O Ecocídio como possível crime internacional
O Ecocídio como possível crime internacional
O advogado internacional Philippe Sands QC e a juíza internacional Florence Mumba copresidirão um painel de especialistas que trabalhará na definição jurídica de “ecocídio”, como um possível crime internacional que coexistiria com os Crimes de Guerra, o Genocídio e os Crimes Contra a Humanidade.
Convocado pela Fundação Stop Ecocide, a pedido de vários parlamentares dos partidos que governam na Suécia, o painel foi iniciado com trabalhos preparatórios, neste mês, e estará pronto para redigir a definição nos primeiros meses de 2021.
A reportagem é publicada por Ecoticias, 18-11-2020. A tradução é do Cepat.
O conceito de tipificar como crime em nível mundial o dano em massa e a destruição dos ecossistemas (ou seja, o “ecocídio”) ganhou força nos últimos meses, desde que na Assembleia Anual dos Estados Parte do Tribunal Penal Internacional, realizada no último mês de dezembro, os pequenos Estados insulares de Vanuatu e das Maldivas pediram para que fosse “seriamente considerado”.
O presidente Macron da França se comprometeu a defender a ideia de forma ativa, e o recém-formado governo belga prometeu a apoiar em nível diplomático. Agora, uma impressionante lista de advogados internacionais e ambientalistas de renome se encarregará de o definir da melhor maneira possível.
O momento em que isto acontece é muito forte. Nesta sexta-feira, 20 de novembro, completam-se exatamente 75 anos do início, em 1945, dos julgamentos de Nuremberg de altos oficiais nazistas, e Philippe Sands QC, copresidente do painel de redação do Ecocídio, estará entre os oradores do ato cerimonial que será celebrado na histórica Sala 600 do Tribunal de Nuremberg, onde ocorreram os julgamentos.
O premiado livro de Sands, East West Street, documenta tanto as origens como os advogados que estão por trás dos termos Crimes Contra a Humanidade e Genocídio, utilizados pela primeira vez nessa mesma sala. A história se entrelaça com a própria história familiar de Sands, já que estes advogados (Hersch Lauterpacht e Rafael Lemkin, respectivamente) estudaram na cidade natal do avô judeu de Sands.
Agora, a carreira que Sands escolheu e sua especialização em direito internacional público e ambiental o levam a fechar o círculo com a definição de um novo crime internacional – o Ecocídio –, no contexto de uma nova ameaça mundial: a crise climática e a perda da biodiversidade.
“Chegou o momento”, disse Sands, “de utilizar o poder do direito penal internacional para proteger nosso meio ambiente mundial. Há 75 anos, falou-se pela primeira vez de Crimes Contra a Humanidade e de Genocídio, na Sala 600 do Tribunal de Nüremberg, e espero que este grupo seja capaz de aproveitar a experiência adquirida, desde aquele dia, para forjar uma definição que seja prática, eficaz e sustentável, e que atraia o apoio necessário para que seja realizada a emenda ao Estatuto do Tribunal Penal Internacional.
É um privilégio trabalhar com um grupo tão magnífico e representativo, à sombra e com o espírito daqueles que nos proporcionaram os crimes contra a humanidade e o genocídio: Hersch Lauterpacht e Rafael Lemkin”. Uma lista de juízes e advogados de muito peso se uniu a Sands no painel de redação. A copresidente, Florence Mumba, é juíza do Tribunal do Khmer Vermelho e ex-juíza do Supremo Tribunal na Zâmbia.
“É uma honra para mim participar. O crime internacional de ecocídio pode ser importante no sentido de que a responsabilidade individual/estatal possa ser regulamentada para conseguir o equilíbrio que permita a sobrevivência tanto da humanidade como da natureza”, sugere Mumba. Jojo Mehta, presidente da Fundação Stop Ecocide, explica a importância do projeto. “Houve definições funcionais de ecocídio, ao longo dos anos, e o conceito geral – dano em massa e destruição de ecossistemas – é compreendido de forma razoável.
No entanto, quando os parlamentares de vários países, dos Estados europeus às ilhas do Pacífico, examinarem esta definição diante de uma possível proposta no Tribunal Penal Internacional, o texto que surgir nos próximos meses deverá ser claro e juridicamente sólido, ao mesmo tempo. É fundamental que o grupo de redação conte com profundos conhecimentos jurídicos pertinentes, assim como com uma ampla perspectiva geográfica”.
Mehta está entusiasmada com os integrantes do painel: “Não poderíamos estar mais contentes com o alto nível de especialistas que este projeto atraiu. Isso demonstra o reconhecimento dentro do mundo jurídico de que o Ecocídio pode e deve ser considerado como um dos mais graves crimes que preocupam a humanidade em seu conjunto, junto ao Genocídio e os Crimes Contra a Humanidade. É uma honra trabalhar com estes juízes e advogados e é um momento extraordinário para lançar o projeto, já que estamos recordando os primeiros julgamentos internacionais, que são os de Nuremberg”.
Painelistas e comentários
Também fazem parte do painel o ex-juiz do Tribunal Penal Internacional, Tuiloma Neroni Slade, de Samoa, no Pacífico, onde os Estados insulares já estão sentindo os efeitos da mudança climática com o aumento do nível do mar e os fenômenos meteorológicos extremos, e Pablo Fajardo, o premiado advogado equatoriano que enfrentou a Chevron pela poluição em massa de petróleo na mata amazônica.
Fajardo explica: “Vivo na Amazônia equatoriana. Daqui, sou testemunha da forma como diariamente são cometidos crimes contra a Natureza, contra a vida. Estes crimes afetam a humanidade, não ficam restritos ao Equador… e ficam impunes devido ao grande vazio legal que existe em nível mundial”.
A professora Christina Voigt (Universidade de Oslo), presidente do Grupo de Especialistas em Mudança Climática da Comissão Mundial de Direito Ambiental da UICN (União Internacional para a Conservação da Natureza) e membro do Grupo de Tarefas sobre a Mudança Climática da UICN, vê um possível elemento dissuasivo no novo crime: “Assistimos a uma destruição sistêmica, generalizada e deliberada do meio ambiente, sem consequências evidentes. O estabelecimento de que, acima de um certo limite de gravidade, essas ações ou omissões são crimes poderia não apenas levar os responsáveis à justiça, como também, o que é mais importante, impedir uma destruição maior”.
O advogado painelista internacional Richard J. Rogers, sócio-fundador da Global Diligence LLP e copresidente deste painel de juristas, esboça o desafio de desenvolver uma definição: “Por um lado, o novo crime que for estabelecido deve buscar abordar as piores violações cometidas contra o meio ambiente natural ou sistemas atmosféricos. Por outro, deve satisfazer as normas básicas do direito penal, incluindo a segurança jurídica e a causalidade”.
Rodrigo Lledó é o diretor da Fundação Internacional FIBGAR, do renomado juiz penalista Baltasar Garzón. Seu interesse é “contribuir para a construção de uma definição muito consistente de Ecocídio, aplicável por qualquer juiz… todo aquele que realizar uma atividade que acredite ter um alto risco de causar danos severos à natureza, deve tomar as precauções adequados, caso contrário, a pessoa deve ser considerada responsável”.
O crescente apoio dos Estados
Existe um crescente apoio internacional à iniciativa de tornar o ecocídio um crime internacional. Em dezembro passado, os pequenos Estados insulares de Vanuatu e das Maldivas pediram para que se considerasse seriamente o crime de ecocídio na Assembleia anual do Tribunal Penal Internacional. Em inícios deste ano, o movimento operário sueco solicitou que a Suécia encabeçasse a proposta. Em junho, o presidente Macron da França prometeu fazer a defesa no cenário internacional.
O Papa Francisco também declarou que acredita que o ecocídio deveria ser acrescido à lista de crimes internacionais e, recentemente, recebeu Valérie Cabanes, membro da Junta Consultiva de Stop Ecocide, em uma audiência. Há um mês, o recém-formado governo belga se comprometeu a “tomar medidas diplomáticas para deter o crime de ecocídio”, e acabam de ser apresentadas duas moções sobre o ecocídio no parlamento sueco, uma do Partido de Esquerda e outra dos Verdes/social-democratas.
Detalhes completos do painel de redação
Presidentes
– Juiz Philippe Sands QC (Reino Unido/França), Matrix Chambers / UCL;
– Juíza Florence Mumba (Zâmbia), juíza internacional, Câmaras Extraordinárias dos Tribunais do Camboja e ex-juíza da Supremo Tribunal na Zâmbia.
Vice-presidentes
– Kate Mackintosh (Reino Unido/Estados Unidos), diretora executiva, Promise Institute, UCLA;
– Richard Rogers (Reino Unido), sócio-fundador da Global Diligence LLP.
Membros do painel
– Rodrigo Lledó (Chile), diretor da fundação FIBGAR de Baltasar Garzón;
– Juiz Neroni Slade (Samoa), ex-juiz da CPI;
– Syeda Rizwana Hasan (Bangladesh), diretora da Associação de Direito Ambiental de Bangladesh;
– Prof. Charles Jalloh (Serra Leoa), Comissão de Direito Internacional/Univ. da Flórida;
– Valérie Cabanes (França), jurista internacional e especialista em direitos humanos;
– Pablo Fajardo (Equador), principal advogado no caso da Chevron, ganhador do Prêmio Goldman e do Prêmio ao Herói da CNN;
– Profa. Christina Voigt (Noruega), especialista em direito climático, Univ. de Oslo.
Convocadora
– Jojo Mehta, presidente da Fundação Stop Ecocide.
Nota da redação EcoDebate: sobre o tema Ecocídio recomendamos que leia, também:
Ecocídio, entenda o que é e suas consequências
(EcoDebate, 23/11/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]
Saiba sobre Ecocídio, no canal do EcoDebate no Youtube
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