Presidente quinta-coluna não combate a pandemia e instala o Necroceno no Brasil, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Todas as pessoas reconhecem o direito de revolução, isto é, o direito de
recusar lealdade ao governo, e opor-lhe resistência, quando sua
tirania ou sua ineficiência tornam-se insuportáveis”
Henry Thoreau (Desobediência Civil, 1849)
[EcoDebate] A pandemia do novo coronavírus avança no Brasil a toda a velocidade, causa estragos nas grandes cidades e nas capitais, costeia o litoral, chega ao interior, assusta as pequenas cidades, atinge as comunidades indígenas, provoca colapso no sistema de saúde, gera caos nos cemitérios e não encontra qualquer resistência por parte do governo Federal.
O Brasil chegou a cerca de 700 mil pessoas infectadas e a 37 mil mortes. Isto, com os dados oficiais que são reconhecidamente subestimados. Mas mesmo sabendo que os números oficiais não refletem a total dramaticidade do surto pandêmico, eles já são suficientes para mostrar que estamos diante da maior ameaça, de todos os tempos, à vida dos brasileiros. O Brasil já está em segundo lugar no triste ranking global de casos totais e no terceiro lugar no ranking de mortes totais. Mas deve ultrapassar o Reino Unido esta semana e ficar atrás apenas dos Estados Unidos em valores acumulados. Porém, o Brasil já é líder absoluto em número diário de casos e mortes.
Na semana passada (de 31/05 a 06/06) o Brasil teve em média 24,9 mil casos por dia e os EUA tiveram 22,5 mil casos por dia. Teve também 1.014 mortes diárias em média na semana, contra 900 mortes diárias em média na semana dos EUA. Os EUA já ultrapassaram o pico da pandemia e já estão descendo a curva, enquanto o Brasil ainda não consegue ver onde está o pico e continua subindo a curva. Por conta disto, um dos principais modelos de projeção utilizados pela Casa Branca para monitorar os números sobre o coronavírus indica que o Brasil terá mais de 165 mil mortes até agosto de 2020, com cerca 5 mil mortes em um único dia no início do mês, conforme informa o jornal FSP.
Portanto o território brasileiro foi invadido por um inimigo invisível que está provocando um pandemônio na economia, destruindo empregos, adoecendo as pessoas e ceifando vidas às dezenas de milhares. O Art. 5º da Constituição Federal garanta a todos os brasileiros a “inviolabilidade do direito à vida” e o Art. 21 diz que compete à União “Assegurar a defesa nacional”. Portanto, caberia ao Comandante em Chefe impedir o avanço do inimigo e salvar vidas. E o que faz o presidente?
O presidente Jair Bolsonaro faz piadas, desdenha da situação, persegue os governadores e prefeitos que estão na linha de frente do combate ao vírus onipresente, corta dinheiro da saúde, demite ministros e esvazia o ministério responsável pelas ações epidemiológicas, desrespeita os dispositivos constitucionais, menospreza os protocolos de higiene e segurança estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e, não satisfeito, esconde os dados e informações capazes de monitorar as políticas de cuidado e tratamento. Em vez de tratar do paciente em febre, ele quebra o termômetro.
O presidente Jair Bolsonaro não disfarça o seu desprezo com o sofrimento da população. Ele não tem feito qualquer esforço para salvar vidas e conter o avanço do coronavírus no território nacional. Quando perguntado sobre as primeiras 5 mil vidas perdida para a covid-19, ele disse: “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.
Ora, o que se espera de um presidente, nestes casos, é combater a expansão da pandemia e garantir a vida dos brasileiros. Mas Bolsonaro se esquivou e soltou uma pérola de frase, que é praticamente uma confissão de culpa: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”.
Imagina um Almirante que vê náufragos ao lado do seu navio e não jogue a boia salva-vidas, com o argumento de que a morte é “o destino de todo mundo”. Imagina um médico que dirige um hospital e impeça todos os funcionários e colegas de medicar e operar os pacientes com o argumento de que a morte é “o destino de todo mundo”. Imagina um presidente que abandona as trincheiras e trai suas tropas. Só pode ser um quinta-coluna.
Bolsonaro demitiu 2 ministros médicos e colocou um militar no comando temporário do ministério e colocou um empresário de curso de inglês na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Este empresário, Carlos Wizard, boicotou a divulgação de dados e informações e ainda questionou a veracidade dos registros de óbitos decorrentes da Covid-19 vindas das Secretarias de Saúde estaduais.
Em resposta, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) divulgou nota fortíssima, que diz: “A tentativa autoritária, insensível, desumana e antiética de dar invisibilidade aos mortos pela Covid-19, não prosperará. Nós e a sociedade brasileira não os esqueceremos e tampouco a tragédia que se abate sobre a nação (…) Wizard menospreza a inteligência de todos os brasileiros, que num momento de tanto sofrimento e dor, veem seus entes queridos mortos tratados como ‘mercadoria’. Sua declaração grosseira, falaciosa, desprovida de qualquer senso ético, de humanidade e de respeito, merece nosso profundo desprezo, repúdio e asco”. Com uma nota desta só restava a renúncia de Wizard, que ocorreu no domingo.
Não satisfeito, o presidente Bolsonaro mandou exonerar a equipe da Coordenação de Saúde das Mulheres, que havia divulgado uma Nota Técnica reiterando as leis e normas sanitárias vigentes sobre saúde sexual e reprodutiva em meio à pandemia. O documento recomendava a difusão de informações às usuárias sobre os métodos contraceptivos e como acessá-los; o monitoramento dos estoques de métodos contraceptivos, evitando desabastecimento; a dispensação da chamada pílula do dia seguinte; e a oferta de inserção do DIU de cobre, nas maternidades, como ação durante o período pós-parto e pós-aborto imediatos. O texto também aconselha a continuidade dos serviços de assistência aos casos de violência sexual e aborto legal, e o fortalecimento das ações de planejamento sexual e reprodutivo. Ou seja, quem estava cuidando da saúde e da vida é exonerado e aqueles que cortam recursos e esconde dados são promovidos.
Na verdade tudo isto faz parte de uma política que só tem aspectos negativos e nada positivo. Tanto em relação às vidas humanas, quanto às vidas não humanas, a política federal é de extermínio e de terra arrasada. Na área ambiental, o ministro Ricardo Salles comemorou a oportunidade da pandemia da Sars-Cov-2, defendendo passar “a boiada” para mudar as regras ambientais e viabilizar o desmatamento e a agressão ao meio ambiente, favorecendo o ecocídio. Portanto, a necropolítica do governo Federal não se restringe à população vítima do coronavírus, mas ela é ainda mais destrutiva na área ambiental.
É crescente a percepção que o governo Bolsonaro só tem a oferecer políticas genocidas e ecocidas, numa forma de instalar no país uma nova Era que pode ser definida como Necroceno. Segundo McBrien (2019), governos assim estão promovendo uma “Grande espiral de morte” no Planeta. Ele considera que o que acontece atualmente não é a 6ª extinção em massa das espécies, mas sim, o 1º Evento de Extermínio em massa. Assim, ele considera que vivemos em uma nova era geológica – o NECROCENO – que é a nova Era da morte necrótica.
Esta definição se encaixa bem no pensamento de Bolsonaro que não entendi de vida. Ele já disse que como militar só entende de morte. Em entrevista ao Programa Câmara Aberta, em 1999, ele disse que os problemas do Brasil só seriam resolvidos com “uma guerra civil que matasse uns 30 mil”. Atualmente, a única proposta clara defendida pelo presidente é a proposta de armar a população, como se fosse possível combater o coronavírus com armas. Também diante do agravamento da pandemia, em vez de visitar hospitais, Bolsonaro foi visitar o Forte de Santa Bárbara, em Formosa (GO), para assistir o disparo de dois foguetes. Enquanto isto a pandemia cresce no Brasil cerca de 2,5 a 3 vezes mais rápido do que a média mundial, como veremos a seguir.
O panorama nacional e internacional da pandemia
Os números da pandemia do coronavírus no Brasil divulgados no sábado (06/06) indicam 672.846 casos e 35.930 vidas perdidas para a covid-19, com uma taxa de letalidade de 5,3%. Foram 27.075 novos casos e 904 mortes em 24 horas. Assim, em números diários, o Brasil está em primeiro lugar no mundo.
Acompanhando as semanas epidemiológicas, o gráfico abaixo mostra a evolução dos números absolutos e dos números relativos. No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). No dia 14/03 chegou a 121 casos, mas os 102 casos da 11ª SE significaram um aumento semanal de 6,4 vezes (ou 30,3% ao dia). Os dados disponíveis da penúltima semana (21ª SE), indicavam 347 mil casos e uma taxa de 5,9% ao dia. Na semana retrasada (22ª SE) o número de casos chegou a praticamente meio milhão, com uma variação percentual diária de 5,3% ao dia. Na semana passada o número de casos chegou a 673 mil e com uma taxa de 4,4% ao dia, que é a menor taxa deste o início da pandemia, mas é uma taxa muito elevada para esta etapa epidemiológica e está muito acima da média mundial.
O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Na semana seguinte, o número de óbitos chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) na 13ª SE. Na semana retrasada (22ª SE) o número de óbitos cresceu em ritmo menor (3,9% ao dia) e na semana passada (23ª SE) o número de mortes chegou a 35.930 e o ritmo de crescimento ficou em 3,2% ao dia, o que continua sendo uma taxa muito elevada na comparação internacional.
Todos os dados acima mostram que a pandemia no Brasil cresce a um ritmo mais rápido do que o ritmo da média mundial. O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo dos casos da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro estava crescendo um pouco abaixo de 2 vezes o ritmo mundial.
Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para a casa de 3 vezes e chegou à casa de quase 3,5 vezes na 21ª SE. Porém, na semana retrasada (24 a 30 de maio) a diferença voltou a cair e ficou em 2,4 vezes na 23ª semana (31-06/06) , mas o número de casos no Brasil ainda cresce muito mais rápido do que na média mundial.
Na comparação dos óbitos, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para mais de 3 vezes, evidenciando que existia um fosso entre o ritmo nacional e global. Na penúltima semana (24 a 30 de maio) a diferença diminuiu um pouco, mas continuou na casa de 3,5 vezes. Na semana passada, a diferença diminuiu para 2,9 vezes, ritmo preocupante.
No domingo à noite (07/06), depois da saída do empresário Wizard, o Ministério da Saúde lançou vários números divergentes que contribuíram somente para gerar confusão. Isto indica que teremos uma semana de muitas dúvidas. Significa que o governo Bolsonaro continua se esquivando do dever de Estado de combater a pandemia. Significa que ele se tornou um presidente quinta-coluna que não combate a pandemia e antecipa a instalação do Necroceno no Brasil, buscando também estimular a morte necrótica do tecido social brasileiro.
Mas mesmo diante da quarentena e do isolamento social, muitas pessoas saíram às ruas no dia 07/06 para protestar. É só o início. Como diz a música de Milton Nascimento: “O que foi feito amigo, de tudo que a gente sonhou? O que foi feito da vida? … Outros outubros virão, outras manhãs plenas de sol e de luz”.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. A vida na Terra tem duas ameaças vitais: mudanças climáticas e ecocídio, Ecodebate, 19/06/2019 https://www.ecodebate.com.br/2019/06/19/a-vida-na-terra-tem-duas-ameacas-vitais-mudancas-climaticas-e-ecocidio-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Governo implanta o Necroceno no Brasil, #Colabora, 06/06/2020
https://projetocolabora.com.br/ods3/governo-implanta-o-necroceno-no-brasil/
BELTRAME, Alberto. CONASS repudia acusação de manipulação de dados sobre Covid-19, 06/06/2020 http://www.conass.org.br/conass-repudia-acusacao-de-manipulacao-de-dados-sobre-covid-19/
MCBRIEN. Justin. Accumulating Extinction Planetary Catastrophism in the Necrocene, 2019
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 08/06/2020
[cite]
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Estava para comentar a excelente coluna. Com medo que as lágrimas me obrigassem a trocar de máscara me contive.
Parabéns