Black Lives Matter – Menino do Rio
Black Lives Matter – Menino do Rio
Artigo de Márcia Gomes de Oliveira
[EcoDebate] “Menino do Rio…. Eu canto para Deus proteger-te“, escreveu Caetano Veloso, em 1978. Hoje, 8 em cada 10 presos em flagrante no Rio de Janeiro são negros.
Praias em tempos de Covid-19. Ipanema, 10 horas da manhã de sexta-feira. Corpos ao sol e cangas estendidas na areia, em desrespeito solene ao decreto municipal de contenção do Novo Coronavírus. Mas isso não é um problema, se você não for preto pobre.
Tenho ido à praia de Ipanema, desde que foram liberadas para prática de atividade individual no mar. Nesta primeira fase de flexibilizacao, fazia o que era permitido: deixava minha sacola na areia e ficava na água até o momento de ir embora, com o uso de máscara. Percebi que nesse primeiro momento, eram poucas as pessoas que cometiam a infração de esticar suas cangas e se deitarem ao sol. Os policiais gentilmente informavam ao infrator que não era permitido ficar na areia e estender cangas, depois dessa conversa amigável, iam embora. Neste momento, não havia presença de moradores das favelas e subúrbios do Rio na praia. A grande maioria dos frequentadores era residentes próximos que chegavam sem acessórios, como bolsa e guarda-sol.
Quem faz atividade esportiva no mar? Quem pode entrar direto na água sem deixar acessórios na areia? Quem pode ir à praia de Ipanema apenas para dar um mergulho e voltar para casa, sem precisar utilizar transporte público? A praia de Ipanema era ocupada por poucos corpos brancos.
Mais recentemente, além do mar, também foi autorizado fazer esportes na areia com o uso de máscara. Nesta segunda fase, o número de pessoas na areia aumentou muito. O PM, em seu novíssimo triciclo ou a pé, continua informando que não é permitido estender canga, fixar cadeira e guarda-sol. Observo a cena repetidas vezes: um policial gentil que informa e uma pessoa que escuta e ignora. Isso chamou muito a minha atenção, ver o desprezo da classe abastada pelas regras de convivência em tempos de Covid.
Conforme o tempo foi passando, o número de pessoas na praia foi aumentando e a fala informativa dos policiais foi diminuindo. Mas chegou um momento em que o favelado e o suburbano também chegaram à praia. E agora, como será o comportamento da polícia?
A PM chega, com seu triciclo e camisa sintética verde fluorescente. Um, dois, três policiais cercam o menino pobre suburbano e seus amigos. Revistam mochilas e bolsos dos shortes. Solicitam os documentos para consultar o cadastro de criminosos e ver se já estão fichados pela polícia. Como o celular do policial tem dificuldades para acessar o sistema e obter a informação desejada, chega mais policias com suas camisas fluorescentes e cercam os meninos até conseguirem a informação de cada um deles. É claro que isso não vai ser rápido.
Os meninos aguardam tranquilamente aqueles 20 a 30 minutos de constrangimento. Após a batida policial, fui falar com um deles. Comentei sobre o quão era desagradável passar por aquela situação constrangedora. Ele com um sorriso Bob Marley me disse: “Não tem problema, já estou acostumado com o racismo”. Enquanto isso, corpos brancos da classe média e alta escurecem suas peles ao sol, suave e livremente neste prenúncio de primavera.
Texto e foto: Márcia Gomes de Oliveira, Rio de Janeiro, Agosto de 2020
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/09/2020
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