A queda da fecundidade na China e o decrescimento populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A queda da fecundidade na China e o decrescimento populacional, artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“A população mundial precisa ser estabilizada e, idealmente, reduzida gradualmente”
Alerta dos cientistas mundiais sobre a emergência climática (05/11/2019)
A China é o país mais populoso do mundo, mas vai perder este posto para a Índia nos próximos anos e deve apresentar um grande decrescimento populacional no restante do século.
Haverá uma grande mudança na estrutura etária, com um forte processo de envelhecimento, como mostrado na figura abaixo.
A China tinha pouco mais de 500 milhões de habitantes em 1950 e o número de nascimentos anuais estava em torno de 20 milhões. Na época do “Grande Salto para Frente” (1958 e 1961) houve uma grande crise de mortalidade (cerca de 30 milhões de óbitos) e uma redução momentânea no número de nascimentos. Mas logo em seguida houve uma recuperação da taxa de natalidade e o número de nascimentos chegou a 30 milhões. No restante da década de 1960, durante a Revolução Cultural, o número anual de nascimentos ficou acima de 25 milhões. Mao Tsé-tung achava que uma população grande era mais impactante do que uma bomba atômica e dizia: “quanto mais chineses, mais fortes seremos”.
A população da China que era de 554 milhões de habitantes em 1950 passou para quase 900 milhões no início da década de 1970. O rápido crescimento populacional convenceu até o presidente Mao de que algo deveria ser feito para evitar a continuidade da explosão demográfica. Assim, foi lançada a política “Mais Tarde, Mais Tempo e em Menor Número” (em chinês: “Wan, Xi, Shao” e em inglês: “later, longer, fewer”) que incentivava as mulheres a terem o primeiro filho em idades mais avançadas, que mantivessem um espaçamento maior entre os filhos e que limitasse o tamanho da prole, adotando um tamanho pequeno de família.
A política “Wan, Xi, Shao” foi um sucesso e, em pouco tempo, o número anual de nascimentos ficou abaixo de 20 milhões. Porém, no bojo das reformas implementadas por Deng Xiaoping em dezembro de 1978, foi instituída a “Política de filho único”, a iniciativa controlista mais draconiana da história da humanidade. Entre 1980 e 2000, o número anual de nascimentos ficou acima de 20 milhões devido à alta proporção de mulheres em período reprodutivo. A taxa de fecundidade estava caindo, mas o número de nascimentos permanecia alto, pois, embora as mulheres estivessem tendo menos filhos em média, havia mais mulheres tendo filho.
Passado o efeito da estrutura etária (que tinha alta proporção de mulheres em período reprodutivo), o número anual de nascimentos começou a cair e ficou em torno de 16 milhões de bebês, espantando de vez a possibilidade de um crescimento desregrado da população. Neste novo contexto, o governo chinês colocou fim à política de filho único. Em outubro de 2015, foi permitido a todos os casais terem o segundo filho e, em 2018, foram eliminadas as restrições ao controle dos nascimentos.
Contudo, a maior liberdade reprodutiva não implicou em um surto de nascimentos. Em 2016, imediatamente depois que se permitiu o segundo filho, nasceram 17,9 milhões de crianças, de acordo com a Agência Nacional de Estatísticas da China. Apenas 1,3 milhão a mais do que em 2015 e metade do que o Governo previa. Já em 2017, o número de nascimentos foi ainda menor, 17,2 milhões de novos bebês, muito abaixo dos 20 milhões estimados pelas autoridades. Em 2018, nasceram 15,2 milhões de bebês e, em 2019, houve o recorde de baixa com 14,7 milhões de nascimentos, conforme o gráfico abaixo.
Como a taxa de fecundidade está abaixo do nível de reposição desde a década de 1980, haverá um grande decrescimento da população chinesa após o pico demográfico que deve ocorrer em 2029, com cerca de 1,44 bilhão de habitantes.
O gráfico abaixo, da Divisão de População da ONU, mostra que a população da China que dobrou de tamanho entre o início da Revolução Comunista e meados da década de 1980, desacelerou o ritmo de crescimento demográfico e deve iniciar uma trajetória de queda que será bastante significativa. Na projeção média, a população chinesa deve cair para 1,06 bilhão de habitantes em 2100. Na projeção alta (muito pouco provável) o número poderia ficar em 1,58 bilhão. Mas na projeção baixa, a população chinesa poderia ficar em “somente” 684 milhões de habitantes.
A população chinesa em idade economicamente ativa (PIA), de 15 a 64 anos, que era de 341 milhões de pessoas em 1950 deu um salto para 1,015 bilhão em 2015. Mas já começou a cair e deve chegar a 814,9 milhões em 2050 e a 555 milhões em 2100. Ou seja, na projeção média, a PIA chinesa deve se reduzir praticamente pela metade no restante do século XXI, lançando dúvidas sobre a capacidade de manter a estrutura produtiva em funcionamento.
Evidentemente, existem muitas forças populacionistas que tentam espalhar o pânico sobre o decrescimento demográfico da China. Contudo, a despeito das preocupações pronatalistas, o governo chinês está mais interessado em avançar na implementação da 4ª Revolução Industrial e nas tecnologias poupadoras de mão de obra. Com a automação e a robotização da economia a China pretende manter a produção em alta, mesmo com menor oferta de força de trabalho. O plano “Made in China 2025” visa promover um avanço da estrutura produtiva e a produção de bens de maior valor agregado e menos dependente de uma oferta ilimitada de mão de obra. As tecnologias do século XXI serão intensivas em capital, ciência e tecnologia e serão poupadoras de trabalho vivo. População menor mas com maior produtividade.
Assim, o fim da “Política de filho único” não significa que a China terá um aumento significativo da taxa de fecundidade e nem evitará um declínio da população ao longo do atual século. Pelo contrário, a liberdade de escolha e o respeito aos direitos sexuais e reprodutivos podem conviver com o encolhimento populacional e o aumento da renda per capita.
O surto de coronavírus de 2020 não deve ter um impacto muito grande na dinâmica demográfica chinesa, mas pode acelerar um pouco este processo de decrescimento da população, na medida em que a paralisação da economia induz as pessoas a adiar o casamento e o nascimento do primeiro ou do próximo filho. A SARS (Síndrome respiratória aguda grave) adoeceu 8.098 pessoas e matou 774 antes de ser contida. O novo coronavírus (2019-nCoV), que se originou na cidade de Wuhan, na China, já matou cerca de 2000 pessoas e infectou cerca de 100 mil pessoas. Ou seja, a tendência de diminuição do número de nascimentos deve continuar.
A queda da fecundidade chinesa, e o consequente decrescimento populacional, pode contribuir para aumentar a renda per capita do país (melhorando as condições sociais de vida) e, principalmente, pode contribuir para minorar os impactos ambientais, pois a China é o país mais poluidor do mundo.
Quanto menor o número de pessoas, ceteris paribus, menor será a pressão sobre os ecossistemas e menor serão as emissões de CO2 responsáveis pelo aquecimento global.
José Eustáquio Diniz Alves
Colunista do EcoDebate.
Doutor em demografia, link do CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382
Nota da Redação: Sobre o mesmo tema leia, também:
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in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 17/02/2020
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Eu sou muito curioso quanto a migração de chineses, numa crise economica pode haver uma saída de chineses tão grande quanto a de russos indo pra outros países da Europa, neste caso como se comporta a curva de decrescimo populacional?