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Mais de 80% dos jovens brasileiros moradores de periferia não se sentem protegidos contra o novo coronavírus, aponta pesquisa


Feito em áreas mais pobres de 24 cidades de Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte, diagnóstico aponta que o isolamento não faz parte do cotidiano da maior parte da população jovem;
Pesquisa foi feita com jovens do MJPOP, frente da ONG Visão Mundial, que trabalha com adolescentes e jovens para monitoramento das políticas públicas e dos serviços públicos, a partir do ponto de vista de quem vive o dia a dia nas comunidades
O MJPOP elencou recomendações de ações ao poder público e irá apresentá-las nas prefeituras de cada cidade envolvida neste levantamento;

Por Giovanna Leopoldi e Júnia Braga

Quase metade da população jovem que vive nas periferias do Brasil não se sente segura frente à pandemia da COVID-19. Um em cada três conhece alguém que teve o diagnóstico de infecção com o novo coronavírus, e a percepção geral é a de que as pessoas nas periferias não conseguem fazer o isolamento social recomendado. Estes são alguns dos resultados de um levantamento feito com jovens moradores de periferia de 24 cidades em seis estados brasileiros. A pesquisa foi feita pelo MJPOP (Monitoramento Jovem de Políticas Públicas), frente da ONG Visão Mundial que prepara adolescentes e jovens para o monitoramento das iniciativas e das políticas públicas e dos serviços públicos, a partir do ponto de vista de quem vive o dia a dia nas comunidades e, assim, buscar a garantia de seus direitos.

Durante os dias 24 e 25 de março – quando as secretarias estaduais de Saúde divulgavam ainda 2.555 casos confirmados do novo coronavírus no Brasil com 59 mortos -, os jovens de 16 a 24 anos do MJPOP entrevistaram 270 pessoas em 24 cidades dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. A pesquisa contempla questões relacionadas ao saneamento básico (disponibilidade de água potável, rede de esgotos e coleta de lixo), saúde e a compreensão de moradores de comunidade sobre a COVID-19. A maior parte dos entrevistados (82%) foi de pessoas jovens – com idade entre 15 e 29 anos.

O objetivo do levantamento é entender qual a compreensão das pessoas que vivem nas comunidades mais periféricas sobre a pandemia e como estão sendo realizadas as ações de mobilização nessas áreas mais necessitadas. “Os dados oficiais apresentados pelo Ministério da Saúde não trazem um detalhamento das comunidades que estão sendo afetadas nos últimos dias; por isso, a importância de conhecermos essas localidades para podermos realizar uma atividade mais direcionada”, afirma Reginaldo Silva, Coordenador de Projetos da ONG Visão Mundial.

Dados

Desde o início da pandemia, a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde do Brasil têm recomendado o isolamento social; isso significa permanecer em casa, sem contatos próximos com outras pessoas para, dessa forma, garantir a não proliferação do vírus. No caso das comunidades nas regiões mais necessitadas do país, esse isolamento ainda não está sendo realizado da maneira correta. Em uma escala de 1 a 5, sendo 1 sem nenhum isolamento e 5 isolamento total, a média ficou em 2,84, demonstrando que as pessoas que moram nessa periferia não têm conseguido fazer o isolamento recomendado. Além disso, 88% consideram regular, ruim ou péssima a compreensão da comunidade sobre a gravidade da pandemia COVID-19.

A ausência de um isolamento total não significa que a comunidade não esteja assustada: 83% dos entrevistados relataram que estão inseguros ou pouco seguros com a atual situação. “O temor está presente, mas o que fazer diante dele se não existe as condições necessárias para fazer um isolamento total?”, indaga Silva.

78% dos entrevistados disseram que têm acesso às informações relacionadas a medidas de proteção ao COVID-19 e 88% afirmaram que a comunidade onde moram dispõe de posto de saúde. Por outro lado, 67% dizem não ver nenhuma mobilização da sociedade sendo promovidas pelas e nas comunidades, direcionadas para pensar em estratégias para conter o surto.

Acesso aos serviços de saneamento básico e saúde

Os entrevistados também foram questionados sobre dados importantes relacionados à saúde e o saneamento básico, itens fundamentais para que as comunidades tenham condições de responder a essa pandemia.

No item de saneamento básico, 21% dos entrevistados afirmaram que pessoas da comunidade apresentarem problemas de saúde nos últimos seis meses decorrentes a problemas oriundos da ausência de uma rede de esgotos, água potável ou coleta de lixo. No item saúde, quase 90% das comunidades possuem postos de saúde em seu território. Mas, boa parte deles responderam que os postos funcionam com horário reduzido. O trabalho dos agentes de saúde foi bem avaliado, entretanto 18% dos entrevistados relataram que os profissionais estão trabalhando sem o Equipamento de Proteção Individual.

Os 24 municípios onde o levantamento foi realizado são: Abreu e Lima (PE), Apodi (RN), Bezerros (PE) Cabo de Santo Agostinho (PE), Canapi (AL), Caucaia (CE), Duque de Caxias (RJ), Escada (PE), Fortaleza (CE), Governador Dix-Sept Rosado (RN), Horizonte (CE), Inhapi (AL), Jaboatão dos Guararapes (PE), Lauro de Freitas (BA), Mata Grande (AL), Mossoró (RN), Nova Iguaçu (RJ), Olinda (PE), Olho D’água das Flores (AL), Paulista (PE), Río Real (BA), Salvador (BA), São João do Meriti (RJ), e Vitória de Santo Antão (PE).

Recomendações do MJPOP Brasil

O objetivo do MJPOP é ser um agente de mudança. Isso significa que jovens participantes do movimento identificam os problemas de suas comunidades e, junto com outros atores, propõem soluções. Em capacitações apoiadas pela Visão Mundial, aprendem temas relacionados ao funcionamento do Estado e como se configuram as políticas públicas e os serviços públicos. Dessa forma, conseguem entender os problemas locais dentro de um contexto mais amplo, identificando as responsabilidades de cada um no processo de construção de soluções coletivas e sabendo de quem cobrar as mudanças necessárias.

Nesse sentido, a partir da pesquisa realizada, jovens do MJPOP elaboraram as seguintes recomendações ao poder público:

1) Implementação da Renda Mínima, no período de três meses, como aprovado pelo Congresso Brasileiro, para famílias de baixa renda, inscritas no Cadastro Único do Ministério da Cidadania, trabalhadores e trabalhadoras informais, e desempregados e desempregadas.
2) Implementação das ações de apoio aos comerciantes locais, com linhas de créditos e suspensão de cobrança de impostos enquanto durar pandemia.
3) Incentivar os canais de comunicação comunitários para informar sobre a importância do isolamento social e criar uma rede de solidariedade para apoio aos grupos de risco.
4) Garantir o acesso a materiais de higienização aos moradores das comunidades. 5) Garantir o acesso à água potável durante o maior número de dias semanais.
6) Realizar normalmente a coleta de lixo nas comunidades, oferecendo aos trabalhadores e trabalhadoras das empresas responsáveis pela coleta de lixo urbano equipamentos de proteção individual.
7) Garantir o acesso à informação sobre locais de atendimento em casos de suspeita de infecção pelo novo coronavírus.
8) Garantir os equipamentos de proteção individual para os profissionais da saúde que estão dentro das comunidades mais vulneráveis.

Essas recomendações serão levadas às prefeituras de cada cidade envolvida no levantamento.

Sobre o MJPOP
O MJPOP é uma metodologia para monitoramento de políticas públicas e serviços públicos (saúde, educação, esporte, lazer e segurança pública cidadã) da Visão Mundial que prepara adolescentes e jovens para liderar processos políticos em suas comunidades e, assim, garantir a efetivação desses direitos de reuniões comunitárias, conversas com poder público, entre outras ações.

Por meio dessa metodologia, meninos e meninas (de 16 e 24 anos) identificam os problemas de suas regiões e, junto com outros atores, propõe soluções . Os participantes do MJPOP aprendem temas relacionados ao funcionamento do Estado e como se configuram as políticas públicas e os serviços públicos. Assim, conseguem entender os problemas locais dentro de um contexto mais amplo, identificando as responsabilidades de cada um no processo de construção de soluções coletivas e sabendo de quem cobrar as mudanças necessárias.

A Metodologia foi desenvolvida pela Visão Mundial Internacional (World Vision) sob o nome de Community Based Performance Monitoring (CBPM) e trazida ao Brasil em 2005. Hoje, cerca de 500 adolescentes e jovens realizam a metodologia em 35 grupos, espalhados por 10 estados no Brasil.

Em 2011, o MJPOP recebeu o Certificado de Tecnologia Social pela Fundação Banco do Brasil, uma instituição pública que reconhece a metodologia da Visão Mundial. Para receber o título, é necessário que o projeto tenha resultados concretos de transformação social, esteja sistematizado de uma forma que possa ser replicado em outros locais e conte com a participação da comunidade no desenvolvimento e implementação.

 

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 10/04/2020

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