienta resgate de peixes em casos de desastres ambientais

 

Manual do CFMV orienta resgate de peixes em casos de desastres ambientais

Manual de Resgate e Assistência à Ictiofauna em Situações de Desastres Ambientais
Manual de Resgate e Assistência à Ictiofauna em Situações de Desastres Ambientais

As queimadas deste ano, no Pantanal, tiveram graves consequências à flora a à fauna e ainda vão gerar sérios impactos ao meio ambiente, inclusive aos recursos hídricos e pesqueiros do bioma. O acúmulo de cinzas e a matéria orgânica poderão afetar a qualidade e disponibilidade de oxigênio na água, causando prejuízos que certamente vão atingir a base da cadeia alimentar dos peixes.

Para reduzir esses efeitos adversos e orientar os profissionais a lidar com cenários extremos, envolvendo a aquicultura e a piscicultura, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) lança o Manual de Resgate e Assistência à Ictiofauna em Situações de Desastres Ambientais.

O guia auxilia na tomada de decisões e na gestão de risco para os resgates das populações de peixes de vida livre ou sob cuidados humanos em situações de desastres ambientais, como incêndios, inundações, tempestades, seca, rejeitos químicos em água, rompimento de barragem e poluição.

Com orientações sobre a avaliação imediata após os desastres, o manual destaca como resgatar, conter e transportar os peixes. Esclarece como construir abrigos temporários e monitorar a qualidade da água, bem como as regras apropriadas de manejo e as possibilidades de interação entre as espécies. O documento aborda aspectos nutricionais e de bem-estar, bem como a avaliação clínica para intervenção médico-veterinária, inclusive nos casos em que a eutanásia é um procedimento a ser considerado.

Construção

O manual publicado hoje no Diário Oficial da União (Acórdão nº 32) é um material complementar, elaborado pelo Grupo de Trabalho de Desastres em Massa Envolvendo Animais (GTDM), o mesmo responsável pela produção do Plano Nacional de Contingência de Desastres em Massa Envolvendo Animais.

O grupo se dedicou à elaboração do documento pelo fato de o Brasil possuir um grande mercado da aquicultura industrial, com um crescimento anual aproximado de 14,2%. Além disso, segundo dados de 2013, da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), aumenta o número desses animais criados como pets pelas famílias brasileiras. Nesse aspecto, os peixes ocupam o quarto lugar no Brasil e o primeiro, no mundo, atualmente. Frente a essa riqueza da fauna e diversidade da sua relação com os seres humanos, o GTDM percebeu a responsabilidade dos cuidados com esses animais em situações de desastres.

A médica-veterinária Laiza Bonela, presidente do GT, explica como foi construído o manual e qual é o seu objetivo.

Por que identificaram a necessidade de fazer um manual específico para peixes?

LB: Ao longo do processo de construção do Plano Nacional de Contingência [de Desastres em Massa Envolvendo Animais], o GT requisitou alguns colaboradores para escrever sobre suas experiências com algumas espécies de animais, principalmente, no que tange aos resgates e tópicos específicos. Com o resgate e assistência à ictiofauna, seguimos esse direcionamento e recorremos a um profissional com expertise no assunto. Porém, ao nos depararmos com o material, percebemos sua riqueza de detalhes e aprofundamento técnico, o que nos despertou para a necessidade de construir um documento específico para os peixes e utilizar uma versão mais compacta e direta dentro do plano.

Quais são as grandes questões respondidas pelo manual?

LB: O que existe é uma deficiência muito grande no conhecimento por parte de técnicos e profissionais em relação ao manejo, assistência e resgate de peixes. Nos últimos anos, em situações de desastre ou de medidas de prevenção de risco, como as evacuações preventivas, por exemplo, os criatórios de peixes sempre eram um ponto de fragilidade e preocupação para os atores envolvidos. Perguntas simples, como: Quais espécies podem viver juntas? Como transportar esses animais? Qual é o manejo adequado? Como podemos alimentá-los? Como assegurar a qualidade de vida desses animais? Eram perguntas recorrentes e que desafiavam nosso trabalho em campo, bem como as instruções e orientações a serem fornecidas aos locais atingidos e/ou em risco.

O que o GT espera com o manual?

LB: Acreditamos que o documento possa mudar o olhar dos profissionais envolvidos nos cenários de desastres sobre a real complexidade que permeia a ictiofauna, bem como fornecer instruções técnicas de qualidade e robustez científica para serem aplicadas de forma adaptada a cada realidade, culminando em melhores estratégias de manejo, bem-estar e qualidade de vida desses animais, que por muitas vezes passam despercebidas nos planos de ação.

Quais os próximos passos?

LB: Por enquanto, nosso principal propósito é que o documento possa ter ampla divulgação e alta capilaridade. Seria bem importante que todos os profissionais envolvidos no atendimento e resgate de animais em situações de desastre estejam atentos ao material e cientes dessa responsabilidade. Claro que, quando essa ciência ocorrer, muitas dúvidas e questões poderão surgir e isso é ótimo! Assim, poderemos estruturar uma capacitação mediante essas demandas e entender a melhor forma de levá-la às diversas localidades.

Expertise

Para a elaborar o Manual de Ictiofauna, o grupo contou com diferentes profissionais e habilidades, entre eles, o médico-veterinário Lucas Belchior Souza de Oliveira, mestre em zoologia de vertebrados (conservação e comportamento). Por ser assistente técnico designado pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais para atuar na perícia, em casos de maus-tratos contra animais, e por ter experiência no atendimento a animais silvestres e medicina comportamental de animais, contribuiu com os aspectos de medicina e bem-estar de peixes neotropicais.

Durante a graduação e o mestrado, teve a oportunidade de trabalhar com peixes, principalmente em clínica, bem-estar e comportamento desses animais, quando mantidos sob cuidados humanos. Atuou em Brumadinho, após o rompimento da barragem de rejeitos de mineração do Córrego do Feijão, e sentiu na prática a necessidade de um plano voltado aos peixes, principalmente, os de água doce.

A alteração do ambiente aquático é imediatamente vinculada aos efeitos de sobrevida dos organismos da água e o tempo de resposta, nessas situações, deve ser rápido para que a preservação da vida aquática seja mantida”, explica.

Segundo Oliveira, a experiência de resgate de peixes em situações de desastre ainda é bem escassa no Brasil e grande parte das atividades exercidas nos desastres foi a avaliação post mortem, como parte do exame pericial na cadeia de custódia. Para ele, o material servirá como base para que outros organismos aquáticos possam ter a chance de uma resposta adequada e o direito à vida.

O manual surge como um alicerce para que os profissionais no Brasil que possuem experiência com fauna aquática, possam iniciar suas documentações frente à realidade de resgate e cuidados com a ictiofauna em diferentes situações, como por exemplo, acidentes com fauna marinha, em açudes, brejos, dentre outros”, opina.

Para a construção do manual, Oliveira revela que foram consultadas as fontes básicas de medicina de peixes, assim como a bibliografia referente à medicina de desastres no mundo. “A contribuição foi essencial para que esse plano surgisse de forma adequada, através da troca de experiência com médicos-veterinários, biólogos e zootecnistas”. Além dos integrantes do GT, Oliveira destaca a participação do médico-veterinário Marcelo Duarte Ventura Melo, mestre em biologia de vertebrados com foco em zoomorfologia de espécies neotropicais, por ter compartilhado os conhecimentos de criação e reprodução de peixes.

A expectativa, de acordo com Oliveira, é que as outras áreas possam contribuir da mesma forma que o profissional médico-veterinário. “Principalmente considerando que a abordagem com organismos aquáticos depende de uma atuação multidisciplinar, em termos de cuidados com o ambiente, com a sociedade e com os demais animais que também interagem com a ictiofauna”, reforça.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 09/12/2020

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