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Protocolo de Nagoya – O que significa a ratificação?

 

Protocolo de Nagoya – O que significa a ratificação?

Pauta se encontra sob apreciação do Senado, após decreto legislativo ser aprovado na Câmara dos Deputados em 08/7/2020; um acordo internacional na área da diversidade biológica, iniciado em 2010

Por Sucena Shkrada Resk*

O ano era 2010. A 10ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica estabeleceu, no Japão, o Protocolo de Nagoya, que regulamenta o Acesso a Recursos Genéticos e a Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Advindos de sua Utilização. Mas somente em 12 de outubro de 2014, o documento passou a vigorar de forma ‘vinculante’, após a ratificação nas legislações internas em mais da metade dos países signatários (51), que hoje chegam a 126. O Brasil ficou de fora nesta etapa, apesar do protagonismo na formulação. Só agora, em 2020, retomou o processo, neste hiato temporal.

Resumidamente, este acordo internacional traça os objetivos para o combate à chamada‘biopirataria’; para incentivar a biotecnologia e a bioeconomia; a defesa dos direitos de povos originários e tradicionais quanto aos seus conhecimentos tradicionais associados (CTA) e o respeito à soberania nacional em negociações internacionais.

Tramitação no Congresso Nacional

O processo de ratificação no Brasil se encontra agora sob apreciação no Senado, após a Câmara dos Deputados aprovar a ratificação do Protocolo, por meio do decreto legislativo (PDL 324/2020) , no último dia 8, de forma simbólica e unânime. Ainda deverá passar por sanção presidencial. Apesar de ser uma importante iniciativa, esta agenda carece de maior esclarecimento e de participação da sociedade.

Lei Nacional da Biodiversidade

Para se entender esta conjuntura, vale esclarecer que o Brasil tem uma importância fundamental ao mundo, por sua megadiversidade, e aprovou somente em 2015, a Lei da Biodiversidade (13.123/2015), que, por sua vez, introduziu regras quanto ao patrimônio genético e o conhecimento tradicional antes desta ratificação internacional, que também não contou com a participação dos EUA.

Enquanto havia este descompasso com o processo do Protocolo, a legislação brasileira criou o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético – SISGen e o  Fundo Nacional para a Repartição de Benefícios (FNRB), vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, que tem agora como gestor dos recursos, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Também instituiu um Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, que teve sua 23ª reunião adiada, que estava prevista para maio, sem data a ser retomada, de acordo com informe do MMA. A última ata disponível no site é da 21ª reunião realizada em 4 de dezembro de 2019.

Este conjunto de ações, apesar de importantes, precisa de uma integração mais ampla com os atores de interesse direto, como povos indígenas e tradicionais, pesquisadores, instituições de fomento e setores da economia, entre outros. E acima de tudo, transparência contínua à toda sociedade.

No âmbito da Convenção

Ao fazer estas considerações, é possível retornar ao Protocolo de Nagoya. O atraso de anos quanto à ratificação pelo Brasil, foi em grande parte decorrente da pressão exercida por setores econômicos que avaliavam que seriam prejudicados principalmente em relação ao cultivo de grandes monoculturas . Dessa forma, o que se constatou foi o comprometimento da participação do país nas negociações internacionais, nesta agenda, nas conferências das partes da CDB, criada em 1992 (ratificada em 1998 pelo Brasil), que são realizadas no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU). Por isso, uma das vantagens de ratificar o protocolo é que o Brasil deverá passar a participar destas reuniões com direito a voto, podendo influenciar nas decisões que ainda precisam ser tomadas para sua implementação.

Mas ao mesmo tempo, o país tem o dever de fazer valer por aqui os objetivos do documento, que têm como premissa, que ‘as partes encorajarão usuários e provedores a direcionar os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos para a conservação da diversidade biológica e para a utilização sustentável de seus componentes’.

O biólogo Braulio Dias, professor da Universidade de Brasília (UnB), e ex-secretário-executivo da CDB, entre 2012 e 2017, analisou no canal Alive, que esta ratificação tem como um dos aspectos positivos possibilitar clareza jurídica sobre direitos e regras nas relações internacionais em investimento em biotecnologia, mas que o Brasil precisa ter um posicionamento mais assertivo nesta área. Ele defende a abertura de parcerias entre Academia, empresas e governos para que flua gradualmente a ampliação do processo de inovação com iniciativas de valor agregado à biodiversidade e geração de renda. Ao mesmo tempo, cita a necessidade de maior capacitação das instituições financeiras e de fundos para o apoio a esta área e reforça a importância do respeito aos conhecimentos tradicionais associados determinado no documento.

O que é o protocolo de Nagoya?

A importância deste tratado ambiental multilateral é de estabelecer um sistema comercial global para investimento, pesquisa e desenvolvimento na composição genética e bioquímica dos organismos vivos (plantas, animais ou micro-organismos nativos). Vários especialistas definem o documento como uma janela de oportunidade para a expansão da chamada ‘bioeconomia’ baseada no respeito ao direito da soberania nacional, com regras mais claras na relação internacional.

Muitos setores têm relação a este segmento. Entre eles, de alimentos e bebidas, cosméticos, medicina & saúde e agricultura. “O protocolo prevê acordos bilaterais, em que o provedor deve autorizar o parceiro (externo) ao acesso”. No caso do setor agropecuário, no qual havia maior dificuldade para consenso, Dias explica que foi criado um Tratado Internacional sobre Recursos Fitogenéticos para Alimentação e Agricultura, que está sendo administrado pela FAO, braço da segurança alimentar da ONU, em determinadas espécies de interesse econômico. Nas demais, valem as regras do Protocolo de Nagoya.

Entenda alguns pontos importantes do protocolo:
– Reconhece que os países têm soberania sobre os recursos genéticos existentes em seu território, os quais possuem inquestionável valor, e podem exigir uma participação dos benefícios decorrentes de sua utilização pelos interessados, sejam eles um particular, uma empresa ou mesmo uma entidade governamental;
– Estabelece que os lucros de produção e a venda de produtos elaborados com recursos genéticos serão obrigatoriamente compartilhados com o país de origem. Isso pode acontecer por meio do pagamento de royalties, parcerias, transferência de tecnologias ou capacitação;
– Reconhece expressamente o direito ao recebimento de benefícios para comunidades indígenas e locais detentoras de conhecimentos tradicionais que venham a ser utilizados por usuários. Implica estímulo à criação de protocolos comunitários e do estabelecimento de requisitos mínimos e transparentes para a autorização de acesso a estes conhecimentos;
– Obriga os países signatários a proporcionar segurança jurídica, clareza e transparência em sua legislação ou seus regulamentos nacionais de acesso e repartição de benefícios;

O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista e da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, da Câmara dos Deputados, explica que esta aprovação pode ser considerada um significativo avanço na pauta, que estava travada. “Foi fruto de um entendimento entre a bancada ambientalista e ruralista no Congresso Nacional. A proposta também tem grande relevância para a garantia de direitos dos povos tradicionais. Depois de longos anos, o Brasil, enfim, poderá participar das negociações e sentar à mesa com as demais nações”, diz.

*Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 20/07/2020

 

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