O sistema alimentar atual pode alimentar apenas 3,4 bilhões de pessoas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
O sistema alimentar atual pode alimentar apenas 3,4 bilhões de pessoas, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Todos os nossos problemas ambientais se tornam mais fáceis de resolver com menos gente
e mais difíceis e, em última instância, impossíveis de resolver com cada vez mais pessoas”. David Attenborough
[EcoDebate] Está cada vez mais difícil produzir alimentos de forma sustentável. O relatório “Climate Change and Land”, do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU (08/08/2019) – que trata da conexão entre o uso da terra e seus efeitos sobre a mudança climática – mostra que existe um efeito perverso de retroalimentação entre as duas coisas, pois a produção de alimentos aumenta o aquecimento global, enquanto as mudanças climáticas decorrentes ameaçam a produção de alimentos.
O relatório do IPCC mostra, de forma inquestionável, que o crescimento da população mundial e o aumento do consumo per capita de alimentos (ração, fibra, madeira e energia) têm causado taxas sem precedentes de uso de terra e água doce, com a agricultura atualmente respondendo por cerca de 70% do uso global de água doce. Adicionalmente, o aumento da produção e consumo de alimentos contribuíram para o aumento das emissões líquidas de gases de efeito estufa (GEE), perda de ecossistemas naturais e diminuição da biodiversidade. O sistema alimentar responde por cerca de 30% de todas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e 80% do desmatamento global.
Trabalho acadêmico publicado na prestigiosa revista Nature Sustainability (Gerten et. al, 2020) mostra que o sistema alimentar mundial atual pode alimentar apenas 3,4 bilhões de pessoas sem transgredir os principais limites planetários, de acordo com uma análise do sistema agrícola global. Todavia, a reorganização da produção de alimentos – alterando a forma de cultivar e modificando a dieta cotidiana predominante – possibilitaria alimentar até 10 bilhões de pessoas de forma sustentável.
Os autores dizem categoricamente que “Não devemos continuar na direção de produzir mais alimentos às custas do meio ambiente”. Utilizando o arcabouço teórico das Fronteiras Planetárias, a equipe de Gerten analisou os quatro limites que são relevantes para a agricultura: não usar muito nitrogênio, o que causa zonas mortas em lagos e oceanos; não tirar muita água doce dos rios; não derrubar muita floresta; e manutenção da biodiversidade.
A conclusão da equipe é que metade da produção de alimentos hoje viola esses limites. No entanto, essa análise também é a primeira a fornecer informações sobre onde, geograficamente, esses limites estão sendo transgredidos. Ao mudar o que é cultivado, a equipe diz que seria possível alimentar 10 bilhões de pessoas dentro dos quatro limites.
Isso envolveria a criação de espaços anecúmenos para a reselvagerização de áreas onde mais de 5% das espécies estejam ameaçadas; reflorestar terras agrícolas onde mais de 85% da floresta tropical foi derrubada; reduzir a captação de água para irrigação e outras finalidades; e diminuição da fertilização nitrogenada, onde os níveis na água superficial são muito altos. As fazendas podem ser expandidas em áreas onde esses limites não estejam sendo excedidos. Poderia, por exemplo, restringir o uso de fertilizantes em partes do leste da China e da Europa central e expandi-lo em partes da África Subsaariana e do oeste dos EUA.
Segundo o estudo, tais mudanças permitiriam a produção sustentável de alimentos suficientes para matar a fome de 7,8 bilhões de pessoas, aproximadamente a atual população mundial. Reduções no desperdício de alimentos e uma mudança no consumo de carne podem aumentar este limite para 10,2 bilhões de habitantes – um pouco mais do que a população mundial projetada para 2050. Uma grande ressalva é que se pressupôs que o planeta não vai aquecer mais de 1,5° C. Um aquecimento global descontrolado poderá degradar completamente a produção de comida e gerar uma insegurança alimentar sem precedentes.
Em síntese, o mundo conseguiu reduzir de forma significativa a fome no mundo a partir do uso dos combustíveis fósseis e da destruição de muitos ecossistemas. A continuidade deste caminho pode levar a humanidade para o precipício, pois a biocapacidade da terra está diminuindo e os meios naturais para o sustento da humanidade estão definhando.
O crescimento desregrado da população e da economia exerce uma pressão insustentável sobre o meio ambiente. O mundo precisa mudar o regime do crescimento contínuo para o regime de decrescimento até se chegar no Estado Estacionário. E a redução do volume populacional é uma necessidade cada vez mais premente.
O mundo precisa de mais árvores e menos gente (Alves, 02/10/2019). Como disse o grande naturalista David Attenborough: “Todos os nossos problemas ambientais se tornam mais fáceis de resolver com menos gente e mais difíceis e, em última instância, impossíveis de resolver com cada vez mais pessoas”.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Referências:
ALVES, JED. Mais árvores e menos gente, Ecodebate, 02/10/2019
https://www.ecodebate.com.br/2019/10/02/mais-arvores-e-menos-gente-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
Gerten, D., Heck, V., Jägermeyr, J. et al. Feeding ten billion people is possible within four terrestrial planetary boundaries. Nat Sustain (2020) doi:10.1038/s41893-019-0465-1
https://www.nature.com/articles/s41893-019-0465-1#citeas
IPCC. Climate Change and Land. An IPCC Special Report on climate change, desertification, land
degradation, sustainable land management, food security, and greenhouse gas fluxes in terrestrial ecosystems, 08/08/2019
https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/08/4.-SPM_Approved_Microsite_FINAL.pdf
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 19/02/2020
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