Cidades-polo do interior têm potencial de propagação da COVID-19 semelhante ao de capitais, aponta estudo
Cidades-polo, como Ribeirão Preto, em São Paulo, e Campina Grande, na Paraíba, podem contribuir para acelerar a interiorização da doença no país, indica estudo feito por pesquisadores da UFOP, Unesp e Cemaden
Elton Alisson | Agência FAPESP – O potencial de propagação da COVID-19 em cidades como Ribeirão Preto, no Estado de São Paulo, Campina Grande, na Paraíba, e Caruaru, em Pernambuco, equivale ao das capitais de alguns estados do país.
Os três municípios são cidades-polo, com grande concentração de indústrias, comércio e serviços, e têm importância estratégica na dinâmica de mobilidade regional, medida pelas fortes conexões que possuem com diversos outros municípios em termos de fluxo de pessoas. Por isso, desempenham um papel central no processo de interiorização de casos de COVID-19 no país, aponta um estudo feito por pesquisadores das universidades Federal de Ouro Preto (UFOP) e Estadual Paulista (Unesp), campus de São José dos Campos, em colaboração com colegas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
Resultado de um Projeto Temático apoiado pela FAPESP, o estudo foi publicado na plataforma medRxiv, ainda sem revisão por pares.
“Essas cidades podem ajudar a acelerar e amplificar a interiorização da epidemia de COVID-19 ao servir de atalho para a propagação da doença para diversos outros municípios com os quais têm conexões”, diz à Agência FAPESP Leonardo Bacelar Lima Santos, pesquisador do Cemaden.
Para identificar as cidades brasileiras mais vulneráveis à disseminação do SARS-CoV-2, os pesquisadores analisaram a mobilidade entre municípios das regiões Sudeste, Sul, Nordeste e Centro-Oeste, baseada em uma abordagem de redes.
As redes de conexão entre municípios foram construídas a partir de dados de mobilidade terrestre obtidos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que fornece informações sobre os fluxos de pessoas entre as cidades por diversos modais.
As cidades foram representadas nas redes por nós e as conexões entre elas como arestas (segmentos de encontro dos nós).
Por meio de ferramentas matemáticas foram medidos o número de municípios aos quais uma cidade está conectada – para avaliar o número de destinos possíveis de novos casos da doença –, a força da conexão, em termos de fluxo de pessoas, e a centralidade delas na rede.
Os resultados indicaram que cidades como Campina Grande, na Paraíba, Feira de Santana, na Bahia, e Caruaru, em Pernambuco, têm forças de conexão mais altas do que as capitais de alguns estados do país.
Algumas cidades do Estado de São Paulo, como Ribeirão Preto, Jundiaí, Sorocaba, Piracicaba e Presidente Prudente, também figuraram em posições mais altas em todas as medidas analisadas.
Ao comparar os resultados das medidas com os casos confirmados de COVID-19 no Brasil até 1º de maio, os pesquisadores constataram que a força da conexão é a métrica que apresenta a melhor correspondência com a disseminação da doença no país. As cidades com maior força de conexão também são, em média, as que primeiro registraram casos de infecção pelo SARS-CoV-2.
“Dados de mobilidade são fundamentais para pesquisas em desastres e em estudos de disseminação de doenças. As pessoas impactadas por um alagamento, por exemplo, não só moram na região alagada, mas também transitam por aquelas áreas em seus deslocamentos para o trabalho”, afirma o pesquisador, que atualmente faz estágio de pesquisa na Humboldt University, na Alemanha, com bolsa da FAPESP.
Interiorização da doença
Os pesquisados também conseguiram quantificar o limiar de conexão das cidades que as torna mais suscetíveis a registrar casos de COVID-19 no país ou influenciar na disseminação da doença.
No início da pandemia no país, em março, eles observaram que esse limiar era bastante alto – na média, as cidades precisavam ter um alto fluxo de pessoas para registrar casos de COVID-19. A partir de meados de abril, o limiar passou a ser menor.
“Essa é uma possível assinatura do processo de interiorização da COVID-19 no país. Hoje, cidades que têm menor fluxo de pessoas já correm um risco significativo de registrar casos da doença porque têm conexões com cidades que são polos regionais”, avalia Santos.
Os pesquisadores pretendem analisar futuramente também os dados de mobilidade aérea e fluvial para avaliar a dinâmica de mobilidade entre cidades da região Norte do país, especialmente na Amazônia.
A expectativa é que os resultados do estudo possam apoiar decisões de intervenção na mobilidade entre cidades durante a atual pandemia da COVID-19 e em futuras epidemias.
“Como, infelizmente, estima-se que poderão ocorrer novas ondas da epidemia no país, os dados do estudo podem ser um recurso para predizer quais cidades têm alta probabilidade de registrar novos casos e orientar ações preventivas”, afirma Santos.
O artigo The correspondence between the structure of the terrestrial mobility network and the emergence of COVID-19 in Brazil (DOI: 10.1101/2020.05.17.20104612), de Vander L. S. Freitas, Jeferson Feitosa, Catia S. N. Sepetauskas e Leonardo B. L. Santos, pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2020.05.17.20104612v1.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 04/06/2020
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