Eventos climáticos considerados excepcionais já são a nova normalidade
Eventos climáticos considerados excepcionais já são a nova normalidade
Por Gabriel Brito, da Redação do Correio da Cidadania
Como já ocorre em quase todos os verões, chuvas torrenciais causam tragédias sociais em diferentes locais do país. Neste ano, destacaram-se as chuvas em Minas Gerais em janeiro e, em São Paulo, a tempestade de 10 de fevereiro, que paralisou a cidade e suas atividades por completo. De acordo com a Coalizão pelo Clima, coletivo ambientalista que concedeu entrevista ao Correio, não dá mais pra aceitar o discurso oficial da excepcionalidade das chuvas. Trata-se, em resumo, da nova normalidade climática.
“Nossos governantes, da esfera municipal a federal, continuam dizendo que são eventos inesperados ou citando uma ou duas ações como suficientes para acabar com as enchentes. Duvidamos sempre de soluções simples. Esse é um problema global, diversas cidades do mundo inteiro estão passando pelos mesmos problemas”.
Nesse sentido, apesar de apontarem falhas administrativas de governos, a Coalizão critica o comportamento irresponsável do governo brasileiro no plano internacional e reforça a tese de que tais eventos climáticos punirão de forma mais severa as parcelas mais pobres da população.
“Nós sabemos que a população negra e periférica é muito mais afetada que as classes altas em enchentes, secas e falta d’água, calor extremo etc. Isso porque as classes altas têm acesso à moradia, saúde e saneamento que nem todas as comunidades possuem. É muito claro que algumas regiões, dentro do Brasil e de cidades, sofrerão mais que outras”.
Correio da Cidadania: Como compreender a atual época de chuvas no Brasil à luz do trabalho que a Coalizão produz? Estaria acima da média e por quê?
Coalizão pelo Clima: Com as mudanças climáticas, temos que fazer a análise de que esse é o nosso novo clima, ou o novo estado normal. Eventos extremos vão acontecer cada vez mais no nosso dia a dia. E as enchentes, principalmente urbanas, são uma das faces dos efeitos das mudanças climáticas. Nós, da Coalizão pelo Clima, estamos em contato direto com as pessoas que mais sofrem os impactos: o povo. Enxergamos que o nosso trabalho de informar e encontrar formas de resistir às mudanças climáticas é essencial para nossa sobrevivência.
Correio da Cidadania: O descalabro vivido em São Paulo em apenas um dia de chuvas se deve a quais motivos?
Coalizão pelo Clima: Vários, que vão desde o nível mundial de incapacidade de governos e grandes empresas de implementar ações de redução de emissões de gases de efeito estufa durante décadas, até o municipal, de falta de planejamento urbano que seja inclusivo tanto para pessoas como a Natureza.
Nossas cidades são impermeáveis, nossos rios canalizados, nossas matas devastadas. Com isso tudo, mais a intensificação do aquecimento global, não dá para dizer que foi inesperado, como nossos governantes continuam dizendo.
Correio da Cidadania: Como analisa o discurso oficial perante os acontecimentos?
Coalizão pelo Clima: Nossos governantes, da esfera municipal a federal, continuam dizendo que são eventos inesperados ou citando uma ou duas ações como suficientes para acabar com as enchentes. Duvidamos sempre de soluções simples. Esse é um problema global, diversas cidades do mundo inteiro estão passando pelos mesmos problemas. Como dissemos antes, não dá mais para aceitar esse discurso.
Correio da Cidadania: Em linhas gerais, o Brasil, em suas diferentes regiões, tem condições de enfrentar de forma razoável a intensificação de quaisquer eventos climáticos, sejam chuvas, secas, ondas de frio etc.?
Coalizão pelo Clima: Enquanto os governos não assumirem a importância dos efeitos das mudanças climáticas isso fica difícil de acontecer. Trabalhamos com um conceito de racismo ambiental que acredito ser importante de ser comentado aqui, pois significa que as mudanças climáticas afetam a população de formas diferentes.
Nós sabemos que a população negra e periférica é muito mais afetada que as classes altas em enchentes, secas e falta d’água, calor extremo etc. Isso porque as classes altas têm acesso à moradia, saúde e saneamento que nem todas as comunidades possuem. É muito claro que algumas regiões, dentro do Brasil e de cidades, sofrerão mais que outras.
Correio da Cidadania: O que dizer da postura internacional do país nas discussões climáticas neste momento?
Coalizão pelo Clima: Irresponsável. Tivemos a COP 25 em dezembro que foi um fracasso do ponto de vista de andamento das ações planejadas em 2015. Temos diversos governos no mundo que abertamente negam o aquecimento global, dentre eles o Brasil com o próprio Bolsonaro e Ernesto Araújo, sem falar da atuação lamentável de Ricardo Salles.
É uma irresponsabilidade imensa desprezar a importância da nossa maior floresta e o quanto está sendo desmatada (o desmatamento é um dos causadores do aquecimento global), e também desconsiderar os nossos povos originários como pessoas centrais para a luta da manutenção da nossa biodiversidade e história.
É uma necessidade “para ontem” entendermos que as mudanças climáticas existem e que os impactos ficarão mais evidentes a cada dia. É real e precisamos agir.
Correio da Cidadania: Que tipo de agenda política deveria ser aplicada para evitar as diversas tragédias que acometem a população nesse contexto?
Coalizão pelo Clima: Inicialmente, existem acordos mundiais que infelizmente não estão sendo seguidos, como o Acordo de Paris. É urgentíssima a necessidade de se comprometer globalmente. No nível municipal, temos planos de ação climática que estão sendo elaborados por mais de 90 cidades no mundo que integram o grupo C40. A prefeitura de São Paulo está elaborando um agora mesmo, que deve ser lançado em junho deste ano.
Infelizmente, essa construção não está sendo amplamente divulgada, pois toda a sociedade civil deveria estar envolvida nesse processo. Para se ter uma ideia, as únicas reuniões onde esse plano é abordado publicamente acontecem uma vez por mês na UMAPAZ, no Parque Ibirapuera, organizadas pelo chamado Comitê do Clima, mas não se entra em detalhes.
É importante encontrar maneiras de trazer as discussões para as comunidades e engajá-las nesse processo.
Gabriel Brito é jornalista e editor do Correio da Cidadania.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 26/02/2020
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AGENDA AMBIENTAL DO ESPÍRITO SANTO – PASSIVO AMBIENTAL ASSUMIDO
PELO PODER PÚBLICO
Apesar do empenho da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEAMA), o ano de 2019 foi caracterizado pela não discussão, no âmbito dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente (CONSEMA) e o de Recursos Hídricos (CERH), de temas de imprescindível importância na pauta ambiental do Estado.
Não foi por falta da ação das entidades da sociedade civil que tem assento no CONSEMA e no CERH, que promoveram o processo de protocolização junto a estes Conselhos, de temas que deveriam ser levados ao debate em tais plenários. Muitos destes requerimentos não foram atendidos por parte da presidência dos Conselhos, apesar de que o Regimento Interno dos mesmos determina que a presidência deva se pronunciar sobre as solicitações protocolizadas.
Um exemplo dos temas que acabaram o ano como passivos ambientais para 2020, é a solicitação de que a Fundação Renova (com a presença do IEMA) fizesse uma apresentação dos seus resultados / desastre de Marina e impacto sobre o Rio Doce – hoje divulgados no site da entidade, mas sem condição de questionamento pela sociedade – para os conselheiros do CONSEMA e do CERH. A solicitação foi encaminhada pela SEAMA à Fundação, mas a resposta da entidade foi (sem maiores esclarecimentos) de que não poderia atender o pedido, apesar de considera-lo muito importante. Fato que se agrava pois consta da mídia que a Samarco voltará a operar no segundo semestre deste ano. Entendemos a importância dos impactos econômicos decorrentes da paralização das atividades da empresa, mas não podemos prescindir da discussão / solução dos impactos ambientais e sociais associados.
Outro ponto foi o encaminhamento prévio de uma proposta de Resolução para ser discutida no âmbito do CONSEMA, regulamentando o processo de renovação das licenças (ambientais) de operação para prazos superiores a 6 anos, visto que para prazos inferiores já há regulamentos (atos normativos) definidos. Esta proposta ficou literalmente “congelada” no âmbito do CONSEMA, até que, de forma inesperada, o Instituto Estadual de Meio Ambiente (IEMA) promoveu a renovação da licença de operação da Vale pelo prazo de 8 anos. Questionado (inclusive na CPI da ALES sobre Licenças Ambientais) o IEMA, pelas entidades da sociedade civil, qual a base legal – explicitação do ato normativo regulamentador que deu sustentação a decisão – não houve esclarecimento ao CONSEMA quanto a questão formalizada.
Como outro destaque tem-se a não ativação das ações do Fórum Estadual de Mudanças Climáticas – paradoxalmente desativado na gestão do Governo Paulo Hartung – ou seja, da não abertura das discussões da temática das Mudanças Climáticas, que vem ocorrendo em outros Estados da Federação e em âmbito internacioanl, mas que o ES se mantém, há alguns anos, em pleno estado de omissão.
Tem-se ainda o caso das inúmeras propostas de revisão dos atuais Regimentos Internos do CONSEMA e do CERH – voltadas ao aprimoramento dos trabalhos nas plenárias dos Conselhos (caso, por exemplo, da definição de um prazo limite para que o presidente responda aos requerimentos protocolizados – que ficaram paralisadas, sem discussão, até o momento.
Merece ainda destaque o questionamento, sem resposta, da situação do depósito compulsório, junto ao Fundo Estadual de Meio Ambiente, das multas aplicadas a Vale e a ArcelorMittal, bem de multas que após aplicadas, no passado, simplesmente prescreveram sem que as multas fossem pagas.
Este relato de fatos que demandam respostas poderia ser ampliado, mas, dado a limitação para publicação do artigo, não iremos avançar sobre eles, apesar de considerar que se trata de temas não menos importantes do que os explicitados neste artigo.