Ou o Brasil muda o rumo político-climático, ou pereceremos em rede
Ou o Brasil muda o rumo político-climático, ou pereceremos em rede
Artigo de Elissandro Santana
[EcoDebate] A situação brasileira em relação às mudanças climáticas não é tão simples de explicar, pois exige pesquisas no campo da História, da Sociedade, da Economia, da Política e do Meio ambiente.
Dependendo do governo no poder, caso seja progressista, o compromisso, ou, pelo menos, o discurso voltado para as questões ambientais tende para uma vertente de cooperação e de compromisso com os organismos internacionais e nacionais preocupados com as questões ambientais, dentre elas, o aquecimento global, ou, no caso de um político conservador, além de não apresentar propostas ou compromisso socioambiental, muitas vezes, pode adotar uma perspectiva reativa de combate aos saberes científicos frutos de resultados de pesquisa sobre as mudanças climáticas e ambientais pelas quais o mundo vem passando.
De modo sucinto, pode-se afirmar que o Brasil precisa, com urgência, de mais pesquisas científicas que mapeiem e explicitem as principais vulnerabilidades concernentes às mudanças climáticas, ainda que já tenhamos dados e resultados a partir do INPE e de outras instituições, quase sempre, iniciativas isoladas em pesquisas de pós-graduação em universidades públicas (em especial, nas federais), estaduais e em algumas instituições particulares. Ainda nesse sentido, cabe destacar que o Brasil demanda estudos observacionais com vistas à relação entre eventos e desastres ambientais em âmbito nacional e local como consequência direta do aquecimento global.
No que concerne às políticas públicas no país, nas quatro gestões governamentais anteriores, ainda que minimamente, o Brasil, de alguma forma, se comprometeu com as questões climáticas a partir dos acordos internacionais, mesmo que, na prática, muito do que deveria ter sido feito ficou apenas no discurso ou na inércia da execução. Por outro lado, se o Brasil não fez o dever de casa, por completo, em períodos anteriores, na gestão atual, ou seja, no Governo Bolsonaro, a situação é ainda mais grave, com o país diante de uma crise climático-ambiental, pois estamos envoltos por uma política negacionista e isso interfere nas noções empresariais e industriais sobre as mudanças no clima, fato deveras perigoso, dado que a partir da negação, deixa de haver a pressão e a cobrança acerca das políticas ambientais locais em torno de um projeto de respeito ao meio ambiente e ao clima.
No cenário político atual, o atual presidente já fez declarações através da mídia tradicional ou até mesmo a partir de suas redes sociais que demonstram posicionamentos reacionários, desconhecimento e falta de vontade política acerca das questões ambientais e sobre as mudanças climáticas, em geral.
No que concerne aos posicionamentos do atual presidente sobre o clima, aquecimento global, políticas de combate às emissões de poluentes pelas indústrias, desmatamento e áreas ambientais que requerem proteção ou conservação, seu discurso e primeiras medidas, logo no início do mandato, criaram e seguem criando um cenário de incertezas e a prova cabal dessa afirmação se confirma no aumento de áreas desmatadas em quase todos os biomas do país, em especial, na Amazônia, na Mata Atlântica, no Cerrado e no Pantanal.
Diante do atual retrato brasileiro, com um governo conservador e retrógrado político-econômico-sócio-ambientalmente, portanto, não comprometido com as pautas socioambientais, teme-se que o Brasil abandonará muitos dos acordos voluntários com os quais se comprometeu internacionalmente no tocante ao meio ambiente e ao clima, como, por exemplo, a posição dúbia e contraditória acerca do acordo de Paris, fato noticiado por diversas mídias no Brasil e no exterior.
O cenário de abandono em torno das demandas ambientais cria um terreno para perdas econômicas, para a retirada de investimentos estrangeiros, como o fundo internacional para a Amazônia, dado que muitos países europeus com algum nível de consciência político-ambiental-economicamente recebem com desconfiança, a gestão atual no que diz respeito às ações sobre preservação e conservação do capital natural brasileiro. Essa desconfiança se configura em forma de boicote à compra de produtos brasileiros oriundos de produção em áreas desmatadas diante da inércia político-ambiental de Bolsonaro.
Na verdade, mais do que inércia, há uma agenda governamental na contramão da preservação do meio ambiente no Brasil e isso pode ser comprovado a partir da tentativa de flexibilização de leis de proteção à floresta durante o Governo Bolsonaro e Gestão do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que, comprovadamente, segundo informações na grande mídia e nas mídias independentes, desaparelhou os órgãos de proteção ambiental como o IBAMA e o ICMBIO. Tal fato pode ser confirmado a partir de diversas matérias jornalísticas publicadas desde 2019 e, principalmente, em 2020.
O quadro atual é tão preocupante que, em matéria da BBC, com título “MPF pede afastamento de Ricardo Salles do Cargo de Ministro do Meio Ambiente, Shalders (2020) podemos ver que as ações se baseiam no fato de que, segundo o MPF, esses atos estão agrupados em quatro categorias: desestruturação normativa (quando decisões assinadas por Salles teriam contribuído para enfraquecer o arcabouço de leis ambientais); desestruturação dos órgãos de transparência e participação (como no episódio do esvaziamento de conselhos consultivos); desestruturação orçamentária; e desestruturação fiscalizatória, que diz respeito ao desmonte de órgãos de fiscalização ambiental, como Ibama e ICMBio. A ação traz ainda um pedido cautelar de afastamento de Salles, isto é, que possa ser atendido pela Justiça antes mesmo do julgamento do mérito do caso. Para os procuradores, a permanência de Salles no cargo pode trazer consequências irreparáveis para o meio ambiente.
A partir dessa realidade, ou seja, da ausência de uma política ambiental de proteção no país, ou, dito de outro modo, frente a uma agenda de desaparelhamento dos órgãos de proteção ambiental, fica até inviável tecer quaisquer análises sobre as estratégias necessárias para a redução de poluentes e, consequentemente, para a mitigação dos gases de efeito estufa, pois tais políticas estão ausentes na gestão executiva federal atual.
No mais, sabemos que são muitas as ações e frentes que interferem na dinâmica climática e, consequentemente, no que concerne às mudanças climáticas e ao aquecimento global. Nesse âmbito, atualmente, o Brasil se destaca entre as nações mais poluidoras do mundo.
Nesse sentido, fazendo uma análise histórica em torno dos maiores poluidores, veremos que “Desde o meio do século 19, os Estados Unidos se mantiveram como o país que mais emite gases de efeito estufa por ano. Essa realidade só mudou em 2005, quando a China, movida por uma forte industrialização baseada na queima do carvão, ultrapassa os americanos. Rússia (e a antiga União Soviética), Índia, Alemanha e Japão também são países que aparecem entre os maiores emissores. O Brasil aparece no ranking apenas no final do gráfico, quando se torna um dos maiores emissores, no final da década de 1980. Em 2016, o último ano da série histórica coberta pelo gráfico, o Brasil figura como o sexto maior emissor anual, mostrando a importância e a necessidade de o país adotar políticas de baixo carbono. Nos cálculos mais atuais, considerando os anos mais recentes, que não entraram no gráfico, o Brasil passa a ser o sétimo maior emissor”1. No mesmo portal citado, é possível ver a posição ocupada pelo Brasil em 2016 em relação à emissão de poluentes:
Gráfico produzido pela WRI Brasil a partir da Climate Watch
No caso brasileiro, o que mais tem contribuído para o aumento das emissões de gases de efeito estufa é o desmatamento para uso do solo pela agropecuária e outros meios, ainda que setores como a indústria também contribuam para este alto índice de emissão. Com respeito ao desmatamento, por exemplo, um dos pontos que coloca o Brasil como um dos mais poluidores em emissão de CO2, ao longo da história, pouco se combateu, ainda que o país possua legislação ambiental sobre esta questão. Um fato que confirma esse quadro é que a fronteira agrícola continua avançando até a região amazônica e destruindo outros biomas como a Mata Atlântica que, atualmente, segundo a SOS Mata Atlântica, apesar de abranger aproximadamente 15% do território nacional, em 17 estados, restam apenas 12,4% da floresta que existia originalmente.
Em relação ao Inventário Nacional de Emissões, é importante mencionar que o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, o MCTIC, já apresentou à sociedade alguns relatórios e documentos sobre Estimativas Anuais de Emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) e que esta questão está prevista juridicamente a partir do Decreto 7.390/2010, regimento jurídico que regulamenta a Política Nacional sobre Mudança do Clima.
A partir de relatórios ou de outros documentos elaborados e divulgados pelo MCTIC, a comunidade científica brasileira, a sociedade em geral e o próprio governo têm acesso a dados e informações sobre a situação climática do país e, desta forma, informa-se às organizações internacionais preocupadas com os problemas do aquecimento global e suas consequências.
O compromisso voluntário do Brasil no que se refere às problemáticas ambientais de diminuição das emissões de GEEs no mundo até o final desta década foi firmado na 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, ou seja, na COP 15, em Copenhague, no ano de 2009, mas, nos próximos anos, esse compromisso pode ser desfeito, ao que tudo indica, a não ser que o novo governo adote novas posturas, o que, até o momento, parece não ocorrer.
Com respeito ao trabalho de pesquisa que o Brasil desenvolve sobre estudos climáticos e espaciais, cabe destacar que o INPE se configura como Órgão Específico Singular do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), criado para a promoção e a execução de estudos, pesquisas científicas, desenvolvimento tecnológico e capacitação de recursos humanos no âmbito da Ciência Espacial e atmosférica, aplicações espaciais, meteorológicas e de engenharia tecnológica espacial, sempre se baseando em políticas e diretrizes elaboradas e pensadas pelo MCT.
Ainda no que concerne ao inventário de emissões de gases de efeito estufa no Brasil, a partir de dados na página do Ministério do Meio Ambiente (MMA) tem-se que as emissões por fontes e as remoções por sumidouros dos gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal devem ser periodicamente relatadas, de acordo com os compromissos assumidos diante da Convenção sobre Mudança do Clima.
Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, como parte relevante da Comunicação Nacional do Brasil à Convenção sobre Mudança do Clima, o Inventário de Emissões e Remoções Antrópicas de Gases de Efeito Estufa não Controlados pelo Protocolo de Montreal trouxe ao conhecimento do público dados relevantes sobre as emissões brasileiras. Os primeiros Inventários dos países em desenvolvimento tomaram como base o ano de 1994. Naquele ano, a principal fonte de CO2 no Brasil foi o setor de Mudança no Uso da Terra e Florestas, com uma participação ao redor de 75% das emissões. Em seguida, aparecia o setor energético com emissões de CO2 em torno de 23% do total.
O Brasil que deveria ser um dos líderes no que tange às políticas de mitigação ambiental climática, no combate às vulnerabilidades ao clima, infelizmente, afunda em negacionismos sobre o clima em decorrência da posição de cunho ideológico em sintonia com o atual governo estadunidense, a partir da figura de Donald Trump. Alinhado discursivo-ideologicamente com os Estados Unidos, além de não tomar as medidas necessárias para o combate às mudanças climáticas que, ano após ano, se tornam extremas em algumas partes do planeta, em especial, naquelas partes em que mais houve destruição da natureza e vulnerabilidades sócio-político-ambientais, o Brasil começa a adotar discursos de saída de acordos do clima que foram assinados em gestões anteriores e aqui me refiro aos governos de FHC e, principalmente, às gestões de Lula e de Dilma.
* Elissandro Santana é Professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, revisor da Revista Latinoamérica, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 07/09/2020
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