Mais de um terço dos títulos soberanos do Brasil serão impactados por diretrizes ambientais mais rígidas na década de 2020
O primeiro estudo sobre a relação entre os títulos da dívida pública emitidos pelo Brasil e seu capital natural mostra que 34%[1] dos títulos emitidos pelo governo estarão sujeitos a maior escrutínio do mercado e dos investidores em razão de diretrizes ambientais mais estritas a serem adotadas na próxima década.
Por Niamh Brannigan
O relatório recomenda diversas medidas para colocar em evidência questões relacionadas a recursos naturais na tomada de decisões econômicas e de investimento, de forma a evitar riscos desnecessários em relação a títulos da dívida pública.
A emissão de títulos soberanos é uma maneira de o governo captar recursos para financiar diversas iniciativas, como aquelas relacionadas a projetos de infraestrutura. A rentabilidade de títulos soberanos está sujeita a inúmeros fatores, tais como estabilidade política, superávit ou déficit da balança comercial, saúde financeira, eventos extremos e rigidez orçamentária. Entretanto, não havia nenhum estudo que analisasse sistematicamente como o capital natural de uma nação sustenta o valor de crédito de seus títulos, o que pode resultar em eventuais riscos no futuro.
No primeiro relatório voltado à análise dessa relação, o Instituto Grantham de Pesquisa, da London School of Economics and Political Science, e o Planet Tracker descobriram que, entre todos os países integrantes do G20, o Brasil e a Argentina são aqueles que mais dependem do capital natural no que se refere a exportações. De acordo com o relatório, estima-se que 28% dos títulos soberanos da Argentina e 34% dos títulos soberanos do Brasil podem estar sujeitos a mudanças já previstas em diretrizes climáticas e contra o desmatamento a serem adotadas na próxima década.
O prazo máximo para alcançar as Metas de Desenvolvimento Sustentável estabelecidas pela ONU e para reduzir em 45% as emissões de gases de efeito estufa (em comparação com o nível de 2010), de forma a cumprir a meta de temperatura do Acordo de Paris, é 2030. Assim, durante a década de 2020, investidores analisarão títulos soberanos de forma cada vez mais minuciosa, uma vez que precisarão assegurar-se que os objetivos econômicos, sociais e ambientais do governo estejam alinhados. Isso significa que países que degradam seu capital natural (por meio do desmatamento, por exemplo) deverão gerenciar seus recursos naturais de maneira mais sustentável.
Nick Robins, Professor de Economia Sustentável no Instituto Grantham de Pesquisa, da London School of Economics, afirmou que: “após os incêndios de 2019, 246 investidores, com um total de US$17.5 trilhões em ativos, já engajaram suas empresas para ajudar a acabar com o desmatamento da Amazônia. O próximo passo é prestar atenção na relação entre políticas ambientais e os títulos emitidos pelo governo, principalmente em países como o Brasil, que dependem maciçamente da qualidade do seu capital natural.
“O relatório aponta a grande oportunidade que o Brasil ainda tem de proteger e aumentar os benefícios que seu capital natural aporta à economia e, consequentemente, reduzir futuros riscos a seus títulos soberanos, que podem vir a ocorrer em razão do da redução da qualidade de seus recursos naturais e do desmatamento não sustentável.”
Instituições financeiras brasileiras e de outros países estão cada vez mais integrando fatores ambientais, sociais e de governança nos critérios de avaliação de seus investimentos. Entretanto, fatores relacionados ao capital natural são geralmente ignorados ou subestimados na avaliação de títulos soberanos. Para preencher essa lacuna, o relatório apresenta um novo quadro avaliativo demonstrando como se pode essa análise pode contemplar também o capital natural.
Os critérios de avaliação destacam cinco maneiras pelas quais o capital natural pode impactar a rigidez dos títulos soberanos do Brasil a longo prazo:
1 – Institucional: a governança ambiental no Brasil deve ser reforçada. As Os Compromissos Nacionais estabelecidos pelo Acordo de Paris são insuficientes, de acordo om a Universidade de Yale. O Brasil perdeu 9 milhões de hectares de floresta amazônica entre 2007 e 2018, sendo o desmatamento decorrente principalmente da criação de gado e plantação de soja.
2 – Econômica: O Brasil pode sofrer perdas significativas na produção agrícola devido a pressões ao seu capital natural. Um cenário com alto nível de desmatamento pode resultar na redução de produtividade da soja de aproximadamente 33% no estado do Mato Grosso, o maior produtor de grãos de soja do Brasil.
3 – Comercial: O Brasil pode perder espaço no mercado à medida que aumenta o escrutínio do mercado sobre o impacto decorrente dos produtos resultantes do uso intensivo do capital natural: cerca de 9% das exportações brasileiras de soja – um mercado avaliado em mais de US$32 bilhões de dólares em 2018 – está em risco em razão dos impactos do desmatamento e de outras formas de conversão do capital natural.
4 – Fenômenos naturais: Fenômenos extremos e a seca continuarão a trazer impactos à produção agrícola do Brasil. Na região nordeste, estima-se que longos períodos de seca estão associados a uma perda de 20% no valor bruto da produção agrícola. Fenômenos naturais foram responsáveis por perdas agrícolas estimadas em US$11 bilhões [R$46 bilhões] entre 2003 e 2013, o que representa 3% da produção esperada, sendo o maior valor em toda a América Latina.
5 – Fiscal: Todos esses fatores combinados afetam a capacidade financeira do governo e, consequentemente, sua capacidade de pagar títulos da dívida pública. Perdas na produção agrícola podem levar à redução de 0,1% ou US$452 milhões [R$1,9 bilhão] nas receitas fiscais até 2050.
Gustavo Pimentel, Diretor Executivo da SITAWI Finance for Good, afirmou que “A comunidade financeira brasileira está consciente da importância do manejo sustentável do capital natural como uma forma de mitigar riscos e gerar resultados a longo prazo. Este estudo amplia o foco dos negócios e contempla também títulos da dívida pública, sugerindo que, se o Brasil se antecipar às mudanças nas diretrizes ambientais e climáticas, melhorará seu desempenho econômico, sua classificação de crédito e sua capacidade de pagar dívidas.
Os autores apresentam recomendações para governos, investidores e agências de avaliação de crédito em dois possíveis cenários. O primeiro cenário considera a adoção de um “Caminho por cima”, em que os países protegem e estimulam o valor do capital natural em sua economia. Desenvolver resiliência contra distorções físicas e políticas causadas por mudanças climáticas sustentará o valor dos títulos soberanos a longo prazo e consequentemente garantir que esses países tenham acesso aos recursos financeiros necessários para atingir suas metas de desenvolvimento sustentável.
A segunda alternativa é percorrer o “Caminho por baixo”, através do qual se intensifica o esgotamento do capital natural, comprometendo o fluxo de serviços relacionados ao ecossistema. Isso aumenta a vulnerabilidade do país a desastres naturais e intensifica riscos mercadológicos. Para os títulos da dívida externa, isso poderia resultar em maior custo para obter empréstimos, prejuízos à qualidade do crédito e acesso reduzido a financiamentos.
Leia o relatório completo aqui: “The sovereign transition to sustainability: Understanding the dependence of sovereign debt on nature”.
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/02/2020
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