A Medicina só funciona por adesão, artigo de Montserrat Martins
[EcoDebate] A Medicina é uma ciência mas, na cultura brasileira, o paciente usas as orientações médicas “ao seu modo”, segue algumas e não outras prescrições. Na linguagem médica isso é a “adesão ao tratamento”, se a pessoa vai usar o remédio corretamente ou “do seu jeito”. Antibióticos por exemplo, se não tomar no prazo indicado (em geral 7 dias, depende do caso) pode não resolver a infecção e ainda gerar resistência, mas tem gente que para de usar logo que os sintomas aliviam. Sem falar na automedicação ou “receita de vizinha”, sem consultar o médico.
Lembrei do problema da “adesão ao tratamento” para tentar entender a falta de adesão às medidas para prevenir o Coronavírus. Ouço relatos diferentes a cada cidade, mas em Porto Alegre é chocante a negligência com o isolamento, médicos do Hospital de Clínicas tem enviado mensagens por whatsapp pedindo que a população colabore porque se não diminuir o ritmo de contaminação vão faltar leitos e equipes de saúde para atendimento à população, em breve.
Porque os brasileiros (incluindo os gaúchos) estão se aglomerando tanto em praças, parques, nas ruas? Vimos vídeos chineses das pessoas sendo retidas, impedidas de circular, aqui parece difícil de funcionar isso, já tivemos até uma “revolta da vacina” contra medidas de saúde pública. Ouvi relatos de cidades (na região metropolitana de Brasília) onde haveria mais adesão com o comércio aberto tendo um caráter didático, sendo multados os que descumprissem as normas sanitárias, e funcionaria.
Será uma fatalidade brasileira, a indisciplina? Porque a adesão às medidas preventivas está tão abaixo do esperado pelos médicos que estão na linha de frente e vislumbrando o esgotamento da capacidade de atender a todos?
Esse comportamento é meramente “irresponsável” ou tem outros motivos? Suspeito que haja outros fatores. Um deles, uma descrença nas autoridades em geral, uma carência de empatia com outros dramas vividos pela população, especialmente o desemprego – que é outra tragédia, além da doença.
Ouvi relato de quem, incumbido pelo chefe, teve de comunicar outras que seriam demitidas. Chocante, traumatizante. Muitas pessoas tentam conseguir os 600 reais da caixa e não conseguem. Os dramas do desemprego e da falta de comida em casa são dramáticos, como são os das pessoas entubadas durante semanas, entre a vida e a morte.
A Medicina ensina as medidas preventivas, o que falta compreender são os motivos da não adesão a elas, por isso lancei algumas hipóteses aqui. Sem adesão não funciona.
Montserrat Martins é Médico
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/06/2020
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