Estudo confirma relação entre diabetes e prejuízo da memória em idosos
Estudo confirma relação entre diabetes e prejuízo da memória em idosos
André Julião | Agência FAPESP
Estudo publicado no Journal of Diabetes por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em Belo Horizonte, mostrou a relação direta entre diabetes e prejuízo da memória em pessoas com mais de 50 anos.
Os dados que permitiram as conclusões são um recorte do Estudo Longitudinal de Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). Financiado pelos ministérios da Saúde (MS) e da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), o ELSI-Brasil é coordenado por Maria Fernanda Lima-Costa, pesquisadora do Instituto René Rachou da Fiocruz, em Belo Horizonte. No trabalho, foram entrevistadas 9.412 pessoas com mais de 50 anos de idade, em 70 municípios das cinco regiões do Brasil, para avaliar o estado de saúde dessa população.
Para o estudo de diabetes e cognição, foram analisadas as informações de 1.944 participantes do ELSI-Brasil. O trabalho foi coordenado por Tiago da Silva Alexandre, professor do Departamento de Gerontologia (DGero) da UFSCar, onde coordena o Laboratório de Epidemiologia e Envelhecimento (Lepen). O trabalho integra um projeto financiado pela FAPESP.
“O ELSI-Brasil é representativo da população idosa do Brasil e segue os protocolos de estudos longitudinais realizados em outros países. Dos quase 10 mil participantes, cerca de 4 mil fizeram o teste de hemoglobina glicada, que auxilia no diagnóstico do diabetes mellitus tipo 2, o mais comum. Nosso olhar foi voltado para uma parte dessa amostragem, a fim de entender a relação da doença com o declínio cognitivo”, explica Alexandre, que orienta pesquisa de mestrado de Natália Cochar-Soares, primeira autora do artigo.
Além do exame que auxilia na detecção do diabetes, os participantes escolhidos fizeram ainda testes de memória, função executiva e linguagem, respondendo a uma série de questões que detectam maior ou menor prejuízo nessas funções.
Os participantes foram divididos em três grupos: não diabéticos, cujos níveis de hemoglobina glicada estavam abaixo da taxa que caracteriza a doença; diabéticos diagnosticados, que já tinham recebido diagnóstico anteriormente por um profissional de saúde e relataram esse fato na entrevista; e diabéticos não diagnosticados, que afirmaram nunca terem recebido diagnóstico, mas cujo exame feito durante o estudo indicou diabetes.
Nos três grupos, os resultados não foram significativos para perda de fluência verbal e função executiva. Nos testes de memória, porém, o grupo dos diabéticos mostrou uma ocorrência 49% maior de prejuízo do que o dos não diabéticos, como era esperado. Estudos de outros grupos vêm mostrando, há anos, a associação entre as duas condições. Quando somados os diabéticos com os não diagnosticados, a relação diminuiu para 38%, ainda significativo.
Segundo o pesquisador, isso pode se dar pelo fato de os não diagnosticados estarem há menos tempo expostos à doença e, por isso, ainda não sofrerem tanto suas consequências. “No começo, os sintomas ainda não se manifestaram a ponto de fazer as pessoas procurarem ajuda médica. Provavelmente esse é um dos fatores pelos quais elas ainda não tinham sido diagnosticadas”, diz Alexandre.
Quando somados os diabéticos não diagnosticados com os não diabéticos, a associação com o prejuízo da memória foi de 46%. “Quando se considera apenas o autorrelato, é como se não houvesse associação da doença com o prejuízo da memória, uma vez que até então eles eram classificados como não diabéticos. É um erro de classificação dos indivíduos. O impacto do diabetes não diagnosticado nessa associação era desconhecido antes da pesquisa”, esclarece o pesquisador.
Declínio gradual
A hiperglicemia (excesso de glicose no sangue) causada pelo diabetes provoca alterações vasculares, que com o tempo geram microlesões no córtex cerebral. Além disso, pode formar placas nos vasos sanguíneos, comprometendo a circulação no cérebro e causando inflamações.
Por sua vez, a hipoglicemia (baixa taxa de glicose no sangue), que também é uma consequência do diabetes, pode ter como consequência a morte celular, devido à baixa quantidade de energia disponível para as células do sistema nervoso central. Uma alteração específica de diabéticos é a diminuição do hipocampo, área do cérebro onde são formadas as memórias. Por fim, o diabetes diminui a chamada transmissão colinérgica, importante na formação da memória.
“Não encontramos associação com a perda de função executiva e a linguagem. Outros estudos mostram que, em geral, primeiro vem o declínio da memória e depois o da linguagem e da função executiva. Daí a importância de diagnosticar precocemente os indivíduos que têm diabetes. Dessa forma, eles não ficam expostos por muito tempo a altas glicemias e, consequentemente, consegue-se prevenir que tenham prejuízo da memória”, avalia.
O trabalho também chama a atenção para a necessidade de classificar corretamente os participantes de estudos desse tipo. Normalmente identificados como portadores da condição com base apenas no relato pessoal, muitas vezes podem ser diabéticos que ainda não foram diagnosticados.
Alexandre coordena o International Collaboration of Longitudinal Studies of Aging (InterCoLAging), consórcio de estudos longitudinais que, além do ELSI-Brasil, envolve o ELSA Study, da Inglaterra, e o Mexican Health and Aging Study, do México. A ideia agora é comparar os resultados brasileiros com os de outros países.
O artigo Does undiagnosed diabetes mitigate the association between diabetes and cognitive impairment? Findings from the ELSI-Brazil study pode ser lido em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/1753-0407.13074.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 15/10/2020
Nota da redação: Sobre o tema “Diabetes” recomendamos que leiam, também:
Entenda Melhor O Diabetes Mellitus Tipo 2
Mitos E Verdades Sobre O Diabetes
Diabetes: Você Conhece Bem Essa Doença?
Diabetes É Fator De Risco Para Insuficiência Renal
Entenda Porque Diabéticos Sofrem De Má Circulação Sanguínea
Diabetes E As Amputações Dos Membros Inferiores, Como Prevenir?
Rotina Saudável Contribui Para Afastar O Risco E A Controlar Melhor O Diabetes
Diabetes Afeta Rotina Familiar De 80% Dos Pacientes; Estudo Mostra Desafios Para Enfrentar A Doença Com Qualidade De Vida
Dia Mundial Do Diabetes: A Importância Do Tratamento Para Melhor Convívio Com A Doença
CONTEÚDO SUGERIDO / PUBLICIDADE
[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]
Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,
Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.
O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.
Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.