Benefícios previdenciários por doenças psiquiátricas e as cessações injustas
Benefícios previdenciários por doenças psiquiátricas e as cessações injustas
É bastante comum as cessações injustas dos benefícios previdenciários por doenças psiquiátricas
Artigo de Carla Benedetti
[EcoDebate] As doenças de natureza psiquiátrica têm aumentado exponencialmente. Por influência dos tempos modernos, com a aceleração da comunicação e a pressão social, as crises de ansiedade, angústia, depressão, bipolaridade, pânico, psicoses e esquizofrenias têm se tornado cada vez mais comuns dentro dos requerimentos de benefícios por incapacidade do INSS.
Como se não bastasse, a situação se agravou no período de pandemia, aumentando os casos de suicídio e tentativa de suicídio, conforme avaliação dos socorristas do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). O pânico instaurado durante o período pandêmico, tanto por conta do número de doentes e mortes ocorridas, como pela situação de desemprego, falência e depressão econômica, acrescido à intensa solidão proporcionada pelo isolamento social, deram lugar, infelizmente, a um crescimento exponencial de pessoas que sofrem com as doenças psiquiátricas.
Os impactos à saúde mental trazem consequências também ao orçamento previdenciário: o número de requerimentos de benefícios previdenciários no INSS de natureza psiquiátrica está entre os primeiros colocados. Para isso, inclusive, há o fornecimento de uma estatística pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho em que se observa que a demanda para a concessão desta espécie de benefício tem sido alta, muito embora haja uma certa dificuldade em sua concessão, tendo em vista o entendimento preconceituoso da sociedade, inclusive a médica, sobre o assunto.
Ainda segundo estatísticas da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, entre 2016 a 2018, os pedidos de auxílio doença e benefícios assistenciais, em decorrência de transtornos mentais, só possuem menor incidência em relação aos de natureza ortopédica. Em 2018, por exemplo, houve a concessão de 102.458 requerimentos referentes a transtornos mentais e comportamentais, atrás, somente, de pedidos relacionadas às enfermidades osteomusculares (233.365). Ademais, de modo mais gravoso, foram cessados 230.666 benefícios de natureza psiquiátrica.
E mesmo com o aumento, em plena pandemia, do número de pedidos do INSS por conta dos transtornos mentais, o cenário não é de alento quanto à proteção social que o Estado deveria garantir a essas pessoas, pois o governo irá revisar mais de 1,7 milhões de benefícios por incapacidade. Tal medida, conhecida popularmente como pente-fino, foi iniciada no governo Temer e continua na gestão atual por meio da revisão administrativa prevista na Lei 8.212/91, e reforçada pela Lei 13.846.
Por meio de tal revisão pericial relativa aos benefícios por incapacidade, os segurados receberão uma carta comunicando sobre a revisão e terão 60 dias para enviar os documentos. Caso não o façam, terão os benefícios suspensos, sendo que após 30 dias de suspensão, caso o beneficiário não faça os procedimentos, terá o pagamento bloqueado.
Frisa-se, todavia, que tal procedimento se dá de forma unilateral e, para tanto, a oportunidade de defesa do segurado fica prejudicada, uma vez que os métodos e critérios utilizados para a revisão de tais benefícios são muito subjetivos. Assim, é bastante comum as cessações injustas e que trazem um prejuízo financeiro e psicológico significativo ao segurado, com uma grande diminuição na qualidade de vida e nas condições essenciais para a manutenção de uma existência digna.
Convém lembrar, em que pese ser alto o número de requerimentos de benefícios por incapacidade no que se relacionam às doenças mentais e psiquiátricas, a dificuldade que o segurado do INSS tem de pleitear e de ter aceito o seu benefício. O número de negativas ou de cessações injustas são tão grandes quanto o despreparo de uma sociedade que não está acostumada a lidar com as dificuldades psicológicas, com as imperfeições, as profundas tristezas, e que podem, naturalmente, acometer qualquer um que se encontra em uma situação desesperadora ou de crise existencial.
Afinal, como cita a filósofa e psicanalista Viviane Mosé: “o sofrimento mais intenso é próprio da vida, da formação dos corpos, não há como negá-lo. Eliminar o sofrimento é o mesmo que eliminar a vida”. Por isso, as doenças mentais se perpetuam em uma comunidade pouco acolhedora. Ainda por extensão, as psicoses, esquizofrenias e bipolaridades também se inter-relacionam com as influências externas, em combinação com as características biológicas.
Por isso, vale a reflexão que Mosé, em “Nietzsche Hoje”, nos deixa a respeito do suicídio e das doenças mentais: “Vivemos uma exaustão ambiental em consequência de um modo predatório de lidar com os recursos naturais, vivemos uma exaustão econômica, em função das imensas desigualdades sociais, do desemprego. E, por fim, enfrentamos a exaustão humana, ou melhor, a exaustão do modelo de ser humano que criamos”.
Carla Benedetti, advogada, mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP, associada ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), coordenadora da pós-graduação em Direito Previdenciário e Direito do Trabalho do IDCC (Instituto de Direito Constitucional e Cidadania) e da pós-graduação em Direito Previdenciário do Estratégia Concursos
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 24/09/2020
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