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A atividade humana gerou essas pandemias porque alteramos o ciclo da água e o ecossistema que mantém o equilíbrio no planeta

A atividade humana gerou essas pandemias porque alteramos o ciclo da água e o ecossistema que mantém o equilíbrio no planeta

‘Estamos diante da ameaça de uma extinção e as pessoas nem sequer sabem’. Entrevista com Jeremy Rifkin

IHU

O sociólogo Jeremy Rifkin (Denver, Estados Unidos, 1945), que se define como ativista em favor de uma transformação radical do sistema baseado no petróleo e em outros combustíveis fósseis, há décadas reivindica uma mudança da sociedade industrial para modelos mais sustentáveis. Assessor de governos e corporações de todo o mundo, escreveu mais de vinte livros dedicados a propor fórmulas que garantam nossa sobrevivência no planeta, em equilíbrio com o meio ambiente e também com a nossa própria espécie.

A entrevista é de Juan MZafra, publicada por The Conversation, 22-04-2020. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Qual será o impacto da pandemia da COVID-19 no caminho para a terceira revolução industrial?

Não podemos dizer que isso tenha nos pegado de surpresa. Tudo o que está ocorrendo conosco procede da mudança climática, que vem sendo advertida por pesquisadores e por mim, há tempo. Tivemos outras pandemias, nos últimos anos, e foram lançadas advertências de que algo muito grave poderia ocorrer. A atividade humana gerou essas pandemias porque alteramos o ciclo da água e o ecossistema que mantém o equilíbrio no planeta.

Os desastres naturais – pandemias, incêndios, furacões, inundações… – continuarão porque a temperatura na Terra continua aumentando e porque arruinamos o solo.

Há dois fatores que não podemos deixar de considerar: a mudança climática provoca movimentos de população humana e de outras espécies; o segundo é que a vida animal e a humana se aproximam cada dia mais, como consequência da emergência climática e, por isso, seus vírus viajam juntos.

Esta é uma boa oportunidade para extrair lições e atuar em consequência, não acredita?

Nada mais voltará a ser normal. Esta é uma chamada de alarme em todo o planeta. O que cabe agora é construir as infraestruturas que nos permitam viver de uma maneira diferente. Devemos assumir que estamos em uma nova era. Se não fizermos isso, haverá mais pandemias e desastres naturais. Estamos diante da ameaça de uma extinção.

Você trabalha, estará trabalhando nesses dias, com governos e instituições de todo o mundo. Não parece imperar o consenso em relação ao futuro imediato.

A primeira coisa que devemos fazer é ter uma relação diferente com o planeta. Cada comunidade deve se responsabilizar em como estabelecer essa relação em seu âmbito mais próximo. E, sim, temos que empreender a revolução para o Green New Deal global, um modelo digital de zero emissões.

Temos que desenvolver novas atividades, criar novos empregos, para reduzir o risco de novos desastres. A globalização acabou, devemos pensar em termos de glocalização. Esta é a crise de nossa civilização, mas não podemos continuar pensando na globalização como até agora. São necessárias soluções glocais para desenvolver as infraestruturas de energia, comunicações, transportes, logísticas, …

Acredita que durante esta crise, ou até mesmo quando diminuir a tensão, os governos e as empresas tomarão medidas nessa direção?

Não. A Coreia do Sul está combatendo a pandemia com tecnologia. Outros países estão fazendo isso. Contudo, não estamos mudando nosso modo de vida. Necessitamos de uma nova visão, uma visão diferente de futuro, e os líderes nos principais países não têm essa visão. São as novas gerações que, realmente, podem agir.

Você defende uma mudança radical na forma de ser e estar no mundo. Por onde começamos?

Temos que começar com a maneira como organizamos nossa economia, nossa sociedade, nossos governos, mudando a forma de ser neste planeta. A nossa civilização é a dos combustíveis fósseis. Fundamentou-se, durante os últimos 200 anos, na exploração da Terra. O solo havia se mantido intacto até que começamos a escavar os alicerces da terra para o transformar em gás, petróleo e carvão. E pensávamos que a Terra permaneceria sempre ali, intacta.

Criamos uma civilização inteira baseada no uso dos fósseis. Utilizamos tantos recursos que agora estamos recorrendo ao capital da terra, em vez de obter benefícios dela. Estamos usando uma terra e meia, quando só temos uma. Perdemos 60% da superfície do solo do planeta. Desapareceu e demorará milhares de anos para recuperá-lo.

O que diria para aqueles que acreditam que é melhor viver o momento, o aqui e agora, e esperam que no futuro venham outros para consertar isso?

Estamos realmente diante de uma mudança climática, mas também a tempo de agir. A mudança climática provocada pelo aquecimento global e as emissões de CO2 altera o ciclo da água da terra. Somos o planeta da água, nosso ecossistema emergiu e evoluiu ao longo de milhares de anos graças à água. O ciclo da água permite viver e se desenvolver.

E aqui está o problema: para cada grau de temperatura que aumenta como consequência das emissões de gases do efeito estufa, a atmosfera absorve 7% a mais de precipitações do solo e este aquecimento as força a cair mais rápidas, mais concentradas e provocando mais catástrofes naturais relacionadas à água. Por exemplo, grandes nevadas no inverno, inundações na primavera por todas as partes do mundo, secas e incêndios em toda a temporada de verão e furacões e tufões no outono, varrendo nossas costas.

As consequências vão se agravando com o tempo.

Enfrentamos a sexta extinção e as pessoas nem sequer sabem. Os cientistas dizem que, em oito décadas, metade de todos os habitats e animais da terra vão desaparecer. Esse é o marco em que estamos, cara a cara com uma extinção em potência da natureza para a qual não estamos preparados.

Qual é a gravidade dessa emergência global? Quanto tempo nos resta?

Não sei. Faço parte desse movimento em favor da mudança, desde os anos 1970, e acredito que passou o tempo que necessitávamos. Nunca voltaremos para onde estávamos, para a boa temperatura, para um clima adequado… A mudança climática estará conosco por milhares e milhares de anos. A pergunta é: como espécie, podemos ser resilientes e nos adaptar a ambientes totalmente diferentes, e que nossos companheiros na terra também possam ter a oportunidade de se adaptar?

Se me pergunta quanto tempo levaremos para mudar para uma economia não poluente, nossos cientistas na cúpula europeia da mudança climática, em 2018, disseram que tínhamos 12 anos. Já é menos o que nos resta para transformar completamente a civilização e começar essa mudança. A Segunda Revolução Industrial, que provocou a mudança climática, está morrendo. E é graças ao baixo custo da energia solar, que é mais rentável que o carvão, o petróleo, o gás e a energia nuclear. Estamos caminhando para uma Terceira Revolução Industrial.

É possível uma mudança de tendência global, sem os Estados Unidos do nosso lado?

União Europeia e a China se uniram para trabalhar conjuntamente e os Estados Unidos estão avançando porque os estados desenvolvem as infraestruturas necessárias para isso. Não esqueçam que somos uma república federal. O governo federal apenas cria os códigos, as regulamentações, as normas, os incentivos. Na Europa, acontece o mesmo: seus estados-membros criam as infraestruturas. O que acontece nos Estados Unidos é que prestamos muita atenção no senhor Trump, mas, dos 50 estados, 29 desenvolvem planos para o desenvolvimento de energias renováveis e estão integrando a energia solar.

No ano passado, na conferência europeia pela emergência climática, as cidades estadunidenses declararam uma emergência climática e, agora, estão lançando seu Green New Deal. Estão ocorrendo muitas mudanças nos Estados Unidos. Se tivéssemos uma Casa Branca diferente seria genial, mas, mesmo assim, essa Terceira Revolução Industrial está emergindo na União Europeia e na China e começou na Califórnia, no estado de Nova York e em parte do Texas.

Quais são os componentes básicos dessas mudanças tão relevantes, em diferentes regiões do mundo?

A nova Revolução Industrial traz consigo novos meios de comunicação, energia, meios de transporte e logística. A revolução comunicativa é a Internet, assim como foram a imprensa e o telégrafo na Primeira Revolução Industrial, no século XIX, no Reino Unido, ou o telefone, a rádio e a televisão na segunda revolução, no século XX, nos Estados Unidos. Hoje, temos mais de 4 bilhões de pessoas conectadas e logo teremos todos os seres humanos em comunicação pela Internet. O mundo todo agora está conectado.

Em um período como o que vivemos, as tecnologias nos permitem integrar um grande número de pessoas em um novo marco de relações econômicas. A Internet do conhecimento se ajusta com a Internet da energia e com a Internet da mobilidade. Estas três criam a infraestrutura da Terceira Revolução Industrial. Essas três convergirão e se desenvolverão sobre uma infraestrutura de Internet das coisas, que reconfigurará a forma como se administra toda a atividade no século XXI.

Que papel desempenhará os novos agentes econômicos na formação desse novo modelo econômico e social?

Estamos criando uma nova era chamada glocalização. A tecnologia zero emissões desta terceira revolução será tão barata que nos permitirá criar nossas próprias cooperativas e nossos próprios negócios, tanto física como virtualmente. As grandes companhias desaparecerão. Algumas delas continuarão, mas terão que trabalhar com pequenas e médias empresas, com quem estarão conectadas pelo mundo todo.

Essas grandes empresas serão provedoras das redes e trabalharão juntas, em vez de competir entre elas. Na primeira e na segunda revolução, as infraestruturas foram feitas para ser centralizadas, privadas. No entanto, a terceira revolução tem infraestruturas inteligentes para unir o mundo de uma maneira glocal, distribuída, com redes abertas.

De que forma a superpopulação afeta a sustentabilidade do planeta, no modelo industrial?

Somos 7 bilhões de pessoas e chegaremos muito em breve a 9 bilhões. Essa progressão, no entanto, irá acabar. As razões para isso têm a ver com o papel das mulheres e sua relação com a energia. Na antiguidade, as mulheres eram escravas, eram as provedoras de energia, tinham que manter a água e o fogo. A chegada da eletricidade está intimamente relacionada aos movimentos sufragistas na América. Libertou as mulheres jovens, que iam para a escola e podiam continuar sua formação até a universidade. Quando as mulheres se tornaram mais autônomas, livres, mais independentes, houve menos nascimentos.

Você não parece otimista e, no entanto, seus livros são um guia para um futuro sustentável. Temos ou não um futuro melhor à vista?

Todas as minhas esperanças estão depositadas na geração millennial. Os millennials saíram de suas aulas para expressar sua inquietação. Milhares e milhares deles reivindicam a declaração de uma emergência climática e pedem um Green New Deal. O interessante é que este não é como nenhum outro protesto na história, e houve muitos, mas este é diferente: move esperança, é a primeira revolta planetária do ser humano, em toda a história, em que duas gerações se veem como espécies, espécies em perigo. Propõem eliminar todos os limites e fronteiras, os preconceitos, tudo aquilo que nos separa. Começam a se ver como uma espécie em perigo e tentam preservar as outras criaturas do planeta. Esta é provavelmente a transformação mais importante da consciência humana na história.

(EcoDebate, 27/04/2020) publicado pela IHU On-line, parceira editorial da revista eletrônica EcoDebate na socialização da informação.

[IHU On-line é publicada pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

 

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