Covid-19: A negação da pandemia é irresponsável e perversa, por Henrique Cortez
Covid-19: A negação da pandemia é irresponsável e perversa, por Henrique Cortez
A perversidade por trás da negação da gravidade da pandemia
A pandemia do novo coronavírus, Covid-19, traz novas e desafiadoras ameaças à população social e economicamente vulnerável, a mesma tradicionalmente vítima em um país historicamente desigual.
A falácia dos negacionistas da pandemia, com o presidente à frente, insiste que o novo coronavírus “apenas” é uma ameaça aos idosos e doentes crônicos, sendo, para os demais, apenas uma ‘gripezinha’.
A primeira vista, é apenas mais uma sandice, dentre muitas outras. Mas, se percebermos atentamente os indícios e o subtexto das declarações e do permanente ataque às melhores práticas recomendadas pela OMS e pelo próprio Ministério da Saúde, talvez não seja insanidade ou ignorância, mas um projeto de longo prazo.
Nem os neonazistas europeus tem um discurso tão eugenista quanto os negacionistas da pandemia, de que é aceitável a morte de milhares de idosos, doentes crônicos e vulneráveis.
Vejamos:
As pessoas com mais de 60 anos, de acordo com o IBGE, correspondem a 13% da população brasileira, ou, algo em torno de 30 milhões de brasileiros. E, em vista da crescente longevidade, o IBGE estima que, até 2060, a população com mais de 60 anos mais que dobre de tamanho e atinja 32% do total dos brasileiros.
Em termos de renda, quase 6 milhões de domicílios, dependem da renda de idosos aposentados ou pensionistas, em geral, com idade superior a 60 anos. Como o desemprego, estrutural e conjuntural, atinge intensamente os mais jovens, os idosos cada vez mais se tornam arrimos de família.
Qualquer aumento no risco de morte dos idosos traria dois impactos econômicos. No longo prazo, seria um redutor do alegado déficit previdenciário. E, no curto prazo, desestruturaria financeiramente as famílias economicamente dependentes da renda dos idosos e isto, com os sistemas de proteção social cada vez mais frágeis, seria um desastre.
Em relação às doenças crônicas, o cenário não é diferente. Dados da PNS/IBGE indicam que quase 40% dos brasileiros adultos (entre 20 e 59 anos) têm, pelo menos uma doença crônica. No caso dos idosos, isto afeta 3 em cada 4.
Como os adultos correspondem a 43% da população brasileira, podemos estimar os portadores de doenças crônicas em 39 milhões de pessoas.
Então, considerando os idosos e os portadores de doenças crônicas falaremos de algo próximo a 70 milhões de brasileiros, ou, quase 1/3 da população.
É por isto que o London Imperial College estimou que, sem distanciamento social, o Brasil poderia ter mais de 1,15 milhão de mortes.
Esse número assustador pode ser ainda maior, se considerarmos o potencial desastre da disseminação do novo coronavírus nas comunidades e favelas, com habitações insalubres, sem acesso à água corrente e saneamento. Em grandes e adensadas comunidades como a Rocinha (RJ) e Heliópolis (SP), a pandemia, sem distanciamento social, teria efeitos trágicos.
A tudo isto, adiciona-se a incompetente e desastrada operação da Caixa no pagamento do auxílio emergencial do governo federal. De um lado, problemas no cadastramento, dificultando acesso a recursos essenciais para a sobrevivência de milhões de brasileiros e, de outro, falhas de sistema e atendimento geram imensas filas de usuários nas agências, rompendo o distanciamento social e potencializando a disseminação do vírus.
Na ponta dos serviços públicos, o SUS enfrenta o maior desafio de sua história e, deliberadamente sucateado, ficará à beira do colapso.
Hoje, quase 50 milhões de brasileiros são usuários do sistema privado de saúde mas, na pandemia, isto será irrelevante. A capacidade de atendimento, em termos de UTIs e respiradores, será insuficiente e, naturalmente, maior esforço de atendimento será dirigido ao SUS.
Aos que amam odiar o SUS, o seu eventual colapso pode ser tornar a pedra de toque pela sua extinção. A pandemia traria medo e revolta mais que suficientes para justificar o que normalmente seria injustificável.
Então não vejo as incontáveis bravatas e frases de efeito contra medidas de distanciamento social como meras idiotices, de quem sempre foi reconhecidamente um idiota.
Se o desastre pelo novo coronavírus ocorrer no pior cenário, estaremos diante um trágico experimento de “darwinismo social”.
Talvez tenhamos, no século 21, uma atualização da expressão latina “Ave Caesar, morituri te salutant”
Mas, sincera e honestamente, espero estar completamente errado.
Henrique Cortez, jornalista, ambientalista, editor da revista eletrônica EcoDebate
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 29/04/2020
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Olá Henrique,
Parabéns pelo editorial. Creio que realmente a pandemia da covid-19 vai ter um impacto muito grande no mundo e no Brasil e é totalmente irresponsável o dirigente máximo do país dizer “E daí?” para a montanha de corpos que estão colapsando os cemitérios brasileiros.
Porém, não creio que o número de mortes no Brasil vá chegar à casa das centenas de milhares de óbitos. A estimativa que vc citou do London Imperial College seria para o caso de não se fazer nada. Felizmente a sociedade brasileira está fazendo sua parte (com muita dificuldade) e mesmo contra o negacionismo e o diversionismo do presidente a pandemia vai passar… e aí virão outras dificuldades para colocar o Brasil no rumo….
Parabéns novamente, Abs, JE
Caro Henrique
Também parabenizo seu artigo. Estou, já há algum tempo, preparando um artigo repercutindo campanha criada pelo jurista Pedro Serrano e outros colegas, que reivindica que todos leitos de UTI (privados e públicos) sejam colocados sob admnistração do SUS . VIDAS IGUAIS é o nome da campanha. O STF infelizmente não deu liminar acatando uma solicitação nesse sentido. Mas acho que todos devemos pressionar as autoridades estaduais e locais para que tomem essa providência que, a meu ver, é uma exigência constitucional e ética.
Desculpe-me o sumiço, mas tenho dedicado-me mais às questões locais aqui de São Carlos, SP, onde moro.
Um gde e ftn abç
Paulo Mancfini