Brasil perde uma vida humana por minuto para a covid-19 e milhões de vidas para o ecocídio, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Brasil continua sua escala de aumento do número de indivíduos doentes e de pessoas mortas pela covid-19. Pelo terceiro dia consecutivo o país bateu o triste recorde de casos e mortes e ficou no primeiro lugar do ranking internacional. No dia 04 de junho foram 30,9 mil novos casos e 1.473 vidas perdidas em 24 horas, o que dá 61,4 mortes por hora ou mais de uma morte por minuto.
O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil de 17 de março até o dia 04 de junho. Nota-se que, a despeito das oscilações dos fins de semana, existe uma clara tendência de aumento. O número de mortes foi crescendo todas as semanas, passando de cerca de 200, para 400, depois 800 até mais de 1.400 óbitos no dia 04/06. O número de casos também foi subindo até repetir a incrível marca de 30 mil casos por dia.
Mas apesar da dimensão cada vez maior dos impactos da pandemia, que já foi tratada como “gripezinha” e com o malfadado “E daí?”, esta semana o presidente Bolsonaro extrapolou todos as medidas do bom senso e disse uma barbaridade tão grande que é até difícil de acreditar. Ele falou: “A gente lamenta todos os mortos, mas é o destino de todo mundo”. Este absurdo vindo de um presidente é quase uma confissão de culpa, pois se a morte, em último caso, é um evento inevitável, a morte precoce ou a morte antes do tempo não é nem fatalidade e nem destino.
Uma das maiores conquistas da humanidade é o aumento da esperança de vida ao nascer que tem aumentado continuamente ao longo dos últimos dois séculos. As estatísticas mostram que a esperança de vida da população mundial estava abaixo de 30 anos no final do século XIX e chegou a 66 anos no ano 2000 e a 73 anos no ano 2020, segundo dados da Divisão de População da ONU. Portanto, a esperança de vida mais que dobrou no século XX e continua subindo. A morte precoce não é destino, pois a ciência, a tecnologia e as medidas sanitárias e de higiene contribuem para aumentar a longevidade.
O papel de qualquer governo, que arrecada impostos da população, é devolver estes impostos em serviços públicos em várias áreas, em especial na área de saúde. É função do Ministério da Saúde prevenir as doenças, tratar os pacientes e reduzir o número de mortes evitáveis. Mas o Governo Federal não tem feito isto, não conseguiu evitar a propagação comunitária do novo coronavírus e não conseguiu remediar os doentes. O presidente demitiu dois ministros formados em medicina e colocou um militar – que não tem formação médica – como interino na pasta. E desde então, o Ministério não tem feito coletivas, não tem divulgado os boletins epidemiológicos e não tem esclarecido a população sobre os rumos da pandemia. É como se o Brasil estivesse sem um Ministério da Saúde em meio à maior pandemia da história do país. Há quem diga que a situação pode ser classificada como crime de genocídio.
Mas não são somente as vidas humanas que importam. Na área ambiental a situação é ainda pior, pois apesar de haver um ministro, ele age em aliança com o coronavírus e disse na famigerada reunião ministerial de 22 de abril, que iria “passar a boiada”, mudando as regras e a legislação ambiental para facilitar os crimes ecológicos no país. Da mesma forma, há quem diga que a situação pode ser classificada como crime de ecocídio.
Mas neste Dia Mundial do Meio ambiente não podemos ignorar que existe uma outra “pandemia” que causa um número ainda maior de vítimas e que se chama 6ª extinção em massa das espécies, mas que alguns autores classificam de extermínio.
De fato, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF), mostra que o avanço da produção e consumo da humanidade tem provocado uma degradação generalizada dos ecossistemas globais e gerado uma aniquilação da vida selvagem: as populações de vertebrados silvestres, como mamíferos, pássaros, peixes, répteis e anfíbios, sofreram uma redução de 66% entre 1970 e 2020.
Confirmando o impacto devastador das atividades humanas sobre a natureza, a Plataforma Intergovernamental para Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, na sigla em inglês), da ONU, mostrou que há 1 milhão de espécies ameaçadas de extinção. O relatório elaborado nos últimos três anos, e divulgado em maio de 2019, fez uma avaliação do ecossistema mundial, com base na análise de 15 mil materiais de referência.
O documento afirma que, embora a Terra tenha sofrido sempre com as ações dos seres humanos ao longo da história, nos últimos 50 anos os arranhões se tornaram cicatrizes profundas. A população mundial dobrou desde 1970, a economia global quadruplicou e o comércio internacional está dez vezes maior. Para alimentar, vestir e fornecer energia a este mundo em expansão, florestas foram derrubadas num ritmo surpreendente, especialmente em áreas tropicais. Entre 1980 e 2000, 100 milhões de hectares de floresta tropical foram perdidos, principalmente por causa da pecuária na América do Sul e plantações de palmeira de dendê no sudeste da Ásia.
As tendências globais em relação às populações de insetos ainda não são totalmente conhecidas, mas foram registrados declínios acelerados em algumas regiões. O desaparecimento das abelhas, por exemplo, é não só um crime de ecocídio, mas também uma ameaça à própria alimentação humana, que depende dos polinizadores para viabilizar montantes crescentes de comida para a população mundial. A biodiversidade da Terra está ameaçada. Como disse o famoso jornalista e ambientalista David Attenborough: “os humanos são uma praga na Terra”.
De fato, o ser humano – no Antropoceno – está promovendo uma matança de grandes proporções. Como constatou Justin McBrien, em artigo no site Truthout (14/09/2019), as atrocidades que se desenrolam nos diversos biomas da Terra não tem nenhum análogo geológico e chamá-lo de “sexta extinção em massa” é fazer com que, aquilo que é uma erradicação ativa e organizada, pareça algum tipo de acidente passivo. Estudos que mostram o “apocalipse de insetos”, a “aniquilação biológica” ou o “holocausto biológico” confirmam a perda de 60% de todos os animais selvagens nos últimos 50 anos. A humanidade já ultrapassou diversas “fronteiras planetárias” e está promovendo uma “Grande Morte” no Planeta. Não se trata de uma erupção vulcânica de grandes proporções, a caída de um asteroide gigantesco ou a liberação lenta de oxigênio na atmosfera devido à fotossíntese das cianobactérias. Ele diz: “O que acontece atualmente é o 1º Evento de Extermínio, que está levando a Terra à beira do NECROCENO, a era da nova morte necrótica”.
Neste momento que o mundo vive a pandemia do coronavírus é preciso reconhecer que o extermínio das espécies não humanas culminará e reverterá no extermínio dos próprios seres humanos. Mas no caso brasileiro é preciso também reconhecer que estamos diante de um governo que promove ações que devem ser classificadas com genocidas e ecocidas. Isto precisa mudar!
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JDE. A 6ª extinção das espécies é na verdade o 1º evento de extermínio em massa, Ecodebate, 08/11/2019
ALVES, JED. Para evitar o holocausto biológico: aumentar as áreas anecúmenas e reselvagerizar metade do mundo, Ecodebate, 03/12/2014
ATTENBOROUGH, David. Humans are plague on Earth. Telegraph, UK, 22/01/2013
http://www.telegraph.co.uk/earth/earthnews/9815862/Humans-are-plague-on-Earth-Attenborough.html
Justin McBrien. This Is Not the Sixth Extinction. It’s the First Extermination Event. Truthout, 14/09/2019
https://truthout.org/articles/this-is-not-the-sixth-extinction-its-the-first-extermination-event/
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 05/06/2020
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