EcoDebate

Plataforma de informação, artigos e notícias sobre temas socioambientais

Artigo

Sem quarentena, quem vai morrer? artigo de Gilvander Moreira

Sem quarentena, quem vai morrer?

Por Gilvander Moreira1

Gripezinha! Vamos trabalhar!
Charge de Carlos Latuff, em Brasil 247

Uma espada de dor está transpassando o coração de milhões de pessoas pelo mundo afora, em tempos de pandemia do novo coronavírus. Em todo o mundo, mais de 170 mil pessoas já morreram por COVID-19. No Brasil, o povo está no meio de um fogo cruzado: de um lado, autoridades sensatas recomendando o que orienta a Organização Mundial da Saúde (OMS): quarentena que tem salvado muitas vidas, ficar em casa, lavar as mãos com frequência, usar máscara se tiver que sair de casa. Por outro lado, o desgoverno do antipresidente e uma elite que está desesperada, ao ver seus lucros diminuindo com os trabalhadores ficando em casa, seguem desdenhando das orientações da OMS, da ciência e, em postura genocida, empurrado para o matadouro o povo, ao incitar a retomada da normalidade que nos levou à pandemia. Retomar “mais do mesmo” será a morte de milhões de pessoas e galopar rumo a outras pandemias mais brutais. Como diz o biblista frei Carlos Mesters, “parede rachada não se conserta pondo reboco por cima, mas reconstruindo a casa”.

Com histórico de postura ao lado do agronegócio, golpista e defensor do sucateamento do SUS, pois votou a favor da PEC2 95, a que congela por 20 anos os investimentos em saúde pública, o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta foi demitido simplesmente porque estava cumprindo as recomendações da OMS – o que é necessário -, nada mais que a obrigação, pois isolamento ‘social’ – físico, melhor dizendo – e distanciamento físico são os meios mais eficazes e necessários para salvar vidas durante a pandemia do novo coronavírus, uma vez que, sem vacina e sem remédio que salvem as pessoas da morte e com colapso na capacidade de atendimento dos hospitais, quem for acometido pela COVID-19 com grave pneumonia, se for pobre, estará fadado à morte. Injusta a demissão do Mandetta, pois quem precisa ser “demitido” é o antipresidente.

O novo Ministro da Saúde, Nelson Teich, assumiu dizendo que não mais exercia a medicina, que atualmente é empresário do ramo da saúde. No Ministério da Saúde, Teich aprofundará o descaminho do antipresidente em tempos de pandemia? Teich chegou ao absurdo de dizer que “os recursos da saúde são limitados e, por isso, deve fazer escolha sobre quem vai morrer.” Disse que os jovens devem ter preferência. Na realidade, sabemos que em uma sociedade capitalista a escolha será por salvar prioritariamente os ricos. Os pobres serão deixados para morrer sem socorro? Essa medida foi usada pelo nazismo de Hitler durante a Segunda Grande Guerra que envolveu muitos países entre 1939 e 1945.

Será que o antipresidente está querendo deixar morrer os idosos para diminuir o que o Governo Federal paga em aposentadorias? Deixar de fazer o possível e o impossível para salvar a vida de todas as pessoas, além de ser inadmissível, é uma atitude desumana e satânica. É preciso recordar que são os milhões de idosos no Brasil que sustentam a vida social em todos os municípios pequenos. Sem a aposentadoria dos idosos, mais da metade dos municípios brasileiros quebrarão.

O novo Ministro da Saúde, em silêncio desde que assumiu o Ministério, deveria dizer para o povo brasileiro por que há poucos recursos para o SUS3. A verdade é que, em conluio com os empresários do sistema privado de saúde, o governo federal mantém o SUS à mingua para obrigar as pessoas a ‘gastar o que não tem’ para se manterem vivas. Se o SUS for fortalecido, as empresas do sistema de saúde privado não poderão lucrar muito. Ou seja, adoecido pelo agronegócio com o uso indiscriminado de agrotóxico na produção dos alimentos, o povo é jogado no colo dos mercadores de planos de saúde. Portanto, macabramente o SUS é deixado às traças, de propósito.

São inaceitáveis a loucura e a postura criminosa que será retornar à ‘normalidade’ que nos levou à pandemia. Feliz quem ouve os sinais dos tempos e dos lugares! O Deus da vida, em tempos de novo coronavírus, está nos dizendo que em primeiro lugar devem estar as políticas para salvar vidas. Um modelo econômico que mata as pessoas é diabólico. Preservar vidas humanas até que se descubra e produza vacina ou remédio que cure da COVID-19 passa necessariamente por isolamento ‘social’. Insisto, isolamento físico, pois mesmo em isolamento ‘social’, podemos continuar tecendo relações sociais via telefone, correio, internet etc.

Após a pandemia, o ético será resgatar outro modelo econômico: aquele que prioriza os setores essenciais para garantir a vida social: agricultura familiar agroecológica para a produção de alimentos saudáveis, o que implica frear o agronegócio e as monoculturas desertificadoras de territórios; realizar reforma agrária popular para que a terra seja socializada e democratizada, o que implica proibir a existência de latifúndio no país; identificar e demarcar todos os territórios indígenas, quilombolas e de todos os outros Povos e Comunidades Tradicionais, o que implica frear a grilagem de terra, o desmatamento e os projetos de mineração devastadores; implementar educação pública de qualidade e universal da infância à universidade, o que implica frear a privatização da educação; fortalecer o SUS, o que implica frear a ganância dos empresários do sistema de saúde privado, que lucram com um povo adoecido; implementar políticas de resgate ambiental e de preservação da natureza, o que implica tolerância zero diante de desmatadores e grileiros de terra; impulsionar a Economia Popular Solidária, o que implica frear a agiotagem dos banqueiros; fazer reforma urbana política como massiva e popular de geração de moradia adequada para o povo, o que implica estrangular a especulação imobiliária, instituir IPTU4 progressivo e taxar as grandes fortunas; na produção econômica a prioridade deverá ser produzir o necessário para todo o povo viver com dignidade, o que implica proibir toda a produção ou importação de mercadorias de luxo ou supérfluas; adotar um estilo simples e austero de viver e conviver. A ostentação de riqueza e luxo deve se tornar algo execrável e repugnável. Investir em política cultural que dinamize a imensa pluralidade e criatividade da cultura popular brasileira, o que implica refrear a indústria cultural alienadora.

Há luz dentro do túnel, pois toda crise tem um lado fértil. A “greve geral” mundial imposta pelo novo coronavírus está sendo ocasião fértil para a humanidade repensar o jeito de viver e conviver no planeta Terra, nossa única Casa Comum. Repensar tudo, inclusive, a escolha de governantes. A quarentena está salvando milhares de vidas. Diminuiu muito o número de acidentes nas estradas, menos gente morrendo nas estradas, índice menor de roubo, redução no número de motoqueiros mortos, o que enchia 30% dos leitos nas UTIs; o meio ambiente está se revitalizando; muita gente está sentindo a necessidade e o valor de ser solidário com quem precisa; muitas pessoas passaram a viver com o mínimo necessário e, por isso, estão economizando; muitas pessoas estão se curando do estresse, do trânsito caótico nas cidades, do consumismo, do uso de luxo/supérfluo e do frenesi do cotidiano enlouquecido no mundo do capital …

Que maravilha descobrir belezas que nos passavam despercebidas! Acordar cedo e ouvir os pássaros em nossa janela, sentir que estamos com saúde, que há oxigênio no ar para respirarmos e que nossos pulmões estão sadios, por enquanto; curtir a gostosura que é lavar o rosto com a irmã água, o que nos faz levantar a cabeça para mais um dia de vida, dádiva das dádivas; escovar os dentes, pentear o cabelo, quem tem; rezar, orar e meditar, pelo menos 30 minutos por dia, cultivando nossa dimensão mística e espiritual; fazer trabalhos manuais, preparar o café, fazer almoço, lavar as panelas, os pratos, limpar o chão; cuidar da horta, sentir o perfume das flores. Exercer solidariedade de mil formas com quem, mesmo distante fisicamente, está sofrendo.

Enfim, redescobrir as belezas do cotidiano e da simplicidade. Apesar das medidas do desgoverno do despresidente que está em Brasília e que estupidamente insiste em desdenhar e fazer chacota das orientações das organizações de saúde e contra a saúde pública do povo brasileiro, que este tempo de solidão povoada possa nos ajudar a redescobrir o valor do público, do coletivo, da vida simples e austera e dos direitos que devem ser para todos/as. A pandemia mostra que não é possível se salvar sozinho.

Atenção! O momento no Brasil é muito grave. Todas as pessoas de boa vontade devem se posicionar na defesa da democracia, dos direitos de todos a partir dos pobres. Pior do que os algozes é o silêncio dos omissos e cúmplices! Repudio as posturas de prefeitos, tal como os de Ibirité e Betim, MG, de alguns governadores e de todas as autoridades públicas que estão se ajoelhando diante dos interesses dos empresários e minando a quarentena necessária para se salvar vidas. Meus aplausos às autoridades sensatas que estão orientando decisões para salvar vidas. Lideranças religiosas também não podem se omitir nesse momento crucial. Transcrevo aqui, com alegria, porque assino embaixo, a fala que define a postura do padre José Ailton Figueiredo, pároco da Paróquia São Pedro, em Piracicaba, SP, diocese de Piracicaba – SEM QUARENTENTA, QUEM MORRERÁ? -, que assim se manifestou em vídeo:

Olá, meu amigo, minha amiga, eu quero falar com você uma coisa muito importante. Mas eu não quero falar para você pequeno comerciante, que tem um comércio pequeno, um bar, um pequeno estabelecimento, que está sofrendo nesse momento para se manter, para manter a sua pequena empresa, o seu pequeno comércio. Tem gente inescrupulosa, com grandes empresas, aproveitando desse momento para fazer um momento de aproveitamento político. Estão fazendo carreatas por aí, pelo Brasil afora, e aqui em Piracicaba não é diferente. Essas pessoas são inescrupulosas, porque elas estão dizendo que é preciso voltar à normalidade, mas o momento não é de normalidade. Não estamos enfrentando uma gripezinha, um resfriadozinho. Esta covid-19 fechou aeroportos do mundo inteiro, fez cair a bolsa de valores, acabou com os movimentos esportivos do mundo inteiro, fechou os Estados Unidos, fechou o Vaticano, cancelou uma olimpíada! Então não se trata de uma gripezinha. Centenas de milhares de pessoas estão morrendo, faltam leitos; pessoas estão morrendo por falta de leitos. E pessoas estão fazendo essas carreatas dizendo que é preciso voltar à normalidade. Elas não estão preocupadas com a sua saúde, com a saúde da sua família. Estas pessoas estão preocupadas com o lucro delas, elas que sempre ganharam às suas custas e agora querem que você volte a trabalhar para continuar dando lucro a elas. Estão com os cofres cheios e não querem nesse momento investir no maior patrimônio de suas empresas que é você , trabalhador, que é você, trabalhadora. Portanto, para eles, você pode ficar doente, você pode até morrer, desde que continue dando lucro a esses grandes empresários. Não você, pequeno empresário, você que tem um pequeno comércio, um boteco, uma pequena pizzaria ou algo que se assemelha. Você está lutando, você está trabalhando e que Deus o abençoe. Eu falo desses grandes empresários que estão usando deste momento para aumentar a sua margem de lucro e vão às ruas com essa grande mentira, dizendo que é preciso voltar à normalidade. Eles não estão preocupados com você, não estão preocupados com a sua saúde. Eles querem continuar enriquecendo a custa do trabalhador. Portanto, não caia nesta mentira. Fique em casa. É hora de tomarmos consciência de que o momento é muito grave; não é gripezinha, não é resfriadozinho. Vamos ajudar o poder público do nosso município, do nosso estado a fazer com que possamos superar esse momento. Passado este momento, voltaremos com serenidade, com tranquilidade à normalidade das nossas vidas. Fique em casa!”

21/4/2020

1 Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br      –       www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

2 Proposta de Emenda Constitucional.

3 Sistema Único de Saúde.

4 Imposto Predial e Territorial Urbano.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 23/04/2020

[cite]

 

PUBLICIDADE




 

[CC BY-NC-SA 3.0][ O conteúdo da EcoDebate pode ser copiado, reproduzido e/ou distribuído, desde que seja dado crédito ao autor, à EcoDebate com link e, se for o caso, à fonte primária da informação ]

Inclusão na lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate, ISSN 2446-9394,

Caso queira ser incluído(a) na lista de distribuição de nosso boletim diário, basta enviar um email para newsletter_ecodebate+subscribe@googlegroups.com . O seu e-mail será incluído e você receberá uma mensagem solicitando que confirme a inscrição.

O EcoDebate não pratica SPAM e a exigência de confirmação do e-mail de origem visa evitar que seu e-mail seja incluído indevidamente por terceiros.

Remoção da lista de distribuição do Boletim Diário da revista eletrônica EcoDebate

Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para newsletter_ecodebate+unsubscribe@googlegroups.com ou ecodebate@ecodebate.com.br. O seu e-mail será removido e você receberá uma mensagem confirmando a remoção. Observe que a remoção é automática mas não é instantânea.

One thought on “Sem quarentena, quem vai morrer? artigo de Gilvander Moreira

Fechado para comentários.